Quando os sons voltaram a surgir, não eram apenas vozes. Eram metais rangendo, choques de armaduras, o eco de passos apressados e o som distante de tambores que pareciam pulsar no ar. Veron sentiu o peso do caos ao seu redor, como se o próprio mundo estivesse gemendo. Ele tombou para trás, suas costas colidindo com os pés frios de um esqueleto que parecia tão perdido quanto ele. Por um momento, ficou ali, imóvel, tentando entender o que estava acontecendo.

    Mãos ossudas o agarraram, levantando-o com uma força surpreendente. Veron foi colocado de pé, seu corpo instável, mas mantido firme por aquelas criaturas que o cercavam. Olhou ao redor e viu que todos eram iguais: esqueletos, rostos vazios e olhos fixos adiante, como se estivessem hipnotizados por um imenso mar de chamas e labaredas que consumiam o horizonte. O campo ao redor exalava um cheiro forte de mana bruta, aquele mesmo tipo de energia que ele sentira antes, quando ainda estava… vivo.

    Seu olhar foi atraído para o outro lado do campo. Lá estavam os humanos, organizados em formação, apontando armas e girando cajados com movimentos precisos. Magias de fogo e água eram conjuradas, criando um espetáculo de cores e destruição.

    — Não se preocupe — a voz de Amin ecoou ao seu lado, calma, quase reconfortante. — O Lich é um grande Mestre.
    Ele usa inibidores de mana, bom, eu acho.

    Veron virou-se para olhar para Amin, seu rosto esquelético parecendo quase expressivo.

    — O que… estamos fazendo aqui? — perguntou, sua voz rouca, como se não tivesse sido usada há séculos.

    Antes que Amin pudesse responder, um tambor ressoou no fundo, profundo e duradouro, como um chamado para a guerra. Veron olhou para trás e viu um grande Esqueleto, imponente, erguendo-se atrás das linhas de centenas, talvez milhares, de ossos como ele. O Esqueleto levantou um dedo ossudo, apontando para frente.

    E então, todos começaram a correr.

    — Você já lutou antes? — perguntou Amin, correndo ao lado de Veron.

    Os dois avançavam juntos, sem armas, sem escudos, apenas ossos e determinação. A paisagem ao redor era uma mancha branca, como se o mundo tivesse sido apagado, exceto pelos humanos do outro lado, vestidos com armaduras reluzentes, empunhando armas e cajados que cuspiam magias poderosas.

    No entanto, nada daquilo parecia afetar o exército de esqueletos. Uma barreira invisível, erguida por cima deles, bloqueava qualquer avanço de mana. Veron lembrou-se do inibidor de mana que Resh usava, uma tecnologia que ele conhecia bem.

    Não, Resh não era seu amigo. Ele era apenas mais um daqueles que sorriram quando o jogaram no abismo. Sorrisos falsos, cheios de inveja e preocupação. Toda a ascensão do Império Humano havia sido construída sobre os ombros de Veron. Ele lutara contra os Orcs, marchara contra as Feiticeiras, fizera a diplomacia com os Carcamansus e os Donos do Deserto.

    O Império Humano era o que era porque Veron tinha feito tudo o que podia. E ele deveria ter assumido o trono.

    Enquanto desciam a colina, os humanos começaram a avançar em sua direção, guiados por gritos de guerra que Veron reconhecia, mas com uma nova ferocidade. Esses eram os homens que decidiram servir aqueles bastardos, aqueles malditos assassinos que o traíram.

    — Eles merecem morrer pelo que fizeram — Veron ergueu a voz, apontando para frente, sua mão ossuda tremendo de raiva. — Nem que eu seja morto de novo. Eu juro que vou matar aqueles desgraçados. Eu juro pela minha vida.

    A risada de Amin ecoou ao seu lado, leve, quase irônica.

    — Ei, colega. Você já está morto.

    Isso. Enquanto o coração batia, ele estava vivo. Agora, depois de bater no fundo do abismo, a única coisa que restava era chegar até os verdadeiros assassinos.

    O primeiro choque ocorreu. Os esqueletos e os humanos colidiram com um impacto que fez o chão tremer. Uma chuva de ossos voou para todos os lados, braços e pernas se desprendendo, caindo de um lado para o outro. Mas a marcha continuava, implacável.

    Os humanos estavam bem equipados, com armas afiadas, escudos resistentes e protetores mágicos que brilhavam em suas costas, sustentados por Magos e Feiticeiros. A linha de frente era uma cavalaria imponente, avançando com força, açoitando tudo que vinha pela frente.

    A segunda explosão ressoou como um trovão, fazendo o solo estremecer sob os pés de Veron. Escombros voaram em todas as direções, engolidos pelo clarão momentâneo das chamas. No meio do caos, algo chamou sua atenção: uma espada cinzenta, arremessada para o alto, girando no ar como um raio prateado. Seu formato era inconfundível – lâmina fina, longa, refletindo a luz com um brilho gélido e letal. Havia uma precisão mortal em seu movimento, como se não fosse apenas um objeto, mas um fragmento de história trazido de volta ao presente.

    Seu peito se apertou. Uma centelha de reconhecimento queimou dentro dele, tão vívida quanto o fogo que devorava as ruínas ao redor.

    Aquela espada… Ele a conhecia.

    — Essa é a espada do Strifer? — murmurou, quase sem perceber que havia falado em voz alta.

    O choque percorreu seu corpo. Como aqueles malditos tinham conseguido aquilo? Como…?

    Se Strifer estava ali, então tudo o que ele realmente construiu estava ruindo. O que restava do seu legado se tornaria cinzas, assim como as promessas que fizera ao mundo.

    Os gritos ao redor puxaram Veron de volta à realidade. Um homem parrudo, de rosto suado e contorcido em fúria, urrava ordens enquanto lutava contra seus próprios Cavaleiros. Seu tom era uma mistura de raiva e desespero.

    — Peguem aquela espada agora! — berrou, derrubando aliados e inimigos com seus golpes descontrolados. Seu olhar era fixo na lâmina no ar, como se sua alma dependesse dela.

    — Eu quero aquela espada! — insistiu, sua voz se sobrepondo ao estrondo da batalha.

    A adrenalina disparou no corpo de Veron. Sem pensar duas vezes, ele se lançou para frente, saindo do meio da marcha e correndo na direção da espada. Ombros se chocaram contra ele, empurrões tentaram derrubá-lo, mas Veron se manteve firme. Precisava chegar primeiro. Precisava alcançar aquilo antes de qualquer um.

    Strifer…

    O nome ecoava em sua mente, carregado de lembranças antigas. Um colega. Um amigo. Um homem que, mesmo diante das piores tempestades, jamais o havia traído. Ele havia jurado proteger o mundo inteiro quando completou dezoito anos. Seu nome era sinônimo de honra, de força. Seu juramento, uma promessa de que jamais recuaria diante do perigo.

    Mas tudo isso… tudo aquilo que ele representava… agora estava morto.

    O respeito que conquistara, a glória que alcançara, as alianças e amizades, os acordos selados com confiança, os conflitos que apaziguou com sua determinação – tudo se dissipara, como fumaça ao vento. Até mesmo as famílias que haviam jurado lealdade à casa Homun foram deixadas para trás, esquecidas pelo tempo e pelo desespero da guerra.

    E agora, restava apenas aquela espada, girando no ar como um lembrete cruel de tudo o que havia sido perdido.

    Quando ela tombou no meio do caos, sua lâmina enfincada na terra, um humano correu na sua direção, ignorando os esqueletos ao redor. A determinação dele era incrível, mas Veron Homun nunca mais seria misericordioso.

    Ele abaixou pegando um punhado de pedras e antes do homem chegar mais perto, jogou pra cima dele.

    — Hoje não.

    A pedra atingiu o pescoço do oponente, que tropeçou, levando a mão ao ferimento e cambaleando para trás. Um grunhido de dor escapou de seus lábios, seu olhar carregado de choque e sofrimento.

    Veron não perdeu tempo. Em meio ao caos, avançou sem hesitação, seus passos firmes sobre o solo enegrecido pela destruição. Chegou até a espada, envolvendo os dedos em torno do cabo frio, sentindo o peso familiar da lâmina em sua mão. Um arrepio percorreu sua espinha. Aquela não era apenas uma arma – era um símbolo do passado, um fragmento de algo que ele jamais poderia recuperar.

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