As horas se arrastavam enquanto Kenji continuava trabalhando ao lado dos minotauros. Até o momento, ninguém havia lhe dado qualquer instrução, e seus movimentos seguiam desajeitados e imprecisos.

    — O que você costumava fazer garoto? — perguntou o minotauro.

    — Eu sou um explora…

    — Um típico aventureiro, isso explica muita coisa. Você sabe fazer algo que não seja pegar as coisas dos outros?

    Kenji se calou, não entendeu muito bem o que ele queria dizer, mas deve ter sido em relação a ser um explorador, “pegar coisas dos outros” deveria se referir a coletar itens deixados em dungeon ou cavernas, pelo menos foi isso que Kenji pensou.

    — Ótimo… — o minotauro expirou fundo. — Como você não tem muita experiência com absolutamente nada, vai cortar madeira, talvez isso te ajude a criar casca!

    — Porque cortar madeira? E-eu não preciso fazer isso..

    — Olha garoto, você está mais atrapalhando do que ajudando. Entendo seu esforço mas é melhor você cortar madeira, vai aprender a fazer alguma coisa de útil e depois você vem e nos ajuda.

    Kenji sentiu-se um pouco desapontado consigo mesmo. Não gostava da sensação de ser inútil em atividades como aquela, e o fato de ter sido humilhado na frente de todos só intensificava o incômodo.

    Ele acreditava que cortar madeira seria fácil, mas logo percebeu o quanto estava enganado.

    Apesar de ter visto seu pai realizar esse trabalho algumas vezes, nunca havia se interessado em aprender. Sem experiência e sem habilidade com o machado, a tarefa era completamente nova e desafiadora para ele.

    Depois de um tempo, os minotauros pararam para descansar e comer, Kenji aproveitou a deixa para fazer o mesmo.

    — Os centauros não estão ajudando aqui hoje? — perguntou Kenji tentando puxar conversa.

    — Eles ficaram com outras atribuições hoje, mas não me importo, gostamos de trabalhar entre a gente, e tenho certeza que eles sentem o mesmo. — respondeu um dos minotauros. — Não se intimide com o chefe, é só fazer seu trabalho direito que ele não pega no seu pé. Cortar madeira é fácil, só precisa de técnica, é como cortar uma cabeça… Quer dizer… É como cortar papel.

    Durante o tempo de descanso, Kenji começou a ouvir mais o que os minotauros conversavam e tentar pescar algo que pudesse ajudar na sua tarefa. Mesmo não falando nada, ele acabou se enturmando de forma inconsciente.

    Os minotauros conversavam entre si em meio às marteladas e risadas graves, sem dar muita atenção à presença humana de Kenji. Curiosamente, essa indiferença teve um efeito acolhedor.

    Diferente da tensão que sentiu na taverna, onde olhares desconfiados o cercaram, ali ele começava a se sentir parte daquele cotidiano bruto e barulhento.

    Era como se, por um instante, ele não fosse um forasteiro — apenas mais alguém tentando fazer seu trabalho.

    Um tempo levou e chefe dos minotauros chegou, seu olhar ameaçador indicava que tinham que voltar ao trabalho, todos levantaram rapidamente, e voltaram para suas atividades, Kenji logo percebeu e fez o mesmo, voltando a cortar madeira.

    O minotauro chefe destacava-se facilmente entre os demais. Sua pele é de um azul intenso, coberta por pelos densos e desgrenhados, especialmente no topo da cabeça, onde um moicano volumoso se ergue em direção ao céu.

    Seus chifres curvos e enormes com cicatrizes, são marcas claras de batalhas passadas e do orgulho tribal que carrega. Algo que chamou a atenção de Kenji de imediato.

    Ele veste um manto rasgado e esburacado, tingido de tons ocres e alaranjados. Esse tecido parece antigo, quase ritualístico, e cobre parte de seu corpo como um símbolo de tradição ou troféu de guerra.

    Em seu peito, correntes de ouro e prata entrelaçadas com pingentes e talismãs metálicos balançam com cada passo, criando um som de metal tilintando, como se fossem medalhas de honra ou relíquias mágicas.

    Ele carrega um semblante de cansaço e fúria contida, com olhos profundos e brilhantes que indicam tanto sabedoria quanto dor.

    Todos ali o respeitavam, e ele não era o tipo de chefe que só mandava, ele também ajudava e conseguia ser até mais eficiente que os outros.

    — Aumentem a velocidade idiotas! O dia já está findando e eu quero beber hoje! — bradou o minotauro.

    — Sem o pirralho nos atrapalhando, a produtividade aumentou em peso. Hehe

    Ao fim do dia, os minotauros suspiram de alívio, estavam quase terminando de concluir mais uma casa.

    Para muitos, minotauros são bestas selvagens com sede de sangue, porém aqueles minotauros estavam felizes por construir uma casa. Kenji ri com aquela situação, e também parecia feliz, ele imaginava como aquilo deveria ser uma conquista para eles.

    Kenji parou de cortar madeira, já estava cansado e precisava descansar. Se imaginou comendo aquela delícia que tinha provado na taverna ou em quanto poderia descansar na casa de Isha.

    Os minotauros pouco a pouco começaram a se retirar, felizes pela conquista mas ainda sim exaustos.

    “Vou aproveitar a situação e sair também. Espero que Isha tenha feito algo pra mim.”

    Ele largou o machado e com passos lentos começou a andar em direção a casa de Isha. Logo o chefe dos minotauros aparece, o interceptando.

    — Aonde pensa que vai? — perguntou o chefe minotauro.

    — Eu estou indo embora… Todos estão indo, então terminamos por hoje. — Kenji engoliu seco.

    — Você vai ficar, e vai cortar mais madeira, parece que você não aprendeu ainda, então vai ficar aí até dizer chega. Depois de beber eu mesmo vou voltar aqui e te supervisionar. — o minotauro encara Kenji, o ar muda completamente e aquela alegria momentânea se transforma em medo.

    — Isso não faz sentido! Isso é muito injusto!

    — A vida é injusta, garoto. Essa é a primeira lição que você irá aprender, os novatos aqui não têm descanso. Seus amiguinhos não te contaram, mas todos passam por isso quando chegam a mim, eu não trabalho com molengas e espero que você não seja um molenga! — a respiração do minotauro era pesada, e parecia ficar mais pesada quando ele falava.

    Kenji não quis desafiá-lo, então imediatamente se calou. Pegou o machado de volta voltando ao trabalho.

    O minotauro encara Kenji com certo orgulho percebendo que o garoto obedecerá, então ele se afasta, sumindo em meio a escuridão da noite.

    Naquele instante, ele não ousou questionar ou refletir; simplesmente obedeceu como se as palavras do minotauro fossem uma ordem incontestável.

    Seus músculos que já ardiam de exaustão, estavam a ponto de explodir, cada movimento parecia um esforço sobre-humano, e seu corpo clamava por descanso.

    No entanto, o temor que o dominava foi mais forte que o cansaço, impulsionando-o a continuar, golpe após golpe, mesmo quando tudo dentro dele implorava para parar.

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