Tive o sonho mais estranho da minha vida até então, é sério. Tudo estava escuro e, para piorar, eu sentia frio. Conseguia até sentir a areia e o cheiro do mar salgado. 

    Era estranho pra mim estar na praia de noite, mas o pior nem era isso. No mar tinha várias pedras de tamanhos diferentes.

    — Hahaha! — uma risada surgiu do nada. Se eu não tivesse em um sonho, já teria metido o pé. Já vi filmes de terror o bastante. 

    Um vento forte passou em cima da minha cabeça soltando uma risada… não, uma gargalhada, o que não me tranquilizava nem um pouco.

    Como era noite, não consegui ver direito, mas eu podia jurar que era uma vassoura ali. Quer dizer, uma pessoa montada em uma vassoura. Voando. De noite. Rindo igual um cleptomaníaco — nem sei o que é isso, mas pra mim soou bem.
    Pra mim, esses sinais já diziam em alto e bom som: Perigo! Não grite.

    A coisa deu 360 na vassoura e ficou parada em cima do mar, de frente para mim. Tinha um chapéu pontudo igual ao do Merlin, mas era preto e com um negócio que eu não conseguia dizer o que era. 

    Parecia uma fivela. O rosto era velho e enrugado, e os dentes? Bem… pareciam que nunca tinham sido escovados. Amarelos como o sol. Era assim que eu imaginava uma bruxa. E ela veio na minha direção rindo, parecendo uma hiena.

    Ghkik.
    A única coisa que consegui pensar foi:
    Ahhhhhh!

    Fechei os olhos e, quando percebi, agora eu estava no mar. Nem sinal da bruxa. Eu estava sobre as águas. No meio das pedras flutuantes. 

    E tinha uma plaquinha em uma delas que dizia: Salão das Bruxas.
    Porém, bem na hora…

    Ben, o idiota.com, me acordou  com um tapa. 
    — Qual é o seu problema, cara? — falei meio grogue de sono.

    — Anda, levanta — disse Ben, franzindo a testa. — Estamos atrasados e…

    Depois de “estamos atrasados” só escutava ele falando bla bla bla. Caí no travesseiro de novo. 

    Escutei um chiado, como se fossem mil pássaros de uma vez. Então meu corpo arrepiou, virei para o lado  segundos antes de Ben socar o travesseiro, que acabou destruindo toda a cama.

    Ele estava com a cara mais feia do que o normal.  Parecia que o tapa-olho fosse explodir.

    — Estamos atrasados! — gritou ele.

    Decidi não colocar fogo na gasolina. Acenei com a cabeça.

    — Deixa eu só me trocar.

    — Estamos sem tempo. Vamos assim mesmo.

    Fácil falar, já que não era ele que estava de pijama de bolinhas. E outra: ele não me conhecia. Quando eu quero, sei ser bem teimoso.

    — Eu já disse que vou me trocar, pirata do Bob Esponja.

    Ops! Foi mais forte que eu. O rosto dele, que já era pálido, ficou parecendo um tomate.

    — Não irei repetir — sibilou, mostrando o punho eletrizado.

    Já tinha convivido com muitos valentões no orfanato, e uma coisa que aprendi foi: nunca deixe eles perceberem seu medo.

     Sempre reaja, mesmo sabendo que vai perder. Me aproximei dele com a cara mais ameaçadora que a humanidade já produziu, mas eu sabia… bastava um soco elétrico e eu ia virar purpurina.

     Ben ficou parado me olhando, como se estivesse tentando me decifrar.
    — Humf… você é corajoso ou só idiota mesmo?

    Suspirei, e na hora que ia discutir, já estava no Conselho. Ben parecia tão surpreso quanto eu. 

    Merlin estava lá também, com seu chapéu pontudo e sua barba longa e grisalha. O estranho era que ele estava sem o cajado. Ben apagou o raio da mão e ajeitou a postura.

    — Se aproxime, Merlin — disse o encapuzado de vermelho.

    Merlin fez o que foi pedido, botou a mão no peito direito e soltou uma frase que não entendi muito bem.

    — Sabemos dos problemas de termos um In Shadow aqui no reino, senhores — Merlin franziu a testa —, mas também sabemos que precisamos dele.

    — Há!

    Não sabia o que era pior: eu ter soltado uma risada de nervoso ou estarem contando com uma criança vestindo um pijama de bolinhas — não era rosa, ok?

    O mago encapuzado, de cor vermelha, apontou o dedo na minha direção. O anel que ele usava parecia rubi.

    — Ele é mesmo um In Shadow. Eu consigo ver através dos olhos — fez uma pausa, abaixando o dedo —, porém não me convenço que tenha tirado a Excalibur.

    Merlin se mexeu, desconfortável.
    — Temos testemunhas do feito do garoto, Maximiliano.

    Tive de segurar minha risada. Eu sei, eu sei, eles estavam discutindo um assunto sério, mas esse nome me fez querer rir. 

    Minhas costelas doíam de tanto segurar.
    Ben olhou para mim e eu já sabia o que ele estava pensando.

    — Temos uma bem aqui — disse Merlin, olhando para Ben.

    O mago de capuz vermelho — quer dizer, Maximiliano — pediu para Ben prosseguir. 

    O idiota.com olhou para Merlin e abaixou a cabeça.

    — Não é verdade, senhor, infelizmente.

    Arregalei os olhos de surpresa.

    — Desculpe, mestre, mas eu respondo ao Reino — Ben olhou para Merlin —. Não podemos permitir uma ameaça dessa conviver entre nós.

    Merlin estava com sua face serena e não se deixou levar. O que eu, sinceramente, não consegui fazer igual.

    — Eu não sou um monstro, porcaria! — apertei os punhos. — Não fiz mal a nenhum de vocês. Nenhum!

    Pensei em todos os meus anos no orfanato esperando ser adotado.

    — Eu não queria admitir, mas sempre quis fazer amigos lá no orfanato onde eu morava. Amigos como se fossem minha família, mas sempre me tratavam como lixo. Assim como esses magos daqui, me culpando por algo que eu não fiz. Não é justo. Não é.

    Me aproximei do conselho e olhei para cada um deles.

    — Cuidado com o que vai fazer, jovem — Maximiliano me alertou.

    Balancei a cabeça.

    — Não vou fazer nada com vocês, babacas. Até porque só demonstra quão fracos vocês são por terem medo de uma criança.

    Senti fios quentes me segurando. Pareciam raízes de plantas.

    — Algum problema, senhor? — disse uma voz masculina. Não consegui me virar para ver quem era. Mas não precisei, pois ele se aproximou. 

    Tinha cabelos curtos e ruivos e segurava uma espada que brilhava. Parecia um daqueles professores meus, arrogantes.

    Junto dele tinha uma garota com cabelos também ruivos, e ela fazia flutuar um grimório. Senti o cheiro de menta adocicada vindo dela.

    — Os irmãos Benx — Maximiliano abriu os braços. — Bem-vindos.

    — Ora, ora, se não é Merlin e o ajudante dele.

    Ben estava do meu lado, e com minha visão periférica vi a frustração no rosto dele.
    Senti uma coisa pontuda encostando na minha nuca.

    — Posso acabar com a vida desse In Shadow agora mesmo, senhor, se permitir.

    — O julgamento, Maximiliano — Merlin interveio, para minha alegria —, é o justo a se fazer.

    — Sempre você defendendo esse bando de bárbaros — sorriu, se aproximando de Merlin —, da última vez não deu muito certo, né?

    A irmã dele o puxou pelo braço.

    — Já chega, Jacob! Não podemos falar sobre isso.

    — Ah, tanto faz! Por mim, eu matava esse pirralho aqui e agora.

    Tentei me mexer, mas não conseguia de jeito nenhum. Essas plantas estavam me apertando cada vez mais e, por algum motivo, parecia que minha energia estava se esvaindo.

    — Levem-no às masmorras — Maximiliano disse por fim. — Merlin, precisamos conversar.

    Depois disso, só escutei uma risada. Tudo ficou preto.

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