13 / Flor Espinhosa
— Yunni, não deu muito certo… — disse uma voz hesitante, no vestiário feminino do centro de exames.
Ali, só estavam as duas: a elfa Yunni Heartz de frente para o espelho e a garota que sempre a acompanhava, Laila.
— É claro que não deu — respondeu Yunni, batendo suas mãos contra a pia, assustando Laila — Álli é inútil, mas que droga!
— E agora? T-talvez seja melhor deixar isso pra lá. Sora não parece muito bom, ele vai acabar repetindo de ano…
— Não! — ela gritou. Passar um ano inteiro na mesma sala que aquela formiga? Impensável. “Além de tudo, ele trouxe o Álli de volta pro lado dele… Ainda posso fazer alguma coisa”, pensou.
— Y-yunni?
— Ainda tem um jeito. — A elfa respirou fundo. “Só precisa se acalmar, Yunni. É como dizem: se quer algo bem feito, melhor que faça você mesmo”.
Ao se virar para a amiga, a elfa sorriu, com a gentileza e doçura de uma flor que esconde seus espinhos.
— Isso vai depender de você — disse ela.
— De mim?
— O Sora, você viu como ele é ruim, né? Lembra como o Álli era tão próximo de nós? Ele tomou Álli para o lado dele. Agora, somos só nós duas contra ele. — Yunni deu um passo para frente e levou sua mão até a cabeça da outra, acariciando. — Você é a única que tenho.
Laila já havia visto aquele sorriso infinitas vezes, desde o primeiro dia em que se tornaram amigas. Ela ainda se lembra daquele dia, quando viu o cabelo esvoaçante e tão perfumado passar pelo seu caminho. Ela queria sentí-lo mais perto, estar mais próxima, ver o mesmo sorriso várias vezes. Yunni era a única pessoa que viu um potencial nela e a escolheu como sua amiga. Então por ela, Laila faria de tudo, tudo para poder ficar um pouquinho mais perto. Mesmo na época em que a elfa começou a namorar, Laila não se importou, pois ela continuava bem ali.
Agora, poder ouvir essas palavras depois de tanto tempo…
— S-sim! Eu não vou sair do seu lado! — ela disse, com olhos brilhantes e o rosto vermelho.
— Eu sempre soube disso! Então eu preciso que faça um grande favor pra mim.
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— C-caramba, não tô sentindo mais nada!! — gritou Sora, colocando as duas mãos na testa.
Estava ele sobre uma das várias macas dispostas naquela sala, cada uma com caixinhas de primeiros socorros dispostas ao lado sobre prateleiras.
— Que bom, pequeno. — disse uma mulher alta, carregando um sorriso sutil nos lábios. Sua feição jovem era um contraste para seu corpo adulto, que nem mesmo o jaleco branco e comprido conseguia ocultar suas curvas. O cabelo longo e pintado em tom lilás era o toque maior de sua beleza — Acho que isso quer dizer que eu faço um bom trabalho, não? — ela soltou um risinho.
— Seu poder é incrível, moça!!
— Hahah, eu agradeço o elogio, mas no seu caso você estava apenas com alguns arranhões. É um menino bem resistente, Sora, por isso foi super fácil de curá-lo.
— A senhorita Hélene é a melhor médica da capital. Ainda me lembro do dia que acabei quebrando o braço em um acidente e ela o curou como se não fosse nada. — disse Álli se aproximando da maca e ficando ao lado da mulher.
— Ora, sei que dizem isso, mas não é pra tanto. Há muitas outras coisas que fazem um bom médico além de ter um poder de cura. Ah, Sora, sabia que esse danadinho aqui era o aluno que mais vinha para a enfermaria da escola? — Hélene apontou discretamente para Álli, visivelmente ficando envergonhado assim que ela começou a falar. — Ai ai… Todo dia ele se envolvia em uma briga diferente, defendendo alguém. Acho que por isso que acabei ficando tão boa no que faço.
— Sério? — Sora olhou curioso e empolgado.
— E-ei, senhorita Hélene!
— Ah, verdade! Quando eu terminava de tratá-lo ele ainda falava “posso contar com você pra me curar toda vez quando precisar? Um defensor da justiça precisa de um aliado que cuide das suas feridas de batalha!!” — ela disse, imitando um tom pomposo com uma mão sobre os músculos do outro braço.
— Eu consigo imaginar isso direitinho! — Sora riu, fechando os olhos.
— Aaaah, eu era muito novo! — Álli, corado, escondia o rosto nas mãos.
— Bem, você ainda quer ser um, né? Então pode se esforçar bastante. Tenho certeza que poderá se tornar um bom capitão. — Hélene deu um sorriso sincero, dando tapinhas na cabeça do loiro que mal conseguia olhar de volta em vergonha.
— Heh, também acho, só que pra isso vai ter que ficar mais forte que eu primeiro! — Sora disse, saltando da maca.
— Hum, tá se esquecendo que a nossa luta foi um empate, né? Já sou mais forte que você!
— Vai achando!
Hélene soltou mais um risinho frente a conversa dos dois. Subitamente, o alarme soou, com uma voz logo saindo do alto-falante da enfermaria:
— Todos os alunos da enfermaria que já se recuperaram, favor se dirigirem à arena principal. Repito, todos os alunos na enfermaria que já se recuperaram, favor se dirigirem à arena principal.
— Hum? Achei que nós não precisávamos mais voltar até a hora de anunciarem os resultados. — disse Álli.
— Já é agora?! — Sora pulou da maca, fechando os punhos.
— Ora, os resultados eram para sair daqui uma hora… Ah, a turma de vocês termina em número ímpar, não? — Hélene disse, pegando uma prancheta com a lista de alunos, um total de 23.
— Ah, o vovô coruja falou um negócio disso!
— O professor Falcon, você quer dizer… — Álli corrigiu. — Mas é, então teremos mais uma luta?
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— Isso mesmo. Como você foi a última sorteada, então para que não deixemos ninguém de fora, teria que lutar duas vezes. — disse a voz centrada de Falcon, enquanto ele dirigia seu olhar para uma garota de cabelos castanhos amarrados num rabo de cabelo — É uma oportunidade para mostrar mais de suas capacidades, entretanto, não é obrigação. Se recusar participar do segundo duelo, o oficial Zeta ou Delta assumirão o lugar. E então, o que me diz, senhorita Laila?
Laila ficou quieta e evitou de manter o olhar no professor, discretamente. Não conseguia fazer isso enquanto lembrava da conversa que teve com Yunni há uma hora atrás.
— Eu sempre soube disso! Então preciso que faça um grande favor pra mim… Preciso que saia do exame hoje — foi o que disse Yunni, com uma voz hipnotizante.
— O quê? M-mas…
— Não se preocupe, você não vai ser prejudicada. Nós damos alguma desculpa e você faz o exame separadamente com algum instrutor amanhã ou outro dia! Não vai ficar sem nota. Já tenho até uma ideia de uma boa justificativa de que ninguém vai duvidar! — Yunni acariciou a cabeça da menina. — Então, você consegue fazer isso por mim?
“É claro que sim. Por você, eu…” foi o que Laila pensou naquele momento e também agora.
— Senhorita Laila, algum problema? — O professor a chamou de suas memórias, notando os tremores nas mãos.
— Eu… Professor, eu na verdade recebi uma ligação de casa. O meu pai teve que ir pro hospital! Ele já estava meio mal no fim de semana, mas agora parece ter piorado… — Seus olhos pesaram. Seu pai estava perfeitamente bem, trabalhando naquele momento. — Minha mãe tá com ele, mas me ligou pedindo para que eu fosse até lá. Então…por isso o senhor poderia remarcar meu exame pra outro dia?!
Contar uma mentira assim a deixava mal de alguma maneira, mas era o que precisava ser feito para limpar a escola, para se aproximar mais de Yunni. Quem sabe, a partir daí, Yunni olhasse para ela diferente, do jeito que ela sempre quis.
— Oh céus. Sinto muito por essa notícia, senhorita. — disse o professor, franzindo as sobrancelhas grossas. — Precisa que liguemos de volta? Melhor dizendo, posso pedir para um carro levá-la até o endereço do hospital.
— Ah não, n-não precisa! Eu…eu vou passar em casa primeiro para pegar um remédio dele que a minha mãe esqueceu, no meio da correria. V-vou a pé mesmo, não vai demorar!
— Tem mesmo certeza? — Falcon chegou a pegar seu celular na mão.
— S-sim, sim!
— Pois bem. Irei pedir para que um inspetor te leve até o portão depois que pegar as suas coisas — disse ele, teclando no celular — não se preocupe com suas notas pois eu mesmo irei comunicar ao diretor sobre a situação e marcar um exame individual para você. Eu desejo uma excelente recuperação para seu pai.
“Funcionou…?! A Yunni sempre tá certa mesmo!”, pensando, Laila deixou escapar um sorriso de alívio.
Laila foi levada para fora do prédio por um inspetor, acompanhada até o portão externo.
Ainda se mantendo na arquibancada, Falcon se dirigiu até o diretor Oda que fazia registros sobre as últimas lutas junto de uma equipe de professores. O diretor estava de pé, com a mão no queixo e uma feição mais fechada, encarando os papéis sobre as mesas dos avaliadores. Professores logo ao lado conversavam pensativos, franzindo suas testas. Oda, notando a aproximação do coordenador, desfez a expressão mais preocupada.
— Falcon, algum problema?
— Nenhum, senhor. Entretanto, teremos que fazer um remanejamento.
— Hm?
Falcon explicou a situação de Laila sem poupar detalhes. “Uma boa descrição deve ser rica no que se propõe a ser”, costumava dizer.
— É certamente uma pena, porém apenas precisamos ajustar a grade para que então o aluno que ficou de fora participe junto da oponente que a senhorita Laila viria a enfrentar — continuou o professor.
Os outros professores olharam para os dois superiores com certa preocupação. Dando um suspiro, Oda se reclinou na cadeira.
— O problema maior mora nessa afirmação. Além da Laila, Amis, o aluno sorteado do número 23, disse não poder participar do exame devido uma urgência particular. Ele não deu mais detalhes, mas como parecia apressado, deixamos ir. Só pedi para entrarem em contato com a família mais tarde para verificar a validade da ausência. Não sendo o caso, não poderemos remarcar o exame individual para ele.
— Ora, teremos que sortear outro aluno, então — disse o professor-coordenador.
— Sim, já estamos para fazer isso. Vamos sortear outro número e fazer o…
— Bom dia, senhor diretor e professores. — Foi assim que uma nova e doce voz interrompeu o diretor. Ela, claro, estava acompanhada da beleza élfica mais natural.
— Senhorita Heartz. — Oda sorriu, gentilmente, sentado na cadeira. Falcon do seu lado deu uma breve e leve reverência como cumprimento. Ela parecia estranhamente satisfeita em presenciar isso. — Precisa de algo?
— É verdade o que disseram…? — Yunni curvou as sobrancelhas em preocupação e levou as mãos unidas até o peito.
— Sobre o quê, exatamente?
— Sobre o meu colega Amis?!
— Sim, temo que sim — respondeu o diretor, formando um arco com os antebraços juntos, apoiados na mesa.
— Ai, e agora?! Eu não posso ficar de fora do exame! Achei que ele seria minha dupla…
O diretor semicerrou os olhos por um único instante ao escutá-la.
— Então você já sabia do que aconteceu com a Laila, a sua antiga dupla? — perguntou Oda. Sua boca estava escondida por trás de suas mãos unidas em arco.
— Sim, somos muito amigas! Estávamos juntas quando ela recebeu a mensagem da mãe.
— Hm? Ah, sim, faz sentido…
Por um momento, Oda pôde jurar ter visto um sorriso muito discreto no canto da boca da aluna surgindo e sumindo.
— Mas não se preocupe, Heartz. Iremos realizar um novo sorteio com todos aqueles que já se recuperaram. Você não precisará fazer outro dia. — Notou na sua frente, a expressão da garota ficando pensativa. — Algum problema?
— É que…talvez não precisasse de outro sorteio. Eu tenho uma sugestão. Sora Akatsuki, ele é o único aluno novo da minha turma que não veio do fundamental.
— Sora, é? Não entendi o que quer dizer, Heartz. — o diretor arqueou de leve uma das sobrancelhas.
— O intuito do primeiro exame físico é avaliar as capacidades e habilidades iniciais de combate, condição física e controle de cada aluno, antes que a escola possa desenvolver planos mais individuais. Logo, em um evento como esse, por que não oferecer uma chance a mais? — Yunni apontou, cruzando os braços.
— Continue. — Enfim, o diretor separou as mãos. Seus olhos se prenderam fixamente no olhar da garota, levando desconforto por um segundo. Era uma sensação estranha, como se ele estivesse se esforçando para ler letras pequenas gravadas nela.
— Han…o que quero dizer, é: Sora Akatsuki é algo ainda não visto no colégio, correto? Um aluno sem Mabda, mas que mesmo assim quer continuar aqui. (Patético) Ele não sabe bem como a escola funciona ainda, então não seria interessante oferecermos mais uma oportunidade para ele mostrar o que pode fazer? (Como se pudesse) Levando em conta que a sua primeira luta foi interrompida pelo cronômetro e sem uma conclusão, eu estou disposta a tê-lo como dupla para ajudá-lo (derrubá-lo).
Oda seguiu fitando a garota, palavra após palavra. No fim, ele abriu um sorriso.
— Tem razão, é uma sugestão interessante. Sim, agradeço a sua proatividade e acolhimento com o aluno novo.
— Por nada, senhor diretor!
— Ah não, isso é uma qualidade que um bom oficial deve ter. Eu estava até me preocupando com esse menino, se ele acabaria sendo mal-recebido pela turma… mas parece que minha preocupação era infundada. — O diretor manteve o olhar calmo e o sorriso receptivo.
— Jamais. A academia deve ser inclusiva, precisamos mostrar pras pessoas quem serão os novos defensores do país — formalmente, ela disse, abaixando-se para reverência ao dobrar um dos joelhos e levantar graciosamente a barra do vestido.
— Pois bem, pode ir se trocar. Logo mais chamarei todos.
— Claro — disse, com graça, despedindo-se do corpo docente ali presente e se dirigindo para o vestiário. “Sim…Realmente, se quer algo bem feito, faça você mesmo, né, Sora?”
[ • • • ]
No telão da arena, as letras não poderiam ser mais claras. A última disputa do dia: Sora Akatsuki Vs Yunni Heartz.
Para quase todos na plateia, era apenas outra partida, mas os dois garotos próximos de uma entrada do campo de batalha tinham uma vontade definida.
— Dois alunos saindo do exame do nada?! Nem brinca! — Álli cerrou os punhos. — Sora, tá na cara que ela armou pra você. Ela tava esperando por uma chance dessas!
— É mesmo, né? — Sora deu um passo à frente, juntando os punhos.
“Ninguém aqui vai aceitar você.
Você é só uma formiga”
Era agora; a hora de passar por cima dessas palavras.
— Relaxa, Álli! Ela não é a única que tava esperando por isso…!
Perto da entrada do outro lado, Yunni terminava de amarrar seu cabelo em um longo rabo de cavalo. Seus olhos se fixaram, através dos muitos metros do campo, no semblante do menino: o mal que ela precisava derrubar. Não, ele era menos que isso. Era só uma sujeira. Tudo que ela precisa fazer é varrê-la para fora.
De cima, Oda olhava todo o campo, com as mãos juntas sobre a mesa.
Para criar um lugar, da maneira que cada um deseja, os dois dão seus passos.
Seja um uma flor espinhosa e o outro um inseto.
Seja para expurgar uma impureza ou abrir um novo caminho, o resultado dessa luta mudará suas vidas, aqui e agora.
Portanto, que soe o apito.
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