Índice de Capítulo

    O bater de asas de uma borboleta pode criar tornados do outro lado do mundo, mas sinceramente eu tenho muito mais medo de um dragão, afinal, o temor do momento é mais assustador do que o temor do futuro.  

    ? ~ ?  

    Step Step Step  

    Um homem velho andava lentamente pelos corredores, entre as estantes amarrotadas de livros com capas duras e centenas de páginas, ele fitava cada um dos títulos, buscando algo que fosse legitimamente interessante aos seus olhos cansados.  

    Step Step Step  

    Seus passos ecoavam firmemente do chão ao teto, guiado pelas infinitas lacunas entre as prateleiras. Lacunas essas, que estavam ali para serem preenchidas por uma eternidade de textos, histórias e vidas.  

    Step Step Step  

    O velho por ele mesmo considerava as linhas como dias, laudas como semanas, páginas como meses e capítulos como anos. Tempo em sua visão era um conceito humano, algo criado para os apressar e alertá-los sobre como a vida é algo limitado.  

    Step Step Step  

    Por mais estranho que fosse criar tal conceito, a realidade é que aquele velho senhor, via um certo charme nisso. Humanos nasceram de certa forma menos adaptados à realidade de Erebus do que outras raças. O que os manteve correndo e vivos foi exatamente esse tempo limitado, algo como ‘deixe aqui nessa terra árida uma prova da sua existência’.  

    Step Step Step  

    É muito fácil falar, anões vivem constantemente mais de um século, elfos mais de um milênio e seres misticos vivem o que pode ser considerado uma eternidade para outras raças. O quão fácil é deixar uma prova de sua existência?  

    Step Step…  

    — Hm? — parou o velho.  

    Parece irreal, mas a realidade é os humanos criaram várias formas de permanecer na história. É arriscado dizer que existe a melhor delas, mas aquele velho homem, que já não via mais surpresas na vida, emocionava-se com uma delas.  

    — Ora ora, jamais imaginaria eu encontrar tal título entre esses… digo, ‘O Assassino de Amarilis’ não é adequado para estar aqui… mas que boa surpresa, o que traz você aqui?   

    O homem esticou sua mão cansada e enrugada e a obra gentilmente caiu da prateleira diretamente para sua palma.  

    — Vejamos… qual segredo esconde-se entre suas páginas…  

    *  

    O Assassino de Amarílis  

    Capítulo 1  

    Duas crianças.  

    ‘Oh, dedico a você, a mais entristecida das penas para aquele, que destinado aos céus, ser preso ao chão, por aquele que não está’   

    Poder  

    Para aqueles com ambição para usá-lo, mente para guiá-lo e coração para sustentá-lo, poder é a mais forte das bençãos.   

    Para aqueles que não o desejam, no entanto, poder é uma carga, uma carga que para alguns é insuportável de se carregar.  

    Por isso existem tantas pessoas diferentes nesse vasto mundo, afinal, às vezes uma pessoa somente não consegue carregar cargas tão pesadas.  

    Na pequena vila isolada de Amarílis, um jovem prodígio nasceu entre os humanos comuns, ele não apenas extremamente sensível às flutuações da mana, sendo capaz de utilizá-la desde muito novo, como também possuía uma mana considerada mutante para aqueles que nunca ouviram falar de forma aprofundada sobre suas características.  

    Tudo era mais fácil para Fynn, afinal, ele era mais forte, rápido e inteligente do que quase todos. Talvez, numa das grandes cidades que existiam no Reino, esse talento fosse fortemente apreciado, receberia os melhores ensinos, com os melhores mestres e destinado as melhores facções. Na isolada vila, no entanto, era exatamente ao contrário.  

    Dizem que o sucesso é um ímã de pessoas bem sucedidas, quanto mais bem-sucedido você é, mais pessoas iguais a você estarão ao seu redor e até certo ponto isso é real. Porém, e quando você está tão distante dos seus iguais que nem mesmo é possível se comparar a eles? O quão solitário é ser muito melhor que todos que você conhece? Quantas pessoas aceitariam de braços abertos aquele que nem parece ter nascido num berço semelhante ao seu?  

    — Aberração!  

    — Nojento!  

    — Monstro!  

    — Desapareça logo daqui!  

    Por mais que as crianças jogassem pedras no outro menino, elas não o atingiam, sendo assim, nada ele fazia a não ser continuar sentado na beira daquele lago cristalino; olhando para o próprio reflexo. Cada vez que uma pedra chegava perto de seu corpo, seu poder, cuja força ainda era incontrolável, chicoteava os projeteis para longe. Algo como uma defesa instintiva, que afetava até mesmo aqueles que não o ameaçavam em nada.  

    — Crianças, não cheguem perto dele! — Uma mulher vestida de freira puxou as crianças para longe enquanto as alertava sobre os perigos de se aproximar de Fynn. Mesmo com a voz baixa, o garoto talentoso não conseguia deixar de ouvi-la. — Tomem cuidado, seus pais o abandonaram aqui, pois eles não conseguiam lidar com o poder dele, não o deixem bravo!  

    Apesar de ouvi-la, Fynn agia como se não e permanecia imóvel, acostumado, parado encarando o próprio reflexo na beira do lago. As coisas permaneceram dessa forma por muitos anos.   

    Existe um ditado que diz que a vida é como um lago cercado de picos. Uma pedra pequena que deslizar até a água, causa pequenas vibrações em sua superfície. Um desmoronamento, no entanto, modifica o lago de formas irreversíveis.   

    Porém, mesmo que não causasse tamanhas vibrações, cada deslize de Fynn parecia causar desmoronamentos, pelo contrário, cada acerto parecia somente poeira caindo na água. Com o tempo, ele percebeu que todas as suas ações precisavam ser perfeitas.  

     Aos 11 ele aprendeu a controlar o próprio poder, aos 12 aventurava-se sozinho na floresta que cercava Amarílis, aos 13 anos não teve uma pedra atirada em seu lago, mas uma avalanche inteira.  

    — Por que você tenta tanto? — Perguntou a menina.  

    Fynn não a conhecia, como poderia? Era a primeira vez que a via. Ele estava deitado em um local que havia descoberto há tempos, um pequeno riacho no meio da floresta, onde ninguém o incomodava; ela apenas apareceu o vendo de cima.  

    — Quem é você?   

    — Eu? Que rude perguntar o nome do outro sem nem mesmo se apresentar primeiro!  

    — Você não sabe quem eu sou?  

    — Sei exatamente quem você é, só não sei seu nome!  

    — Como isso é possível?   

    — O que seu nome tem a ver com quem você é?   

    A forma com que a garota agia e falava confundia a cabeça de Fynn. Para começar, ele já não tinha costume de falar muito, menos ainda com uma pessoa tão estranha.  

    — Nomes são para outras pessoas, para te conhecer basta saber que tipo de pessoa você é! — Continuou a menina.  

    — Você sabe que tipo de pessoa eu sou?  

    — Sim! Você é uma pessoa esforçada!   

    — Es…forçada?  

    — Não é?  

    Fynn parou por um instante, pensou por outro e respondeu em outro.  

    — Meu nome é Fynn e o seu?  

    — Lilian, Lilian Aster!  

    COF COF  

    Lilian tossiu levemente.  

    — Você está bem? — perguntou Fynn.  

    — Estou, só gripei um pouco.  

    PLING   

    PLING PLING  

    PLING PLING PLING  

    Subitamente a chuva despencou entre as folhas das árvores que cercavam o lugar, as gotas que deslizavam pelos ramos acertavam o riacho e o rosto dos dois adolescentes.  

    — Vamos! — Lilian estendeu sua mão para Fynn.  

    — Para onde? — perguntou, levantando e segurando a mão da garota.  

    — Minha casa, mamãe fez almoço pra gente!  

    — Sua casa? — questionou, aflito. — Tem certeza de que eu posso?  

    — Não tem problema, mamãe é muito gentil!   

    Engolindo a seco, sem saber o porquê, Fynn apenas a seguiu, como se fosse normal. Entrando cada vez mais afundo na floresta.  

    — Nós vivemos bem dentro da floresta, mamãe diz que é perigoso ir além da borda.  

    ‘Perigoso?’ pensou o garoto.  

    Após andar por alguns minutos, ambos avistaram uma pequena casa de madeira, continuando a puxá-lo Lilian andou em direção a porta. Pouco antes de entrarem, Fynn puxou sua mão de volta, a garota que estava até então puxando-o facilmente, olhou em sua direção, confusa.  

    — Não acho que serei bem-vindo… — disse o menino, desviando o olhar para baixo.  

    Entendendo o medo de Fynn, tomou uma decisão.  

    — Fique aqui um segundo, vou falar com ela!  

    — Eh?  

    — Esse é o problema, certo? Não se preocupe, se eu falar com ela vai estar tudo bem.  

    — Esper…  

    Antes que pudesse falar, Lilian entrou pela porta, deixando-o na entrada.  

    — Mamãe, trouxe um convidado!  

    Do lado de fora, Fynn ouvia sua voz fina conversando.  

    — Um convidado? — o tom da sua mãe, no entanto, soou preocupado. — Quem é? Lilian, já te falei que não podemos trazer pessoas para cá, é perigoso!  

    — Mas mamãe, ele é o…  

    — Lilian, não importa…  

    Enquanto conversavam, o som de suas vozes aumentava e passos se aproximavam. Fynn, aflito, escondeu metade de seu corpo atrás da parede, olhando pela fresta da porta.  

    BAM  

    — Garoto, vá embor… — disse, abrindo com força a porta e empurrando o menino para trás, fazendo com que caísse de costas no chão. Ao ver seu rosto pálido e franzido, a mulher percebeu que o jovem estava com mais medo do que ela e respirando fundo, estendeu a ele sua mão para ajudá-lo a levantar.  

    Foi a primeira vez que Fynn recebeu um gesto genuíno de cuidado. Temeroso ao ver a mão se aproximando instintivamente descuidou-se com seus poderes, tal descuido gerou uma pequena faísca que acertou a mão da mulher. O garoto congelou, com medo de tê-la machucado, porém, apesar de ser atingida, sua mão não parou.  

    — Está tudo bem, você não consegue me ferir.  

    Esticando seu braço, a mulher entrelaçou seus dedos pelos cabelos encaracolados do garoto, afagando sua cabeça. Era estranho.  

    — Viu, eu disse que a mamãe era gentil! — Lilian, se aproximando e segurando a outra mão de sua mãe, sorriu.  

    Era estranho.  

    O lago de sua vida havia achado um novo caminho para desaguar.  

    CRACK  

    Em um mar de chamas que nunca se apagaria.  

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