O chão estremeceu quando a criatura pousou no gramado, as asas ainda abertas como muralhas de sombra, passava de dez metros de altura. As penas eram amareladas, salpicadas de tons metálicos que cintilavam sob a luz do sol que atravessava a cúpula do Domatorum. O impacto abriu fissuras no solo, e a onda de vento que acompanhou a aterrissagem lançou os estudantes mais próximos ao chão.

    Um grito coletivo de pavor percorreu a multidão.
     

    — Pra trás! — alguém berrou, mas já era tarde.
     

    A fera estalou o bico, o som metálico de seu maxilar lembrava a quebra de um portão de ferro. Sem hesitar, avançou sobre um grupo de veteranos. As garras, longas e curvas, rasgaram o ar em velocidade impossível para o tamanho.

    Um rapaz não teve tempo de fugir, foi atravessado do ombro à cintura. O sangue respingou no gramado como chuva vermelha.
     

    A criatura abocanhou outra estudante, uma garota de uniforme vermelho. Seu grito foi engolido junto com metade de seu corpo, e os colegas só puderam assistir, impotentes, enquanto ela era devorada viva, ossos estalando dentro do bico colossal. O cheiro de sangue e vísceras inundou o ar.
     

    Lyra sentiu o estômago revirar. O kocka se agitava em desespero, os olhos flamejando de ódio. Ao redor, os gritos se misturavam com rugidos de feraethers.
     

    Alguns dos veteranos reagiram.
     

    Dois luporax surgiram em meio à confusão, lobos cinzentos imensos, com presas faiscando eletricidade. A cada salto, o ar crepitava com descargas que deixavam rastros azulados. Ao lado deles, um simiemom se ergueu como uma muralha de músculos, rugindo, os punhos grossos batendo contra o peito antes de investir contra a ave. Apesar da coragem, nem os luporax, nem o simiemom, chegavam a metade da altura da besta amarela.
     

    O choque foi ensurdecedor. O simiemom foi o primeiro a investir, escalando pelo corpo emplumado com a agilidade brutal de um predador, desferindo socos que estouravam no ar como detonações de canhões. O impacto reverberou, mas as penas metálicas da criatura absorveram boa parte da força, tilintando como lâminas em choque. A resposta veio imediata: a ave girou o corpo com velocidade surpreendente e cravou suas garras no torso do símio, erguendo-o do chão como se fosse apenas um boneco de pano. Num gesto abrupto e impiedoso, lançou-o contra a parede mais próxima. O impacto ressoou num estalo de ossos esmagados, seguido do baque seco da carne contra o concreto. Em um instante, o corpo do feraether se desfez numa explosão de fagulhas douradas, retornando ao núcleo de seu domador, que tombou de joelhos com o choque da ruptura.
     

    Os luporax saltaram logo em seguida, suas presas elétricas mirando o pescoço da criatura. Ela os recebeu com um bater de asas que levantou uma rajada de vento devastadora, lançando um dos lobos longe. O outro conseguiu cravar as presas no ombro, faíscas correndo pelas penas metálicas, mas o bico desceu em contragolpe, esmagando a cabeça do animal como se fosse fruta madura. Novas centelhas douradas.
     

    Lyra recuou instintivamente, o coração disparado, a respiração presa na garganta. Mas antes que pudesse se recompor, uma nova ameaça se ergueu: os próprios feraethers dos alunos ao redor. Descontrolados pelo urro da ave colossal, eles avançavam uns contra os outros, e contra qualquer humano que estivesse por perto.
     

    Ela se injetou com aether e sentiu a onda de bem-estar, a calma artificial que percorria seu corpo como um bálsamo frio. Forçou-se a focar no vínculo. Olhou para o Kocka e ordenou, com a mente e o coração, que ele resistisse. A criatura cambaleou, a cabeça tombando contra o chão pela segunda vez, como se lutasse contra forças maiores que sua vontade.
     

    Um cão feroz, com presas de pedra, investiu contra Kara. O Kocka reagiu de imediato, atravessando o caminho para interceptar o ataque. Os dois corpos se chocaram em meio a poeira e gritos. Lyra percebeu, com surpresa e desespero, que as garras do Kocka eram moles, como se moldadas em barro fresco — e, ainda assim, ele não se partia. Sua estrutura deformava sob a mordida e o impacto, absorvendo a violência, para logo voltar ao normal. Mas, pelo vínculo, Lyra sabia: ele estava sofrendo. Estava ferido.
     

    Kara não hesitou. Liberou seu feraether: uma criatura que lembrava um porco-espinho do tamanho de um barril, coberta por espinhos negros como obsidiana. Assim que surgiu, entrou direto na luta. A cauda se ergueu e, num estalo seco, uma tempestade de espinhos disparou em leque, cortando o ar em direção ao cão. Alguns atravessaram o corpo do Kocka, mas o dano foi pequeno, quase desprezível. O cão não resistiu: dissolveu-se numa nuvem de partículas douradas e voltou para seu domador.
     

    — Atenção! — rugiu Branth, liberando seu próprio feraether. Um felino de corpo arredondado e pesado, o Kawa, que se lançou contra um lagarto coberto por uma gosma corrosiva e o derrubou no chão.
     

    O caos crescia em ondas. Cada um estava preso em duelos pequenos e brutais, enquanto, ao longe, a ave gigante despedaçava veteranos e seus feraethers como se fossem brinquedos frágeis.
     

    Tyler, por sua vez, mostrava-se firme, quase inabalável. Seu feraether era uma tartaruga bípede, de casco largo e braços robustos como muralhas. Ele avançava como um escudo vivo, protegendo Imara e os tributos mais próximos.
     

    Quando uma criatura corrompida, de forma insetóide e carapaça brilhante, investiu contra Lyra, o Kocka pareceu… animado. Como se tivesse esperado aquela chance. Colocou-se diante dela e saltou sobre o monstro. Era um movimento instintivo: Lyra ainda não sabia conduzir ataques. No ar, o corpo do Kocka se desmanchou em lama viva, envolvendo o inseto, que tombou com o peso adicional. Da massa barrosa emergiu a cabeça da ave, bicando sem piedade até partir a carapaça e começar a se alimentar.
     

    Imara quase não teve tempo de reagir quando uma feraether em forma de javali colossal investiu contra ela. Tyler, ocupado com outras ameaças, não conseguiu impedir. A garota se esquivou, mas o impacto ainda a lançou vários metros adiante, direto para o alcance da ave amarela.
     

    — Imara! — gritou Tyler. O brado, no entanto, atraiu a atenção da criatura alada. Seus olhos predatórios se fixaram nela. Ao vê-la caída, a ave ergueu as garras numa promessa de esmagamento.
     

    Sem pensar, Tyler abandonou a defesa e correu numa velocidade impossível. Em frações de segundo, alcançou Imara, arrancando-a do chão no exato instante em que a sombra das garras caía sobre eles.
     

    As lâminas da ave o alcançaram de raspão. O golpe abriu um talho profundo em suas costas, o sangue jorrando quente, empapando sua roupa. Ele trincou os dentes, mas não caiu. Continuou, carregando a garota contra o instinto da própria dor. Sabia que hesitar seria morrer.
     

    — Tyler! — gritou Lyra, sentindo o estômago despencar.
     

    Mas ele apenas sorriu, ainda com Imara nos braços.
     

    Injetou-se de aether. A carne começou a se emendar diante dos olhos dela, como se o tempo estivesse retrocedendo dentro de seu corpo. Não era uma cura completa, mas pelo menos estancava o sangramento.
     

    — Coisas de legados… — murmurou, ofegante, em uma careta de dor.
     

    A batalha prosseguiu em ritmo insano. Cada feraether que tombava era substituído por outro, enlouquecido pela influência da ave. O chão se encharcava de sangue, poeira e fragmentos de criaturas dissolvidas. Por fim, após o que pareceu uma eternidade, os últimos adversários menores desabaram.
     

    Lyra, arfando, se segurava para se manter me pé. Kara tinha o rosto manchado de sangue que não era dela. Russel e Branth respiravam pesadamente, cercados por seus feraethers exaustos. Tyla estava ajoelhada, sem ferimentos visíveis, mas esgotada.
     

    O silêncio entre eles durou apenas segundos.
     

    Um estrondo sacudiu o chão, fazendo a terra tremer sob os pés dos sobreviventes. A ave colossal acabara de concluir sua própria chacina. Dezenas de estudantes jaziam aos seus pés, corpos imóveis entre sangue e poeira. O último simiemom se desfez em cintilações douradas, sumindo no ar como fagulhas de uma fogueira moribunda. A criatura sacudiu o bico, espalhando gotas escarlates pelo gramado. Então, devagar, os olhos dela se fixaram no pequeno grupo de tributos.
     

    O coração de Lyra parou por um instante. Ela sabia: agora era a vez deles. Suas pernas, mesmo sob o efeito do aether, viraram borracha.
     

    A fera ergueu as asas, lançando uma sombra que engoliu o espaço. Cada fibra do corpo de Lyra gritava para correr, mas ela não podia. O kocka cacarejava baixo, pronto para enfrentar o impossível.
     

    O silêncio foi quebrado por um rugido.
     

    Um som diferente. Profundo, gutural, tão poderoso que o ar vibrou. A sombra da ave gigante foi interrompida por outra sombra, ainda maior.
     

    Dos céus, um lagarto alado colossal mergulhou. Suas escamas verdes refletiam a luz, e o bater de suas asas era como o estrondo de uma tempestade. Montado em suas costas, com o uniforme do Domatorum , estava Logan Crass, o reitor.
     

    O olhar da criatura colossal e o da ave se cruzaram. Os dois monstros tinham tamanhos semelhantes, presenças igualmente devastadoras. Um impasse brutal se desenhava diante dos olhos atônitos dos estudantes sobreviventes.
     

    Lyra sentiu o mundo prender a respiração.
     

    — Saiam daqui, agora! — gritou Logan com urgência, a voz carregada de autoridade. Não apenas para o grupo de Lyra, mas para todos que ainda estavam espalhados pelo gramado.
     

    Lyra passou o braço sob os ombros de Tyla, ajudando-a a se levantar, e juntas dispararam em meio à multidão em fuga. Atrás delas, os Feraethers retornavam apressados para dentro dos núcleos, dissolvendo-se em clarões de energia.
     

    Tinham percorrido apenas alguns metros quando Lyra ouviu o chamado inconfundível da feraether de Logan. O rugido reverberava como um trovão metálico: um Draco Minoris, exatamente como a professora Nadine descrevera em aula.
     

    Instintivamente, virou-se por cima do ombro. O mundo atrás dela explodiu em luz: um jato de fogo incandescente varou o ar, tão intenso e ofuscante que fez seus olhos arderem. O calor a alcançou mesmo à distância, trazendo consigo o cheiro amargo de queimado.
     

    Para seu espanto, a fera amarela resistiu. Urrou em desafio, o corpo parcialmente chamuscado, mas longe de estar derrotada. Então as duas colossais criaturas avançaram uma contra a outra e colidiram com um estrondo que fez o chão estremecer como um terremoto. O impacto lançou a fera amarela contra um dos prédios, cuja parede cedeu em cascata de entulho.
     

    — Precisamos sair daqui! — disse Tyla, a voz falhando, quase um sussurro de desespero. — Essa área inteira é perigosa.
     

    Lyra voltou-se para a frente, apertando o passo e sustentando a amiga. Correram sem olhar para trás, deixando para trás o calor sufocante, os rugidos e o barulho ensurdecedor de uma luta de proporções épicas.

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