Capítulo 11: A Morte a Espreita
— Ele matou o Radi — murmurou Cícero, com a lança trêmula nas mãos, os olhos fixos no corpo inerte do companheiro.
Radi, o mesmo que se gabava em cada jantar, dizendo que caçar criaturas da floresta era como cortar mato seco. Radi, que ria ao falar das cabeças empaladas de ogros e lobos de três olhos.
Agora, estava ali. Caído. Com a garganta aberta feito um couro rasgado, os olhos ainda abertos em incredulidade. Morto… por um esqueleto.
— Merda… isso é real?
— Real ou não, a gente tem que lidar com isso — respondeu o Machadeiro, num tom baixo, a mão pesada firme no cabo do machado. Mas seu olhar… seu olhar não desviava de Veron.
Porque Veron estava de pé. Imóvel. Com a espada pousada ao lado, como se não houvesse pressa alguma. Mas era sua presença que incomodava — algo que ia além do físico. Havia nele uma forma diferente de se mover, de existir.
Não era apenas a arma.
Era o que emanava dela. Era o que escorria dos ossos dele como vapor invisível. Aquela… aura.
Durante sua vida inteira, Veron treinara para sentir isso nos outros. A presença de um verdadeiro guerreiro. Os humanos davam nomes diferentes para isso — instinto, pressão, alma de combate. Mas entre os mortos, aquela força era pura e crua, como fogo queimando no vazio.
Veron agora não precisava esconder.
E quando liberou aquela presença, ela se espalhou como um vendaval abafado, uma força invisível que pressionava o ar ao redor dos soldados. Era como estar sob uma tempestade prestes a desabar — o peso na nuca, o suor que não vinha do calor, o medo que antecede o grito.
Veron não falou alto. Não precisava.
— Sinto cheiro de…
Seu crânio virou levemente para a lateral, como se aspirasse algo que os vivos não podiam captar.
— Medo.
Cícero explodiu em fúria.
— Ah, seu merda. Vai pagar pelo que fez com o Radi!
E partiu. A lança ergueu-se como uma extensão de seu ódio, e o corpo se lançou em curva, numa técnica bem treinada. O movimento era rápido, preciso, letal para a maioria dos oponentes.
Mas Veron não era a maioria.
Seu corpo girou suavemente para o lado, como quem dançava com o próprio vento. A estocada passou por onde seu peito estaria, se tivesse carne. Só atravessou o vazio.
E então Cícero viu os olhos da morte.
Veron ainda estava em silêncio, a espada inclinada para baixo, cruzada contra o próprio torso. Num único movimento, ela subiu. Não como um golpe comum — mas como o disparo de um trovão contido.
A lâmina rasgou a carne do quadril à clavícula.
O sangue explodiu, espesso, quente e em silêncio. A espada continuou, quebrando ossos, cortando ligamentos, subindo com violência limpa até atingir o pescoço.
Cícero não gritou. Não houve tempo.
A cabeça foi separada do corpo por uma força tão brutal que ainda girava no ar enquanto o corpo desabava, ajoelhando antes de tombar.
Silêncio.
Os soldados da torre não se moveram. Alguns recuaram meio passo. Outros sequer respiravam.
Veron manteve-se de pé. A espada ainda pingava, mas ele não limpou. Seus olhos vazios os encararam.
— Próximo!
O Machadeiro veio em seguida, saltando e usando sua força bruta para tentar impedir o avanço. Veron deslizou por baixo de sua lâmina, acertando a primeira defesa num golpe lateral, mas a força dos braços do humano o fizeram recuar um passo.
Então, o segundo e terceiro também, o jogando para trás. Veron deixou um dos golpes dele explodir sua espada e joar para cima. Os olhos do Machadeiro brilharam com uma tonalidade roxa, uma aura assassina que se libertava pelos seus poros.
Então, Veron fez o mesmo, libertando sua fúria contida e explodindo a defesa para frente, criando um estalido. Os dois começaram a se bombardear de ataque, vindo dos lados, de cima, e Veron era pressionado para trás pelos músculos do outro.
Sentiu seus dedos tremerem pelo impacto, depois os braços, os ombros. Seus ossos aguentavam o tranco, mas cada vez que vinha mais um, a tremedeira ressoava pela sua base.
— Você é forte, mas não é o mais forte. — O Machadeiro fingiu um golpe pela direita, criando uma zona perigosa. Veron detectou na mesma hora. O braço esticado para a direita, o machado viria da esquerda, era algum tipo de… magia? Não.
Era a habilidade de passar a arma pra outra mão. A famosa ‘Troca de Armamento’.
No segundo seguinte, ela desapareceu. Mas, Veron abaixou. O machado passou tão rápido que assoviou acima de sua cabeça, e a mudança da expressão do homem foi na mesma reação. O homem, que até aquele momento tinha certeza de sua vitória, ficou assustado por um segundo.
Um esqueleto nunca teria capacidade de conseguir prever um movimento daquele. Mesmo que não houvesse a ‘Troca de Armamento’, aquele movimento era veloz e bruto demais para ser desviado por uma criatura ou monstro que não tinha capacidade.
Mas, o Machadeiro observou aquele esqueleto girar o rosto, e seus dentes se alargarem para o lado. Ele está sorrindo? Merda.
O machado veio para perto do peito, e então, o golpe do caveira o acertou direto no meio do peito, com sua arma o defendendo. Ele foi arremessado cerca de três metros para trás. Nunca, desde que tinha chegado ali na Torre de Elbag, algum monstro o fez recuar.
Era diferente, era verdadeiramente uma luta entre dois guerreiros.
— Qual o seu nome?
Veron segurou a espada a girando para o solo.
— Nome? — Um humano já teve um nome antigo. Um guerreiro antigo, um verdadeiro espadachim. Tudo isso estava no passado. Tudo isso estava enterrado naquele lugar. Seu lugar de morte, seu lugar de enterro. — Me chamem de Rei.
O Machadeiro deixou o ar escapar dos seus pulmões. E ele levantou sua arma, repousando em seu ombro.
— Me chamo Saulo, criatura. Tenho certeza que você veio daquele deserto maluco.
Veron deu uma risada. Nunca faria nada para prejudicar novamente a imagem de quem deu uma segunda chance para sua vida. Ele faria o suficiente para atrapalhar quem o matou covardemente.
— Seus olhos não enxergam — respondeu a altura. — Sou um enviado, daqueles que chamam de… Resh, o Tecnólogo.
A informação fez com que os rostos dos que assistiam fosse no chão. Veron mostrou sua carta. Ele faria de tudo para atrapalhar, e conquistar seu espaço. Quando a chance aparecesse pra valer, cortaria a cabeça daqueles vermes.
Distante deles, vindo do outro lado, avistou uma mancha branca sair de dentro da torre carregando uma sacola nas costas com muitas coisas. Amin tinha conseguido, então, Veron precisava dar seu próximo passo, mas recuando.
Afastou-se deles, até chegar perto dos corpos que deixou caído.
— O preço da morte — disse ao chutar o corpo de um deles. — Lembre-se bem disso, humanos. Não estão salvo de mim.
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