— Continuem segurando! – Zonias bradou para seus soldados, a voz ressoando sobre o campo de batalha. Seu punho livre estava erguido, enquanto a outra mão empunhava uma imensa espada de lâmina larga que refletia a luz do sol pálido. — Estamos aqui hoje para expurgar o Lich! Ele é o verdadeiro inimigo! Segurem a posição enquanto eles avançam. São apenas esqueletos, criaturas sem consciência e sem propósito! Derrubem-nos!

    Escondido entre seus semelhantes, Veron observava os humanos à sua frente, atentos e disciplinados. Os soldados de lança avançavam em formação, perfurando os esqueletos, forçando-os a recuar. Assim que voltavam para suas fileiras, os cavaleiros assumiam o controle, pressionando ainda mais os mortos-vivos para trás.

    A oeste, a luta de Pokop, o Comandante dos Esqueletos, contra dois cavaleiros humanos de armadura reluzente se intensificava. O choque de espadas e escudos reverberava no ar, mas os movimentos sincronizados dos cavaleiros forçavam Pokop a recuar pouco a pouco.

    — O que acontece se Pokop cair? — Veron questionou em meio ao turbilhão, mas poucos esqueletos ao seu redor lhe deram atenção. Ele insistiu, elevando a voz: — Responda alguém! O que acontece se o Comandante cair?

    — Nós perdemos – Amin respondeu da linha de frente, cravando sua adaga entre as frestas da cota de malha de um dos cavaleiros. O guerreiro urrou de dor e recuou, permitindo que os esqueletos avançassem. — Ele sempre perde, e nós sempre voltamos. É sempre assim. Nosso único papel é segurar a linha de frente pra ele.

    Veron apertou os dentes e negou com firmeza.

    — Não desta vez. Nós vamos ganhar. — Ele olhou para trás, onde a maré de esqueletos aumentava sem cessar. O Lich os invocava em um fluxo interminável, um espetáculo de necromancia que parecia desafiar a própria lógica. Já havia enfrentado um Lich antes, mas nunca um com esse nível de poder. — Ei! – sua voz se ergueu acima do caos. — Ataquem com tudo o que tiverem! Empurrem os esqueletos para frente! Não deixem espaço para os humanos reagirem!

    A ordem ecoou e as fileiras começaram a se unir. Veron empurrou Amin para frente, e logo sentiu outro esqueleto pressionar suas costas, formando uma corrente de força. Os esqueletos, antes dispersos, se tornaram uma maré implacável que avançava de encontro ao inimigo.

    Do alto de seu palanque improvisado, o Comandante Zonias observava a batalha com desdém. Seus olhos estavam fixos no duelo entre Pokop e os cavaleiros, sem prestar atenção ao desenrolar da linha de frente. Sentado confortavelmente em sua cadeira, pegou uma uva de um pote ao lado, jogando-a na boca e engolindo-a sem mastigar.

    — Já acharam a espada do traidor? — perguntou a um dos sentinelas.

    O homem ao lado assentiu e virou-se para repassar a ordem. Após alguns momentos, voltou sua atenção ao Comandante:

    — Fizemos uma avaliação do avanço de hoje, senhor. No momento, perdemos cerca de vinte centímetros de terreno. Um número razoável comparado às outras investidas.

    Zonias fez um gesto displicente, sem tirar os olhos do combate.

    — Parece que hoje será mais rápido. O Comandante Esqueleto está ainda mais fraco do que na última vez. Excelente. — Ele esfregou as mãos, satisfeito. — Este campo de batalha serve como um ótimo treinamento para nossos recrutas. Sempre trazemos os mais novos para se acostumarem a lutar contra os esqueletos.

    — Transformar o Campo do Lich em um campo de treino foi uma excelente estratégia, senhor. — comentou um dos oficiais ao lado.

    — Claro que foi. — Zonias sorriu. — Esqueletos são fracos, previsíveis. Eles não pensam, têm a mesma altura dos humanos, e avançam sem medo. São ferramentas perfeitas para ensinar a guerra. — Ele lambeu os lábios, ansioso, quando viu a espada de Pokop ser aparada e lançada para o lado. — Parece que essa luta já tem um vencedor.

    O Oficial, no entanto, encarava as linhas de frente com mais atenção. Os soldados aguentavam bem, disputavam terreno, eram pressionados e faziam o mesmo para ir adiante, conseguindo lidar melhor com os monstros.

    Mas, os Esqueletos começaram a empurrar mais, forçando os soldados em duas fileiras a recuarem mais de um metro desde que começaram.

    — Senhor… — tentou chamar o Comandante, mas ele encarava a batalha dos três a oeste. — Senhor, precisa ver…

    — Cale-se – vociferou Zhonias. A espada do Comandante Esqueleto foi erguida, e sua defesa ficou aberta. Os dois Cavaleiros tinham a chance de finalizar. — Façam, terminem com isso de uma vez por todas.

    A espada de um dos Grandes Cavaleiros se ergueu, prestes a finalizar, houve um estrondo.

    A linha de frente dos soldados, lanceiros e espadachins foram quebrados E os Esqueletos se arrastaram para dentro das primeiras trincheiras. O Oficial viu um dos esqueletos erguer o braço, como se a vitória tivesse sido conquistada, e apontar para a direita.

    — Merda. — Zonias se levantou rapidamente, sem entender o que tinha acontecido. — Esses idiotas. Como eles conseguiram ser tão facilmente empurrados? Zhigo, Crenes, vão agora lá e limpem essa bagunça.

    O Oficial não se mexeu do lugar. Ainda podia observar os esqueletos partindo para direções contrárias, acertando tudo o que tinha pela frente. Mas, numa curva acentuada, eles começaram a ganhar terreno onde os Curandeiros e Feiticeiros cuidavam dos feridos.

    — Senhor, precisa refazer a trajetória deles. Se chegarem até a enfermaria, vamos perder muito mais homens. Esqueletos são idiotas por natureza, mas com essa quantidade…

    — Meus Cavaleiros sabem o que fazer. — Zhonias procurou os dois Grande Cavaleiros para, então, ficar decepcionado. O Comandante Esqueleto tinha ganhado vantagem, empurrando um deles pro lado, e segurou o outro pelo capacete, o arremessando pra trás, abriu uma vantagem. — Droga, droga. O que foi isso?

    — Peço permissão para alavancar o terreno, senhor.

    Zhonias perdeu o interesse, se levantando da cadeira e dando as costas para o campo de batalha. Ele começou a descer as escadas de madeira, gordo e rechonchudo, desengonçado o suficiente para tropeçar sozinho.

    — Faça o que quiser, Oficial.

    O homem concordou e apontou para frente, onde os Sargentos esperavam.

    — Fechem a trincheira agora.

    Ainda observava a onda branca se misturar, caindo como água dentro de um copo, se infiltrando nos caminhos, tomando eles para si. E uma das caveiras parecia estar envolvida demais naquele trajeto, erguendo o braço e empurrando as demais.

    Veron mantinha a espada abaixada, escondida entre as fileiras de esqueletos, enquanto seus olhos vazios analisavam o campo à frente. A poeira e o cheiro de sangue impregnavam o ar, e os gritos de dor e ordem ecoavam entre as tendas de lona amarelada. Seus aliados, com ossos expostos e trajes esfarrapados, aguardavam um comando, apenas mais peças na máquina de guerra do Lich.

    — Vamos acabar com isso. — Sua voz cortou o caos como uma lâmina fria. — Foquem nos Curandeiros. Estarão vestidos de verde. Matem também os Feiticeiros.

    O avanço foi implacável. O caminho se estreitava conforme as tropas esqueléticas se infiltravam entre as tendas, forçando-os a marchar ombro a ombro, três ou quatro de cada vez. Mas logo à frente, onde as barracas se erguiam como uma frágil fortaleza de pano, rostos humanos se voltaram para eles, estampando puro terror. Curandeiros e Feiticeiros, os pilares da retaguarda, estavam indefesos diante da horda de mortos-vivos que se aproximava.

    — Os verdes e os azuis primeiro. — O braço descarnado de Veron apontou para os alvos.

    E então, como uma avalanche negra, os esqueletos caíram sobre a enfermaria. O pânico explodiu entre os Feiticeiros quando tentaram erguer seus cajados, mas Veron se adiantou. Sua investida foi precisa. Agarrou o braço de um deles antes que o encantamento pudesse ser lançado, sentindo os músculos humanos retesarem sob seus dedos gélidos. Com um golpe seco e cruel, decepou o membro do mago. Um grito estrangulado escapou da garganta do homem, mas não por muito tempo. Com um movimento fluido, Veron deslizou a lâmina pelo pescoço dele, silenciando-o antes que o pânico se espalhasse. Seu corpo tombou sem vida, e o cajado, agora inútil, foi lançado para um dos esqueletos atrás dele.

    — Continuem. — Sua voz era um comando e uma maldição.

    Os esqueletos avançaram, ceifando vidas sem hesitação. Tendas foram rasgadas, potes de unguentos virados, ervas medicinais esmagadas sob botas de osso. Os Curandeiros caíram primeiro, suas túnicas verdes tingidas de vermelho antes que pudessem suplicar por piedade. Os Feiticeiros, privados de tempo para conjurar qualquer defesa, foram abatidos um a um. As armas dos mortos foram arrancadas de seus dedos frouxos e passadas adiante para os mortos-vivos que marchavam sem cansaço.

    Veron, no entanto, não seguiu com a avalanche de destruição. Seus olhos vazios estavam fixos em outro ponto do campo de batalha. Acima dele, num palanque elevado, um homem assistia à carnificina sem pressa, sem horror — apenas com a frieza calculista de quem via números, não vidas. Suas vestes eram cinza e vermelho, o uniforme de um Oficial do Império. Um homem acostumado a comandar, a ditar o destino dos outros como se fossem peças num tabuleiro.

    Mas a verdadeira demonstração de poder não era falar. Era agir.

    Veron ergueu seu braço esquelético, sentindo a lâmina de Kitness refletir o brilho pálido da lua em meio ao caos. Lentamente, apontou a espada na direção do Oficial.

    Um aviso. Um juramento silencioso.

    Sua hora vai chegar.

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