Não fazia ideia do que esperar dessa tal “missão”.
    Sério, eu só queria que fosse qualquer coisa que não envolvesse limpar banheiro de magos.

    — Mas antes, preciso levá-lo ao Conselho — disse Merlin, ajeitando o chapéu pontudo. — Vamos!

    Ben descruzou os braços e pulou da pedra onde estava sentado. O jeito que ele me olhou… achei que fosse me tacar um raio na cara. Mas, pra minha surpresa, só colocou as mãos nos bolsos e foi andando devagar, todo cheio de pose.

    — Ben! — chamou Merlin. — Você vem também.

    Meu queixo quase caiu.
    Ele só podia estar de brincadeira.

    — Como assim, mestre? — Ben resmungou. — Eu não suporto estar no mesmo ambiente que esse inseto.

    Cerrei os dentes.
    Como eu odiava gente assim, que se achava o dono do mundo.

    — Quem é você na fila do pão, babaca?! — gritei, com tanta força que os tímpanos do Merlin devem ter implorado por piedade.

    Ben, ou melhor, o idiota ponto com, levantou uma das mãos e lançou um raio em minha direção.
    O clarão passou tão perto do meu ombro que senti o calor do feixe.
    Meu corpo inteiro formigou… e de repente, eu estava flutuando.

    Sim. Levando!
    E, pra completar, o próprio Ben também estava.

    Merlin soltou um suspiro, como quem já viu isso mil vezes.
    — Agora vamos?

    Nem deu tempo de piscar.
    O chão desapareceu — e quando percebi, estávamos diante de um enorme círculo metálico, como uma arquibancada de ferro. Lá em cima, seis pessoas de capuz roxo observavam em silêncio. Embaixo deles, um monte de símbolos brilhavam — letras brancas, meio flutuando, que pareciam vivas. Não consegui entender o que diziam, mas uma coisa era certa: ninguém ali parecia feliz em me ver.

    Merlin avançou dois passos.
    — Este é Sam Skyline — disse em voz alta. — Um In Shadow. Filho daquele que não deve ser nomeado…

    — Hã? Como assim? — franzi a testa, confuso.

    — Não lhe foi permitido falar, criança. — A voz veio seca de um dos encapuzados.
    Olhei de canto pro Ben, e ele só revirou os olhos como se eu fosse um idiota que arrotou na frente da realeza.

    — Como eu dizia… — Merlin lançou um olhar rápido pra mim (tá, entendi, era melhor ficar quieto). — Esse garoto, além de ser um In Shadow, conseguiu remover a Excalibur.

    Os seis se mexeram ao mesmo tempo.
    Mesmo sem ver os rostos deles, dava pra sentir o choque.
    Sussurros preencheram a sala — até que o do meio se endireitou.
    Ele era o único de manto vermelho.

    Só de olhar pra ele, um arrepio subiu pela minha nuca.
    Parecia que o ar ficou mais pesado.

    Faltou Merlin dizer que eu também não consegui tirar a espada de novo, porque, segundo o Ben, tinha sido “sorte de principiante”.

    — Entendo… — disse o homem de vermelho, apoiando o queixo na mão. — Precisamos discutir o futuro desse garoto.

    Merlin deu um passo à frente.
    — Não temos tempo pra discutir. Você sabe do que falo. Ele pode ser nossa única esperança.

    Os encapuzados se entreolharam, cochichando coisas que não entendi.
    O de vermelho levantou uma das mãos.
    — Esta reunião está encerrada. Em vinte e quatro horas, daremos uma resposta.

    Aquela voz me deu calafrios.
    Tinha algo escondido ali… algo que eu ainda não entendia.

    Merlin manteve a calma, como sempre. Só virou de costas e fez um gesto para que fôssemos embora.

    Em um piscar de olhos, já estávamos de volta à casa dele.
    E… casa. Eu gostava de dizer isso. Era uma sensação boa — diferente de tudo que já senti no orfanato.

    No chão, o gato de duas cabeças se enrolava nos meus pés. Descobri que o nome dele era Laranjinha –provavelmente por causa da cor dos pelos dele — Fiz carinho nas duas cabeças e subi pro meu quarto, que na verdade não era meu.

    Sentei na cama e fiquei encarando o teto.
    Tudo que aconteceu parecia um sonho maluco: monstros disfarçados de gente, o Conselho, Merlin, Ben, Excalibur…
    E agora isso de ser um In Shadow.

    Quanto mais eu pensava, mais a cabeça doía.
    Mas uma coisa não saía da minha mente: meu pai.

    Merlin disse que ele também era um In Shadow, que o considerava um filho… e que estava morto.
    Mas lá, no Conselho, ele me apresentou como “filho daquele que não deve ser nomeado”.

    Por quê?
    Quem ele era, de verdade?

    Não consegui dormir.
    Levantei da cama e desci as escadas bem devagar. Quando cheguei à porta, vi Merlin do lado de fora, sentado, com o cajado iluminando o chão e o céu cheio de estrelas acima. Um céu limpo, sem fumaça, sem prédios. Bonito.

    Ele me viu e sorriu.
    — O que te incomoda, garoto?

    Sentei ao lado dele, com as pernas cruzadas.
    O vento balançava a barba dele, longa e prateada.
    Demorei um pouco, mas perguntei:

    — O senhor disse que conhecia meu pai… eu queria saber quem ele era.

    Merlin ficou em silêncio.
    Dava pra ouvir só o barulho das folhas e o miado distante de Laranjinha.
    Quando finalmente respondeu, falou baixo, como se o vento não pudesse escutar.

    — Cuidei de seu pai, Sam. E não menti quando disse que o considerava um filho. — Ele olhou pro horizonte. — Ele também era um In Shadow. Passou pelas mesmas coisas que você está passando agora.

    Baixei a cabeça.
    — Queria ter conhecido ele.

    Merlin sorriu, mas havia tristeza no olhar.
    — Ele era o melhor espadachim que já vi. Um guerreiro esperto… e, acima de tudo, um bom menino.

    Ficamos em silêncio de novo.
    Dava pra sentir que ele lembrava de alguém importante.

    — Como ele morreu? — perguntei, quase sussurrando.

    Dessa vez, Merlin me encarou. O brilho do cajado refletiu nos olhos dele, que ficaram sérios.

    — Um In Shadow mascarado, chamado Lorde Onik, o matou. Ele foi meu discípulo… até se virar para as trevas. Traiu o Conselho, ajudou a destruir os elfos… e acabou com o seu pai.

    Meu estômago revirou.
    Apertei os punhos sem perceber.

    Eu nem cheguei a conhecer meu pai, mas só de ouvir aquilo senti uma raiva que queimava por dentro.
    Uma vontade de caçar aquele tal de Onik até o fim do mundo.

    Merlin colocou a mão no meu ombro.
    — Não se deixe consumir pelo ódio, Sam. — A voz dele era firme, mas suave. — Siga a luz, e ela te guiará.

    O vento soprou forte.
    Os galhos das árvores dançaram, e o céu parecia brilhar mais.
    Por um segundo, juro que senti alguma coisa me observando.
    Um frio estranho percorreu minha espinha — como se olhos invisíveis estivessem escondidos na escuridão.

    Virei o rosto, mas não vi nada.
    Só o som distante do vento… e o reflexo vermelho de algo piscando entre as árvores.

    Quando olhei de novo, já tinha desaparecido.

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