Lock se aproximou com cuidado das rochas esbranquiçadas que delimitavam o território ao redor da torre de Elbag. Mantinha o corpo curvado, os pés ligeiros sobre o chão seco e coberto de folhas mortas. Seu tamanho o favorecia. Com pouco mais de um metro e vinte, o pequeno goblin sabia se esconder melhor do que a maioria dos animais do vale. Mas não era por curiosidade que estava ali — era por instinto.

    Seu coração batia acelerado, e a orelha direita latejava com o eco da sirene que cortava o ar, estridente e violenta.

    Lock havia escutado o alarme à distância e correu até o limite do matagal achando que algum dos seus irmãos havia se perdido na zona proibida. O som da sirene, segundo os anciãos, era usado pelos humanos para detectar monstros, especialmente goblins ou bestas maiores que cruzassem o perímetro.

    Mas ao espiar entre as folhas grossas da moita onde se escondia, Lock viu algo que nunca esperava. Não era um irmão.

    Era um esqueleto.

    Alto, firme, parado com uma espada erguida diante do corpo como se estivesse prestes a cortar o próprio céu. O brilho pálido da lua artificial de Elbag refletia no metal cego da lâmina. A criatura não se mexia. Não recuava. Era como se o tempo estivesse preso entre seus ossos.

    Lock se encolheu mais um pouco. Lembrava-se das histórias contadas pelos mais velhos nas cavernas do sul. Os esqueletos vinham do Deserto de Agonize — uma terra de poeira e gritos, onde o sol não se punha e os mortos andavam por séculos. Diziam que nenhum goblin jamais sobreviveu a uma semana de travessia naquele deserto. Os predadores lá eram piores do que os humanos. Mais pacientes. Mais cruéis.

    Mas esse esqueleto… esse estava ali. Diante da Torre. E não avançava.

    Lock viu um dos humanos aparecer por detrás da muralha externa. Um guarda, segurando uma arma brilhante com um núcleo de luz acesa. Depois veio outro. E mais um. Em poucos minutos, quatro soldados se alinharam diante da criatura morta, mas nenhum deles atirou. Nenhum deu ordem de ataque.

    Eles estavam paralisados.

    Lock, com os olhos arregalados e o corpo praticamente afundado na moita, sentiu algo estranho ao ver o rosto daqueles homens. Mesmo à distância, mesmo atrás de capacetes, havia um silêncio entre eles que era revelador.

    Não era prontidão. Não era dúvida.

    Era medo.

    O goblin mordeu o punho para não emitir som.

    Nunca antes havia presenciado uma cena como aquela. Os monstros fugiam dos humanos. Era a regra do mundo. Era o que ensinavam desde o nascimento. Os goblins corriam, se enfiavam nas árvores, mergulhavam nos rios. Os mortos eram lentos, mas eram alvos fáceis.

    Mas aquele… aquele esqueleto não fugia. Ele esperava.

    O som da sirene continuava ao fundo, agora misturado ao chiado baixo das torres preparando seu sistema de defesa. Mas mesmo com todo o aparato das máquinas humanas, com toda a sua arrogância tecnológica, os soldados hesitavam.

    Eles esperavam que algo acontecesse primeiro. Esperavam que o esqueleto recuasse.

    Mas ele não recuaria.

    E então, do meio da formação, um humano rompeu a hesitação.

    Vestia o manto leve dos batedores da Torre de Elbag, e sua espada vinha embainhada marcada por riscos de batalhas antigas. Ao puxá-la, o som metálico ressoou como uma promessa — uma lâmina afiada o suficiente para atravessar armadura, carne e osso. Lock reconheceu aquele homem.

    Era o Espada Rápida. Tinha visto ele antes, nos campos ao sul, matando um orc ferido com um único golpe. Depois, o mesmo homem desceu sua espada sobre um Macaco Flamejante que tentava escapar da guarnição. Ele era rápido, implacável, orgulhoso da sua técnica.

    Mas agora… havia algo diferente no ar.

    Espada Rápida avançou.

    Num estalo, seu corpo deslizou pelo chão, e a lâmina descreveu um riste vertical, cortando o ar com um zunido. A lâmina mirava o pescoço do inimigo, como sempre fazia.

    Mas o esqueleto não se mexeu.

    No último instante, a espada do morto ergueu-se com precisão inumana, encontrando o aço do humano em meio ao ataque. O impacto ressoou seco, e Espada Rápida foi desviado para o lado, como se sua investida fosse nada além de uma dança errada.

    O combate começou ali.

    As lâminas trocavam golpes com uma cadência vertiginosa. Lock mal conseguia acompanhar. Cada avanço do humano era respondido com precisão aterradora. Não havia bloqueios exagerados, nem floreios — apenas movimentos objetivos, letais.

    Espada Rápida tentava de tudo: cortes laterais, ataques falsos, variações no passo. Mas cada tentativa era anulada. A espada do esqueleto desviava os golpes, respondendo com estocadas que forçavam o humano a recuar, a girar, a defender-se em pânico.

    Lock sentiu o coração martelar. Não de medo. Mas de algo que nunca havia sentido enquanto observava humanos e monstros se enfrentando. Era expectativa. Era orgulho.

    Então aconteceu.

    O esqueleto desferiu um golpe não na lâmina, mas no próprio braço do Espada Rápida, abrindo a guarda de maneira brutal. O humano cambaleou, e antes que pudesse recuperar o equilíbrio, o morto avançou.

    A mão ossuda segurou o tecido da túnica do inimigo pelo pescoço. Um puxão seco o trouxe para perto, e o crânio do esqueleto avançou como uma arma viva, chocando-se violentamente contra o rosto do homem.

    O som foi terrível — um estalo profundo, o tipo de som que Lock imaginava que os cérebros faziam ao trincar.

    Espada Rápida tombou, tonto, cambaleando para o lado com os olhos revirando.

    Lock apertou a grama com tanta força que arrancou alguns fios da terra seca.

    E então… sem aviso, sem misericórdia, algo brilhou na mão do esqueleto. Um estalo rápido e fatal, descendo contra o pescoço do humano, perfurando a carne, os músculos, as veias, libertando-o da própria vida.

    O sangue escorreu lento, pintando a areia aos poucos, desenhando veios escuros em torno do corpo que começava a ceder.

    Os outros humanos — os que estavam nas janelas, nos portões, nas sombras da imensa torre — testemunharam aquilo em silêncio absoluto.

    Aquela morte não tinha sido apenas uma execução. Tinha sido uma demonstração.

    Lock sentiu o corpo tremer.

    Ali estava a prova de que os humanos podiam sentir medo.

    O esqueleto recuou a lâmina, retornando à sua postura anterior. O braço caiu ao lado do corpo, e a espada desceu sem pressa, como se não houvesse pressa no mundo. A cabeça se ergueu, e ele olhou diretamente para os soldados à frente.

    Mesmo sem olhos, Lock sentiu que ele os via.

    A voz que se seguiu quebrou o silêncio como seus anciãos faziam em momentos de reunião.

    — Próximo. Agora.

    Era o idioma dos humanos. As palavras carregavam a pronúncia correta, mas arrastada. Era exatamente como eles falavam, mas… torto, sem vida, sem entonação. Apenas… raiva havia naquele som rouco.

    Lock arregalou os olhos.

    Como? Como um esqueleto sabia aquela língua? Aquela entonação? Quem o havia ensinado?

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