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    Lady Aliah atravessou as portas do galpão como quem desfila por um salão de glória. Cada passo parecia ensaiado, cada movimento feito para ser contemplado.

    Para os Veyne, era como se sua entrada já fosse, por si só, uma honra… ou ao menos deveria ser.

    Ela caminhou até a estrutura cilíndrica que os calculadores haviam posicionado no centro do espaço.

    Parou diante dela e sorriu para os presentes.

    Lyra sentiu um arrepio subir pela espinha. Aquele sorriso, era o de um predador prestes a brincar com a presa.

    — Gostaria de chamar aqui o homem que aumentou nossas cotas de extração em quase cinco por cento… — disse Aliah, com a voz suave, mas carregada de um veneno sutil. — Venha até aqui, Rob Veyne.

    Ela iniciou um aplauso. Um gesto lento, calculado. Um a um, os demais presentes a seguiram, hesitantes, mas obedientes.

    Lyra sentiu o nó em seu estômago se desfazer por um breve segundo. A mão de Virna, que até então segurava seu braço com força, relaxou e a soltou.

    Rob, que estava mais ao fundo, reunido com alguns primos e supervisores, adiantou-se com um sorriso orgulhoso no rosto. Os ombros abertos, o passo firme, a postura de quem já se imaginava recebendo uma medalha, um selo de reconhecimento, ou alguma glória que elevaria o nome dos Veyne na hierarquia imperial.

    Enquanto caminhava, chegou a acenar discretamente para alguns de seus parentes. Os rostos de sua família o observavam com um misto de alívio e admiração. Vovó Maya, sorriu de volta.

    O Oculae flutuou na direção dele, os inúmeros olhos piscando em sequência, registrando cada detalhe daquele momento. Rob fingiu que não percebia.

    Mantinha o sorriso, a cabeça erguida.

    Deu mais alguns passos. Estava a poucos metros de Lady Aliah quando ela ergueu a mão, interrompendo sua aproximação.

    Havia um brilho estranho em seus olhos.

    Cruel e ao mesmo tempo divertido.

    — Como recompensa pelo aumento da cota de Aether bruto… — disse ela, com a voz aveludada, enquanto apontava para o cilindro coberto pelo tecido vermelho — … trago-lhes um presente.

    Lyra notou o olhar da Matriarca. Imóvel. Impassível.

    Apenas seu Oculae girava, os olhos girando como se captassem cada detalhe invisível. Ainda assim, os guardas Sylaris ao fundo do salão pareciam mais tensos, como se aguardassem um comando invisível.

    Com um puxão firme, Lady Aliah retirou o tecido.
    O choque foi imediato. Um murmúrio coletivo, um prender de respiração.

    Lá dentro… preso numa câmara de êxtase temporal… um homem. Exibido como um troféu.

    Torturado.

    O corpo dentro da câmara estava coberto de feridas abertas, cortes fundos e hematomas escuros como carvão. Os olhos arregalados, congelados num instante eterno de dor. Um grito mudo, retorcido em sua expressão.

    Lyra quase pôde jurar que ouvia, vindo da câmara, um eco distorcido… um grito parado no tempo, reverberando de forma fantasmagórica dentro de sua mente.

    — O-o que… é isso? — balbuciou Rob, a voz falhando, sem conseguir esconder o terror.

    — Wayne — respondeu Aliah, com uma calma cortante. — Achei que fosse reconhecer seu parceiro de negócios e de contrabando. É o seu presente, meu caro, para toda Casa Veyne.

    — Wayne… — repetiu Rob, o nome escapando como se lhe queimasse a garganta. Os joelhos cederam. O sorriso morreu no rosto. Sua expressão desabou como vidro rachado. Os olhos arregalados, a boca se abriu num esgar de puro horror.

    Ele conhecia aquele homem. Muito bem.

    O mesmo com quem vinha desviando parte das remessas de Aether. Tudo pelo futuro da Casa, o futuro de Lyra, o futuro de todos eles… Wayne havia garantido que seria imperceptível.

    Como se um comando invisível tivesse sido dado, os guardas Sylaris levantaram os rifles num único movimento sincronizado. O estalo metálico encheu o ar.

    Não houve gritos. Apenas um silêncio denso, sufocante, cortado por respirações presas na garganta e soluços abafados.

    Saluh, o chefe de segurança dos Veyne, reagiu por puro instinto. Levantou o rifle numa tentativa desesperada e tola de proteger os seus. Antes que pudesse sequer mirar, dois disparos o atingiram no peito. Vovó Maya gritou.

    O impacto foi seco e brutal. O sangue espirrou nos parentes mais próximos, arrancando gritos abafados e engasgos de horror.

    O horror e o espanto eram tamanho, que ninguém mais gritou.

    Saluh cambaleou, os olhos arregalados de surpresa, o rifle escapando de seus dedos. Tentou se segurar, mas suas mãos encontraram apenas o tecido pesado de uma tapeçaria que ostentava o brasão dos Veyne.

    A tapeçaria desabou com ele, rasgando-se em meio ao peso do corpo e aos respingos de sangue.

    O estandarte da Casa Veyne, agora rasgado e manchado, caiu ao chão junto de seu chefe de segurança.

    Ao lado de Lyra, Virna soltou um gemido abafado, meio soluço, meio prece sufocada, antes de desabar de joelhos, como se as pernas tivessem simplesmente desistido de sustentá-la.

    Rob a seguiu logo depois, desabando sem forças.

    — Piedade… Lady Aliah… Pie…

    Antes que pudesse terminar a súplica, Aliah avançou dois passos e o atingiu com um chute violento no rosto.

    O impacto fez Rob girar no ar e cair de lado, cuspindo sangue no chão polido às pressas.

    O som do corpo do pai batendo no chão foi como uma explosão dentro da mente de Lyra.

    Algo se acendeu nela. Um impulso instintivo. Raiva, medo, orgulho ferido… tudo explodindo de uma só vez.

    Ela deu um passo à frente, o coração disparado.

    Mas parou.

    A Matriarca estava olhando direto para ela.

    A sensação foi imediata. Algo atravessou sua mente com a delicadeza de um aríete.

    Não eram palavras.

    Nem som.

    Apenas… uma presença.

    Uma ordem mental, avassaladora, esmagadora. Como se cada nervo, cada sinapse, cada fibra muscular fosse desligada de forma brutal.

    Mesmo assim, com pura força de vontade, Lyra deu outro passo, trêmulo, e mais um. Sentiu algo quente no rosto, sangue escorria do seu nariz, manchando o vestido e o chão.

    A voz dentro dela… ou o que quer que fosse… aumentou em intensidade. Como um trovão silencioso explodindo dentro do crânio. As pálpebras dela tremeram, as pernas cederam… deu mais dois passos pequenos, olhando para a matriarca, mas a escuridão veio.

    — Incrível… — sussurrou a Matriarca, com uma nota de apreciação, como quem observa um animal raro exibir um comportamento inesperado.

    Lyra desabou no chão.

    Aliah avançou novamente em direção a Rob, mas a Matriarca a deteve com um simples toque no ombro.

    O salão inteiro pareceu congelar com aquele gesto.

    — Mesmo sendo de uma Casa menor… mesmo tendo cometido heresia… — a voz da Matriarca era um sussurro que parecia ecoar direto nos ossos de todos — precisamos fazer tudo de acordo com os ritos. Ele… e os outros… serão julgados.

    Aliah permaneceu imóvel por um segundo. O ódio em sua expressão era palpável. Ela queria puni-los ali, naquele instante. Mas respirou fundo, recompondo-se com a mesma teatralidade com que havia chegado.

    Com um sorriso falso, virou-se para todos.

    — Rob Veyne… e alguns dos seus comparsas… ousaram roubar Aether do Império… e da Casa Sylaris. — Sua voz agora ecoava por todo o galpão. — Já temos as confissões dos contrabandistas. Saibam que vou desentranhar cada traidor que se escondeu sob este teto. Quem quiser manter o mínimo da honra da casa vai ajudar a investigação.

    Ela girou o corpo com um gesto teatral, apontando para os guardas:

    — Prendam todos. Matem quem resistir.

    O caos explodiu antes mesmo que a ordem fosse totalmente compreendida. Gritos, choros e o som de corpos em movimento rasgaram o ar.

    O restante dos guardas Veyne largou seus bastões de choque no chão, alguns com lágrimas nos olhos, outros apenas de cabeça baixa, em rendição humilhada.

    Os soldados Sylaris avançaram como predadores treinados. Rápidos. Precisos. Implacáveis.

    A Matriarca caminhou até onde Lyra jazia, desmaiada. A cada passo, o salão se abria à sua frente, como se a própria morte deslizasse entre os vivos.

    Ajoelhou-se ao lado da garota, os dedos enluvados roçando as sardas douradas de Lyra com a delicadeza de quem avalia uma peça de porcelana rara.

    — Estava certa, afinal… — murmurou Zyab, para si mesma.

    O Oculae girava ao redor delas, os olhos piscando em padrões assíncronos, registrando cada segundo da cena.

    Ao se levantar, a Matriarca deu um comando com um único olhar.

    — Levem-na para minha nave.

    Dois soldados a ergueram com facilidade, como se Lyra não passasse de um fardo leve.

    Enquanto a garota era carregada, as palavras de Aliah cortaram o ar como lâminas:

    — Você! — Apontou para Ciel, que tremia ao lado da mãe. — Leve-me ao escritório central. Meus calculadores vão devassar cada linha das contas desta Casa.

    Ciel deu um passo, mas hesitou ao ver os soldados carregando Lyra para fora, fez menção em desobedecer a herdeira, mas, tremendo e chorando, baixou a cabeça para que não percebessem sua covardia, e se posicionou ao lado de Aliah.

    Ela continuou, sem perder o ritmo:

    — Você! — Desta vez, apontando para outro Veyne próximo. — Traga um transporte para mim e para meus homens.

    E, como se tudo aquilo fosse apenas uma tarde comum, Aliah se aproximou de uma das mesas e se sentou com a postura de quem tinha todo o tempo do mundo.

    — Você… — disse, agora com um tom mais casual, voltando-se para um dos serviçais apavorados. — Me traga vinho. Ou champanhe. Isso é ou não é uma festa?

    E assim, com o som dos primeiros gritos, de ordens gritadas e o eco das botas marchando sobre o concreto, a queda da Casa Veyne começou.

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