Capítulo 103: Monstro
Num mar tão grande, sempre existem peixes maiores do que você
A Guerra Além da Espada ~ Kali
Como qualquer dia nublado, o coliseu estava escuro. Um clima mórbido permeava no ar, fundido a agitação e empolgação da plateia com as últimas lutas do torneio chegando. Geralmente, em dias como esses as batalhas de nível 1 eram as menos assistidas, afinal, pouca surpresa era esperada de novatos. Entretanto, todos os espectadores já estavam viciados em assistir esse participante em específico.
O Alado subiu no palco. Seus pés descalços tocavam o chão, descalço. Seu corpo pálido estava coberto por nada mais do que uma manta cinza. O homem era belo ao extremo, suas feições delicadas e finas eram quase femininas e poderiam ser assumidas como tal se ele dissesse que eram. Um físico perfeitamente balanceado e lindo. Apesar das vestes, era impossível confundi-lo com um pobre morador de rua, tanto pela sua aparência nobre quanto por suas grandes asas pretas que saiam de suas costas. A única coisa que parecia de valor em seu corpo era a espada prateada que carregava entre as asas.
Graciosamente, o ser identificado como número 142 de quase um metro e noventa posicionou-se indiferente de um lado da arena, olhando indiscretamente a mulher baixa do outro lado. Cabelos ruivos e olhos azuis, a conjuradora parecia uma criança perto do Alado; os espectadores; e, até mesmo Téo, a olhavam com pena, pena essa que a deixava um tanto quanto irritada.
“Isso vai ser um massacre…” Pensou o narrador.
— Participantes, em suas posições!
Segurando o seu cetro com toda a sua força, Selene firmou seus pés no chão. O Alado nem mesmo piscou.
— Comecem!
Sem perder tempo, o homem bateu suas asas e avançou rapidamente sem nem mesmo sacar sua espada. Selene, que já estava preparada, não hesitou nem um momento e balançando o cetro como se fosse um bastão de beisebol, atirou duas estacas de água giratória na direção do Alado, que desviou com precisão e continuou sua investida.
— O que foi aquilo? — questionou Glória.
— Aquilo o quê?
Ainda no combate, a conjuradora tocou a ponta de sua arma no chão e dezenas de gotas de água pularam do solo e conectaram-se como uma rede. Batendo mais uma vez com a base, a habilidade avançou contra o homem, que foi forçado a parar sua investida e dar alguns passos para trás.
— De novo!?
— Do que você está falando Glória?
— Ela… não está falando nada…
Na arena, o número 142 parou de pé e apontou para Selene.
— Essa coisa na sua mão — disse o Alado.
— Ele sabe falar…
— Sua voz é tão… macia?
Os espectadores notaram que era a primeira vez que aquele ser quase mitológico falava desde que pisou no torneio. Sua voz era bonita, doce, grave, mas não rouca e um tanto quanto melódica.
— O que tem…
— Desde que nasci, tenho a habilidade de medir a força de oponentes mais fracos do que eu — disse ele, interrompendo-a. — Você definitivamente não tem capacidade no momento de utilizar algo como conjuração instantânea, nem conjuração dupla… então, deve ser essa coisa na sua mão.
“Ele já percebeu…” Pensou Selene. “Impossível, é a primeira vez que uso disso e ele percebeu na segunda magia!?”
— Você parece surpresa — disse o Alado. Seu tom de voz era indiferente, robótico e sem emoção. — Não se preocupe, é só uma suposição. A verdade é que é intrigante, não existe um ser nesse nível que eu não consiga medir o nível de força apenas com meus olhos, com exceção do homem chamado Hans e dessa coisa no seu dedo… apesar de que em ambos os casos, a força não parece vir da pessoa em si…
— Não sei do que você está falando…
— Entendo… acho que não estou sendo claro o suficiente — o Alado estendeu sua mão, abrindo a palma. — Esse bracelete no seu braço… se importa de me dá-lo?
— Ele quer o bracelete da menina?
— Por que um ser como esse iria querer algo de aparência tão… comum?
— Talvez ele seja mais ‘humano’ do que eu pensava…
Os espectadores comentavam entre si a súbita atitude estranha que o Alado tomou. Até mesmo os acompanhantes que observavam da sala especial estranhavam o pedido do homem.
— Alados são uma raça esquisita mesmo… — comentou o Anão.
— Talvez sejam mais mesquinhos do que parecem… por que ele quer o bracelete dela? — concordou Miriem.
— Ah, você ainda está aqui, achei que tivesse ido embora quando sua garota se rendeu — provocou o homem ranzinza.
— Pensei o mesmo quando sua amada sobrinha tomou uma surra daquele moleque de Ignis — retrucou a elfa.
— Não deixem os seus sentidos os enganarem — Outra elfa, ainda mais velha, na sala os reprimiu. — ‘Aquilo’ não é um simples bracelete.
— Você é…
— Por que você quer meu bracelete?
— Ele me intriga.
— Te intriga? — questionou a mulher. — Isso é razão para parar no meio do confronto e me pedir o que é meu?
— Que outra razão eu precisaria? — retrucou o Alado. — É só um torneio que acontece uma vez por ano, não há nada mais de especial dele no que há em uma coisa que me deixa curioso.
— Nada de… — repetiu Selene, incrédula. — A resposta é não!
— Hm… isso é um problema… o que você quer em troca dele? — insistiu o número 142. — Vocês humanos gostam muito de ouro, só dizer a quantia…
— Você…! — A insistência do Alado irritou ainda mais a mulher. Empunhando seu cetro, ela canalizou toda a mana ao seu redor na esfera na ponta. — Só vai pegar isso por cima do meu cadáver!
— Entendo… — concluiu, calmo e indiferente. — Então, vou arrancar seu braço e pegá-lo.
SHUN
Selene piscou e o homem desapareceu do lugar onde estava. Uma onda de pressão nervosa vinda de outro lugar varreu o coliseu, deixando todos os espectadores cientes do descontentamento de sua fonte. No mesmo instante, a perna do alado apareceu na frente do rosto da conjuradora.
BAM
A mulher foi acertada com tudo no rosto, atirando-a rolando vários metros para trás. Foi tão veloz e súbito que ela nem mesmo foi capaz de utilizar a magia de blink para mover-se. Seus ouvidos zumbiam pelo impacto e ela mal conseguia ouvir as palavras que o homem falava.
— Me desculpe, pai, sei que o senhor me pediu para não utilizar habilidades, mas… sim, eu sei… sim… me perdoe… vou acabar com isso o mais rápido possível…
O Alado caminhou lentamente em sua direção, mas repentinamente parou e olhou para uma das salas do coliseu. Em específico, a sala onde estavam os acompanhantes e acompanhados.
CRACK
— Irmin… acalme-se — disse Gnibry
A gigante apertava com tudo o repouso de mãos da poltrona onde estava sentada.
— Me desculpe… senhor… mas não sou só eu…
— Controle-o, você não pode causar confusão aqui dentro.
Virando-se para Selene, que estava apoiando em seu centro para levantar-se, o Alado continuou.
— Parece que havia outra surpresa nos níveis acima… queria ter participado deles, mas acharam melhor que não.
A mulher o ignorou, e bateu com a esfera de sua arma no chão. Imediatamente um círculo apareceu embaixo do Alado e água com propriedades gosmentas agarraram-se aos seus pés e subiram pelo seu corpo até formarem uma esfera ao seu redor. Selene balançou o cetro e novas estacas formaram-se, atirando em direção ao homem preso. Antes que pudessem atingi-lo, suas asas abriram-se brutalmente, rompendo a bolha e o libertando.
— Pare de resistir, é inútil.
SHUN
Seu cetro brilhou novamente, mas num piscar de olhos o Alado segurou seu braço e a socou com força no estômago, fazendo com que a mulher vomitasse suco gástrico.
— Acertei seu plexo solar, deve estar difícil manter a consciência agora… — O homem falava, mas, mesmo tão perto, nenhuma de suas palavras chegava aos ouvidos de Selene. — Bem, parece que não precisarei arrancar nenhum membro seu fora.
Segurando seu corpo pelo braço, o número 142 esticou sua mão para arrancar o bracelete, mas foi segurado pela outra mão da conjuradora.
— Não… toque…
Mas ela já não conseguia aplicar força alguma para parar seus movimentos. Ele prosseguiu, tocando o objeto.
GASP
Surpreendendo a todos os espectadores, o Alado subitamente ajoelhou-se, deixando a mulher cair no chão. Levando as mãos a cabeça, ele olhou para cima como se visse um fantasma. Seus olhos reviravam-se e seu corpo tremia.
— Mons…tro… — balbuciou o homem.
SHUN
Subitamente, uma pessoa encapuzada apareceu na arena em frente ao Alado. Os seres mais experientes do coliseu conseguiram dizer com um olhar que aquele ser era a fonte da pressão que ia e vinha repentinamente. Andando até o número 142, ele esticou a palma e a colocou em seu rosto. Em um segundo, o homem apagou. O ser apontou para o bracelete que estava nas mãos do inconsciente e o levitou até próximo de sua boca, falando algumas palavras inaudíveis para todos. Prosseguindo, o colocou sem o tocar no braço de Selene, retirando-se logo em seguida, junto ao Alado inconsciente.
Tudo aconteceu tão rápido que Téo nem teve reação para narrar. Após alguns segundos, uma mensagem tocou em sua mente e ele imediatamente declarou para todos.
— Devido à interferência exterior no confronto e por opção do próprio representante do participante, não temos escolha a não ser declarar Selene da facção de Arcádia como vencedora…
A mensagem parecia tão irreal que o homem mal acreditou. Obviamente a plateia foi à loucura, alguns reclamando pela interferência, outros por terem perdido dinheiro acreditando que seria uma vitória fácil do Alado. Alguns loucos, claramente em êxtase de felicidade por faturarem uma quantidade inacreditável na vitória da conjuradora.
“Por que o meu último trabalho tem que ser assim…” Lamentou Téo.
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