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    — Uma área extensa e circular, com um domo fechado e decorações minimalistas nas estruturas. Não há dúvidas de que estamos em uma arena — analisou Mayumi, sem tirar os olhos do teto.

    — Isso deveria ser mesmo o subterrâneo de um castelo? — questionou Minoru.

    A luz azul e o silêncio imitavam a sensação de estar submerso, criando a ilusão de que toda a arena estava sob as profundezas de um vasto oceano, deixando quem a adentrava em um estado de reverência.

    A origem dessas estruturas glaciais se tornava um mistério fascinante. Como um áurico, um humano, poderia construir algo assim em tão pouco tempo? E quantas coisas a mais poderiam ter sido criadas?

    — Esse lugar é incrííível! — exclamou Nikko, acelerando a voz aos poucos — vocês estão vendo aqueles cristais lá em cima?! São anilíceas! Eu já as vi em uma caverna bem perto da minha casa!

    — Onde é que tu mora, hein, garota? — perguntou Minoru, ainda fascinado pelas estalactites que brilhavam como cristais no teto.

    — Anilíceas de gelo são somente encontradas em cavernas de alpes. É delas que podemos extrair criogemas, uma das joias áuricas mais cobiçadas do mundo inteiro!

    — Entendi, sua família é rica, né? Não é estranho você ter informações como essa.

    Brrrummm…

    O som de algo emergindo alertava a todos, e em seguida, uma estátua surgia no centro da arena, distante. O gelo rangia e moldava algo maciço e ameaçador, até que uma forma grotesca por fim era revelada: um troll.

    Com o dobro do tamanho dos jovens, grandes músculos, pelos densos e braços poderosos erguendo uma clava prestes a desferir um golpe colossal, a criatura esculpida pelo gelo exalava misticismo e tradição antiga, tudo por conta da máscara que escondia seu rosto.

    A peça lembrava as máscaras de oni: nariz longo, bochechas ressaltadas, e caninos afiados que despontavam de uma boca escancarada e faminta à beira de um rugido parado no tempo.

    O detalhe especial ia para a ausência de orifícios oculares, entretanto, no centro da testa do acessório, um relevo hexagonal destacava-se, uma protuberância que causava estranheza na simetria da máscara, um emblema de poder, ou talvez, a chave para algum segredo.

    C-crek!

    A estátua se moveu repentinamente, um movimento curto de cabeça, mas não o suficiente para escapar da percepção do grupo.

    Todos assumiram posições de combate, o momento requeria olhos fixos na figura possivelmente despertada, mas Akemi? Nem disfarçava. — Q-que bizaaarro! — O medo transbordava em seus olhos, e o tremor em suas mãos era incontrolável, denunciando seu pavor enquanto a imponente figura de gelo ganhava mais movimento, procurando acertar a clava no chão.

    Já Minoru, embora concentrado, mostrava-se levemente incomodado. — Iai? O que a gente faz com ele?

    — O garoto bisonho? Bom, espero que ele não se machuque — respondeu Nikko, não muito irônica.

    — Não! Falo dessa criatura se mexendo na nossa frente!

    — Ah, tá! Hehe… Alí é um caso complicado..

    — Ei, não me tratem como um inútil! Não preciso ficar só na retaguarda!

    Em meio à curta discussão, Mayumi tomou a dianteira do grupo, seus passos calmos e decididos chegavam a ecoar pelo domo. — Deixem comigo.

    — O que tá fazendo, ruivinha?

    — Eu cuido daquele monstro — Mayumi ajustou sua postura com calma, segurando a espada com ambas as mãos e a alinhando-a horizontalmente ao lado esquerdo do corpo, rente aos olhos. Suas pernas suavemente dobradas se firmaram com segurança no solo liso. Certamente, uma pose autêntica dos samurais.

    E em uma explosão de ação, a estátua se libertou da paralisia.

    Ao bater a clava no chão, completando assim a proposta imaginária da estátua, o troll partiu de maneira feroz na direção da jovem. Correndo em saltos como um ser primitivo, ele usava a mão direita para se impulsionar enquanto a esquerda brandia o imenso tacape, golpeando o solo a cada passo ensurdecedor.

    Porém, mesmo com o estrondo dos movimentos, a fera permanecia em silêncio, sua mudez apenas intensificava a apreensão daqueles que observavam.

    “Por favor, Mayumi! Não nos deixe na mão!”

    O troll não parava, os estrondos de sua clava com um silvo ameaçador faziam ouvidos latejarem.

    “Está muito perto! O que ela vai fazer?!”

    Quando o monstro chegou próximo do alvo, um ataque monumental era preparado. Carregado de força bruta, um golpe por cima buscava amassar uma cabeça, preocupando o público.

    — Saia daí, Sanada! — gritou Minoru, claramente aflito.

    Mas Mayumi agiu rapidamente. Ela girou o corpo para o lado, tão fluida quanto a água que desliza por pedras de um riacho. Em um movimento de defesa, a espada de gelo, agarrada firmemente por ambas as mãos, acompanhou a trajetória da clava enquanto a garota se movia, raspando as superfícies gélidas com um som agudo.

    O troll errou o golpe, novamente atingindo a clava no chão com uma força absurda. Contudo, isso não era o bastante para abalar o equilíbrio impecável da espadachim.

    Ao fim da esquiva, Mayumi trocou sua posição rapidamente. Ela firmou os pés novamente, suas mãos apertaram o cabo da espada com mais força; seus olhos focaram na máscara do troll.

    Ainda com a clava no solo, a fera tentou reagir, mas era tarde demais.

    A ponta da lâmina, brilhando sob a luz azulada, foi fincada no centro do hexágono da máscara. Um impacto direto e preciso.

    A máscara tremeu enquanto rachaduras começaram a se espalhar por todo o corpo do troll, que foi tomado novamente pela paralisia, voltando ao seu estado de estátua, sem reação alguma.

    Crsssssshh…

    Diante dos olhos do grupo, o monstro colapsou em um belo processo. Cada pedaço da criatura se desfez instantaneamente em pequenas partículas de gelo, cobrindo o chão com uma camada translúcida de cristais cintilantes, que no fim, desapareceram.

    — Ela… conseguiu? — sussurrou Akemi, a incredulidade era evidente.

    — Sim! Ela conseguiu mesmo! Você foi esplêndida, ruivinha! — comemorou Nikko, pulando e levantando uma mão, movida pela alegria.

    — Caaaraca… — Minoru piscou várias vezes, estava difícil acreditar. Mas ele modulou a voz. — Ahem…! Muito bem, garota. Acho que essa tal espada de gelo realmente serviu bem em você — seu rosto alegre era de alívio.

    Vendo as costas da espadachim, Akemi pensava consigo mesmo. “Ela é incrível! Como pode alguém agir tão calmamente diante de um bicho daqueles?! Foi tudo muito rápido!”

    Com a espada firme em mãos, Mayumi permanecia parada, observando o vazio onde o troll estivera segundos antes. Sua respiração saía em baforadas leves, condensando no ar frio da arena. Então, ela finalmente virou-se para o grupo, sua expressão serena os tranquilizou pelo pequeno sorriso. — Está tudo bem agora.

    A calmaria na arena via-se inabalável, nada mais poderia perturbá-la… se não fosse por Nikko percebendo adversidades. — Ruivinha! A sua mão direita!

    Mayumi ergueu a mão mencionada até a meia altura do corpo, assim notando cortes profundos que percorriam seus quatro dedos, poupando apenas o dedão. O sangue pingava e escorria em finos rastros carmesins.

    Todavia, este sangue curiosamente fugia de tudo o que a humanidade conhecia por padrão; era um líquido que brilhava intensamente, claro e vívido como uma cara tinta vermelha. A explicação poderia estar na essência singular de uma aura sanguínea.

    — Isso deve estar doendo pra caramba, né? — perguntou Akemi, sentindo o peso da companheira.

    A garota ferida passava o dedão pelos cortes, neutra. — … Não, é apenas um detalhe superficial e suportável. Minha mão provavelmente escorregou durante o golpe e passou pelo fio de corte, que mesmo ruim, consegue cortar uma reles carne humana. A guarda de uma espada é crucial para evitar situações como esta. Ainda assim, foi um erro meu que não poderia ser cometido em hipótese alguma.

    — Mas diz aí, sua aura tem a ver com o próprio sangue, certo? O que você pode fazer com essa quantidade? — questionou Minoru, interessado.

    — Falando a mais sincera verdade, nada. Até porque os cortes já fecharam — Mayumi mostrou a palma da mão aberta para o grupo, onde um sangue seco não impedia a percepção de que o membro estava em bom estado, o que surpreendeu a todos.

    — Oooh! Você se cura tão rápido assim?! — Nikko estava abismada.

    — Possuo uma capacidade de cicatrização refinada, uma herança preciosa do meu clã. Não costumo ter cicatrizes abrangentes. Ainda assim, a dor de ferimentos mais profundos não me é estranha. Preciso ser mais cautelosa daqui em diante.

    — Mas, Sanada… Como você sabia derrotar aquele monstro? — perguntou Akemi.

    — Como dito pela Ichikawa, criogemas são jóias áuricas de valor inestimável, não só pela beleza, mas pela raridade. Tudo isso é por conta dela ter a capacidade de animar estruturas de gelo, uma descoberta recente no nosso entendimento das forças áuricas. Contudo, o que realmente as torna preciosas não é apenas seu preço, mas a dificuldade em fazê-las operar.

    — E-eu nunca soube da existência de coisas assim!

    — Também não.

    — He hiii! Vocês dois não viram nada sobre o que aquelas pedrinhas podem fazer! Mas fiquem tranquilos, elas ainda não estão sendo usadas para combate.

    — É o que também penso, mas quando olhei o relevo de seis pontas na testa do troll, imaginei que pudesse estar diante de algo similar a uma criogema. Não posso esconder de vocês que foi uma questão de sorte, pois até então, eu não tinha certeza se esta espada seria capaz de ferir um gelo sustentado por uma aura eterna.

    — Aura eterna contra aura eterna tem os mesmos efeitos de duas auras normais se enfrentando. É bom levarmos isso em consideração neste lugar, já que mal podemos usar nossos poderes — apontou Minoru. 

    — Mas aí é que tá, como sairemos daqui? — indagou Akemi.

    Nikko forçou a visão ao cobrir a parte superior dos olhos com a mão. — Olha, acho que estou vendo um grande portão duplo do outro lado da arena. Mas… nossa, está bem longe!

    — Um portão fechado, aparentemente a única forma que temos de sair daqui. Parece trancado, será que precisaremos de alguma forma de chave? — comentou Mayumi, olhando a passagem ao longe.

    — Haaa — suspirou Minoru — eu não sei, espero que não. Não vejo a hora de cair fora desse inferno congelado.

    Akemi começou a caminhar. — Temos que aproveitar o momento e ir o mais rápido possível. Tomara que não encontremos mais nenhum contratempo.

    Mrrruummmmmm…

    Mais um som suspeito reverberou pela arena, porém, vindo de cima.

    — Aaaargh, boca maldita! Estava bom demais pra ser verdade! — Akemi pôs uma mão na testa, sua irritação não contrapôs o temor crescente.

    — Galera, o que tá acontecendo ali? — disse Minoru, dando um passo atrás e apontando para o teto.

    Os cristais pendurados começavam a brilhar com mais intensidade, suas luzes azuis pulsavam como o bater de um coração, todas sincronizadas…

    — Isso não é um bom sinal… — Nikko também recuava — Ruivinha! O que a gente faz?!

    — Todo mundo, se prepare! — ordenou Mayumi, endireitando a espada com uma firmeza renovada nas mãos; sua seriedade deixava claro que o descanso acabara.

    Felizmente, as luzes se estabilizaram por um momento, revelando mais uma vez o belo brilho cristalino do gelo ao redor.

    Um alívio momentâneo purificou o ar, mas ninguém ousou relaxar… a não ser por Nikko com sua voz risonha e receosa. — N-nossa! He hiii! Isso foi… esquisito. Mas acho que já passou! Vamos continuar, pessoal! — Ela dava um pequeno passo à frente, tentando passar confiança.

    Mas aquela coragem foi em vão.

    Tchummm…

    Repentinamente, tudo se apagou.

    — Isso foi mesmo o som de um corte de energia? — questionou Minoru, coberto pela escuridão absoluta, um tipo de breu que não se acostumava com o tempo.

    Não havia sombras, nem contornos. Nada. Era como se o mundo inteiro tivesse sido apagado.

    AH!!! NÃO CONSIGO VER NADA!!! NÃO CONSIGO VER NADA!!! — gritou Akemi, afoito pelo medo de perder a referência.

    — Ruivinhaaa… Você ainda está aí?

    — … Isso é um problema — disse Mayumi, com a voz mais grave do que o normal.

    Tremendo os dentes, Minoru expressou suas sensações: — U-u-uff, esse lugar tá ficando cada vez mais gelado, a instrutora quer ver a gente gripado?

    O som de respirações ofegantes e passos lentos era a única coisa que tirava o silêncio.

    — Akemi! Fica paradinho aí! — alertou Nikko.

    — Como sabe que sou eu que tô andando?! — Akemi esticou os braços na tentativa de alcançar alguém, mas suas mãos encontraram apenas o vazio.

    — Você mesmo disse que devemos ficar juntos, ainda mais agora que não vemos nem onde estamos pisando!

    — Tem razão, mas isso aqui tá muito errado! Não consigo nem sentir que estou aqui… É como se até o meu corpo tivesse desaparecido!

    — Nos distanciar só trará mais consequências negativas — Mayumi carregava uma ponta de urgência — não sabemos o que está acontecendo, mas precisamos manter a calma.

    — Falar é fácil — rebateu Minoru — se a instrutora projetou isso, com certeza ela sabe exatamente como nos ferrar.

    mrrmmmm…

    O chão de gelo vibrou sutilmente, algo quase impossível de notar, como se uma força oculta estivesse se movendo abaixo da superfície.

    mrrmmmm…

    — Espera! — Akemi manteve todos em completo silêncio.

    “Que barulho é esse? Está… abaixo de nós…? E… ele está… ELE ESTÁ VINDO!!!”

    NIKKO!!! PULA PRA DIREITA!!!

    — Pular pra direita?

    QUALQUER LADO!!! AGORA!!!

    Mesmo extremamente confusa com o comando, Nikko sentiu uma força áurica abaixo de seus pés, e com a agilidade de um gato, ela saltou para o lado.

    Assim, a garota se salvou por milímetros de um final trágico.

    CRRUUUUUUUUUMMMMM!!!

    Vindo do solo, estilhaçando o gelo abaixo como um espelho se quebrando, um monstro de biologia aquática e colossal atacou, rompendo toda a escuridão. A forma era um paradoxo, já que sua grande parte se camuflava entre o preto predominante, mas uma bioluminescência azul que cintilava como estrelas de gelo alinhava suas silhuetas, dando a entender o corpo de uma enguia gigante, revelando o mínimo necessário para atiçar os sentidos de quem assistia.

    Iluminada pelo azul, Nikko estava ajoelhada, de olhos espantados. Mas ela não era a única. Todos do grupo respiravam em finos véus de vapor que se dissolviam na luz fria e opaca, imóveis, vidrados no que passava acima de suas cabeças.

    No entanto, a verdadeira atenção era roubada pela cabeça do ser, onde mandíbulas largas repletas de dentes longos e tortos como fragmentos de espadas, pareciam desproporcionais em tamanho ao resto do corpo. Não obstante, certamente era uma máquina de matar, capaz de despedaçar gelo, aço ou qualquer alma azarada que interrompesse o seu caminho.

    Assim como o troll, aquele ser vinha de um destino improvável. Sem emitir um barulho sequer, ele subiu, subiu… e por fim, despencou, como um mamífero assassino retornando ao oceano congelado após um salto de caça, mergulhando de volta ao chão com uma força que fazia tudo estremecer.

    O gelo rachou e voou em fragmentos novamente, e no final, a escuridão suprema retornou.

    A criatura desapareceu por completo, seu corpo sumiu nas sombras, mas sua presença era indiscutível.

    Mais um desafio recaiu sobre o grupo Fênix: encontrar a melhor maneira de lidar com um monstro que se escondia no escuro, bem abaixo de seus pés…

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