Capítulo 94: Memórias (8)
Somos moldados a partir de nossas experiências. Claro, empatia é necessária para se viver em uma sociedade saudável; mas já se perguntou o custo necessário para negarmos nossas crenças?
Verdade seja dita, convencer uma criança de que ela está errada não é difícil, mas convencer alguém que já viveu décadas? Imagine ser tão egocêntrico a ponto de pensar que você é capaz de fazer com que um ser vivo negue uma ideia que acreditou durante toda a sua existência? O quão arrogante é aquele que tenta fazer com que o outro negue a sua própria vida a troco de nada? … Bem, mas na minha humilde opinião, se existe uma força capaz de tornar isso realidade, essa força é o amor.
A Sabedoria da Idade ~ O Bibliotecário
CRACK
— Uma história trágica… você foi muito ingênuo, garoto. — O velho continuava folheando as páginas do livro que estava lendo. — Você não merecia isso…
O Assassino de Amarílis
Capítulo 2
Um garoto chamado Fynn
O tempo passou rapidamente, Fynn se acostumou a visitar Lilian e sua mãe todos os dias. Era uma experiência nova para o menino, afinal, antes disso, ele nunca havia tido a experiência de ter uma casa ou uma família para chamar de sua.
O garoto nunca fez perguntas, o porquê de a mulher ser forte ao ponto de não ser ferida por sua defesa natural e como ela sabia tanto a ponto de conseguir ensiná-lo a controlar completamente seus dons. Dons. Uma palavra que ele aprendeu com Lilian, uma que ele mesmo nunca aprenderia a usar, tais presentes do universo eram vistos como uma maldição até as conhecer.
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— Ei, você ouviu falar das boas novas?
Enquanto passeava pela cidade, Fynn ouviu sem querer as conversas entre duas senhoras que faziam compras na feira.
— Boas novas?
— Sim, aparentemente a Igreja de Yan decidiu abrir um novo templo aqui mesmo em Amarílis!
— Impossível, sério? — a mulher surpreendeu-se. — Graças a deus, quem diria que eles não se esqueceriam de nós nessa vila isolada.
— É sério, uma comitiva preliminar logo deve chegar para fazer o assentamento
— Quem sabe eles levem a criança demônio.
— SHHH, ele está ouvindo.
— Não importa, ele não vai fazer nada de qualquer forma — afirmou a velha, rindo e debochando do garoto.
Fynn, de fato, ignorou, fazia algum tempo que ele já não reagia a provocações patéticas como aquela. Ele tinha motivos para não criar conflitos, foi o único pedido da mãe de Lilian, não utilizar seus dons para machucar as pessoas, por mais maldosas que elas fossem, eram apenas seres ignorantes a grandiosidade do mundo. Carregando suas compras de frutas em sua sacola, o agora jovem de 16 anos apressou-se para voltar para a floresta, sem perceber que alguns jovens o seguiam.
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Passando o primeiro riacho, virando dez passos para a direita e vinte para a direção da pedra pontiaguda, seguir reto até encontrar o próximo riacho. Atravessando-o, andar para o norte em linha reta por mais 2 quilômetros. Essas foram as instruções que Fynn sempre seguia para chegar em casa. Ao bater quatro vezes na porta, ele entrava.
— Cheguei em casa.
— Fynn, você voltou! — Lilian correu em sua direção e o abraçou, tomando de sua mão a sacola com frutas que o jovem trazia. — O que trouxe de bom?
— Laruvitas.
Pequenas bolinhas laranjas do tamanho de uvas comuns, mas com um sabor intenso de laranja, como pequenos gomos da fruta alaranjada, mas com uma casca fina e comestível.
— Ahhhhh, eu amo laruvitas, mas são tão difíceis de cultivar por aqui…
— Por isso que sempre as trago para você.
COUGH COUGH
Lilian se curvou no chão, tossindo.
— Lilian, de volta para cama.
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Sua mãe, cuidadosa como sempre, ouvindo sua filha tossindo, gritou da cozinha da casa.
— Sim…
— Vamos, eu te levo.
Agachando-se, Fynn ofereceu suas costas para a agora moça de 17 anos subir de cavalinho. Apesar de ser um ano mais velha, Lilian, que sempre foi doente, apresentava um corpo frágil e pequeno, mal chegando aos um metro e sessenta de altura. Sem perder tempo, a garota imediatamente subiu em suas costas.
— Às vezes tenho a impressão que você sai da cama só para poder subir nas minhas costas.
— Ainda bem que você sabe.
RENK RENK RENK
O chão estalava a cada passo que o homem dava.
— Você gosta de andar de cavalinho?
— Hm… sim… — respondeu, docilmente.
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— O que foi?
— O que foi o quê?
— Esse ‘hm…’
— É que gosto de andar de cavalinho, mas se não fosse você me carregando, não gostaria, você balança muito — Lilian respondeu com uma voz suave e repousou gentilmente a cabeça em suas costas. — Mas acho que gosto de estar nas suas costas e não de andar de cavalinho.
— Me desculpe por balançar tanto, não consigo ser muito delicado, mas sempre que quiser, pode me pedir — disse o garoto, colocando-a calmamente na cama. — Eu também gosto de te carregar.
— Mesmo que você seja ruim nisso?
— Sim, mesmo que eu seja ruim nisso.
— Vai continuar me levando mesmo quando eu melhorar?
— Claro! — falou, confiante. — Sempre que quiser.
— Fynn, pode pegar umas verduras para mim na horta? — a mãe de Lilian gritou da cozinha.
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— Sim, senhora! — respondeu. — Já volto, me dê um segundo.
Correndo até a horta, Fynn começou a colher as verduras já prontas para serem colhidas. Ao redor da casa, arvores frutíferas, hortas de verduras e plantas medicinais eram cultivadas em camadas. As que davam frutos eram as mais distantes no círculo, para que grandes animais sempre estivessem por perto, mantendo a região da casa em segurança de qualquer morador da vila. Já ervas medicinais eram plantadas no círculo do meio; seu odor forte afastava os mesmos grandes animais de entrar na casa, criando assim uma barreira contra o perigo silvestre. Por fim as verduras eram mantidas no mais próximo, para fácil colheita.
Era uma vida simples e boa.
CRACK
Alguns dias se passaram e a comitiva da igreja finalmente chegou. Apesar de ser um vilarejo, o chefe da vila promoveu uma grande festança para recebê-los; a maior que Amarílis já teve. Mesmo não se importando muito com a igreja, Fynn se interessou no grupo de vinte pessoas vestidas de capuzes brancos que haviam vindo. Eram pessoas novas, uma coisa que não se via frequentemente ali.
— Vejam, a criança demônio veio!
— Talvez eles o levem…
Os vilões comentavam menos sobre o garoto, mas ainda estavam curiosos sobre o que iria acontecer.
— Hm? — subitamente um dos encapuzados virou-se na direção de Fynn e a passos largos andou até ele.
— É agora!
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— Finalmente vão sumir com ele!
No entanto, a postura da pessoa diferiu do esperado. Parando a frente do jovem, o homem colou a mão em seu ombro.
— Incrível! — Exclamou com uma voz grave. — Yan é realmente perfeito, nos mandar aqui tem que ter sido obra do divino! Encontrar um jovem tão talentoso numa vila pacata!
Fynn permaneceu calado, encarando o homem branco de cabelos loiros e olhos verde-esmeralda.
— O que acha de vir conosco? — Perguntou. — Lhe daremos treinamento e instalações, você não terá mais nenhuma dificuldade em sua vida!
Estático, o jovem não respondeu.
— Se não é o suficiente, construiremos uma filial da Igreja aqui mesmo em Amarílis, isso em pouco tempo transformara essa vila em uma grandiosa cidade, o que você acha?
— Realmente uma joia da nossa Amarílis! — gritou o velho chefe da vila. — Sempre soube que esse garoto era especial!
— Enfim, nossa vila irá se tornar grandiosa!
— Quem imaginaria que em minha vida veria tal coisa!
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— Senhor, qual o seu nome? — perguntou Fynn, interrompendo os aldeões que comemoravam.
— Pode me chamar de Sir Ronald, garoto.
— Então, Sir Ronald… — O jovem se curvou levemente. — Agradeço o convite, mas gosto da vida que possuo.
— O que está dizendo!? — O velho chefe da vila exclamou. — Você não tem esse direito, tem ideia do que essa oportunidade pode fazer por você? Por nós?
O homem encapuzado levantou a mão, gesticulando para o velho parar de falar.
— Tem certeza? É uma oportunidade que jamais aparecera a sua frente novamente. Só estou te oferecendo por que enxergo o potencial que existe em você.
— Sim.
— Se é assim que você se sente, não insistirei mais.
— Obrigado, Sir Ronald — finalizou, curvando-se novamente.
E simples assim, Fynn se virou e foi embora para sua casa.
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CRACK
Mas, infelizmente, essa história nunca foi um conto de fadas. O conto do Assassino de Amarílis é uma tragédia.
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