Capítulo 97: Quartas de Final
Estamos todos lutando por algo; dinheiro, fama, comida, sobrevivência ou por outra pessoa. Lutar não tem haver com trocar socos ou colidir laminas, é sobre colocar sua vida em jogo por um objetivo.
Sem medo de falhar ~ Socrates
O restante das oitavas de finais seguiu sem grandes dificuldades. Xu Wang, Gundogam e Fynn não tiveram muitos problemas em vencerem suas respectivas partidas, sendo a Anã, Bernadete, a única que apresentou algum desafio, mas não por muito tempo. Com as quartas de finais de nível 2 definidas, Li não ficou para assistir os tenentes disputarem, sua mente já estava nublada o suficiente para lotá-la de mais pensamentos.
— Como você está?
A noite, Matheus voltou aos aposentos do grupo, já recuperado da maioria de seus ferimentos. Após uma curta conversa com Glória, que ainda estava acordada, ele se dirigiu ao quarto que dividia com Li.
— Estou bem — respondeu Jihan. — E você?
— Melhor do que você aparentemente.
— Ela te contou?
— Não precisava, está na sua cara que você fez alguma coisa.
— Me desculpe… eu quase acabei com tudo que fizemos até agora.
— Não precisa pedir desculpas, acha mesmo que não conheço meu amigo?
— Hm?
— Já sabia que você faria algo do tipo, ficaria surpreso inclusive se não o fizesse.
— Sou tão previsível assim?
— Adoraria dizer que não…
— Droga… — Li, sentado em sua cama, levou as mãos a cabeça.
— Isso te incomoda?
— Sinto que estou me perdendo um pouco.
— Por hoje?
— Por causa de tudo que aconteceu nos últimos meses.
— Acha que não condiz contigo agir da forma com que tem agido?
— Não sei…
— Li, só vá dormir, você tem uma luta amanhã, lembra?
— Estou tentando.
— Se serve de alguma coisa… — finalizou Matheus, deitando de lado para a parede. — Eu ficaria um pouco preocupado se você conseguisse espancar uma pessoa querida sem remorso algum.
Ambos ficaram em silêncio por alguns minutos.
— Ainda está acordado? — perguntou Li.
— Hm…
— Fynn disse algo engraçado hoje…
— E o que seria… — perguntou com a voz sonolenta.
— Disse que você não luta utilizando as armas que deveria.
— Ele disse isso?
— Sim… Glória também falou que havia um motivo pra tal.
— Você realmente está curioso hoje.
— Não precisa falar se não quiser.
— Está tudo bem, não tenho por que esconder isso — disse Matheus, sem se virar. — Meu pai, digo, meu pai adotivo me ensinou a lutar, logicamente a única coisa que ele sabia usar eram pistolas divinas, armas letais contra demônios e muito efetivas contra outros seres vivos.
— Então, por que você parou de usá-las?
— Bem, depois que ele morreu, elas perderam o significado para mim… acho que só não queria carregá-las como um peso para sempre.
— Entendi… — murmurou Li. — Mas sabe, um velho amigo me disse uma coisa.
— E o que seria isso?
— Aqueles que carregam o maior peso são os que possuem pés mais firmes.
— E?
— Às vezes ter uma âncora presa ao nosso barco é o que nos impede de ficar a deriva.
— Ele parece ser um sábio amigo.
— Sim… sinto saudade dele.
— Li.
— Sim?
— Amanhã… ganhe, não importa o que.
Após uma curta pausa, Jihan respondeu.
— Eu prometo que vou.
A manhã rapidamente chegou. As batalhas de nível 1 começaram cedo, Selene novamente não teve problemas em vencer seu confronto. Hans, entretanto, enfrentava dificuldades com seu oponente em específico.
Na arena, sangue escorria pelo seu braço, pingando lentamente pela ponta dos seus dedos até o solo rachado. Seu rosto estava vermelho e suas vestes com diversos cortes que a rasgavam.
— Sendo honesto, esperava mais de um Arkerman…
O homem a frente de Hans tinha um longo cabelo loiro e preso em um rabo de cavalo. Sua pele era branca como a neve e suas roupas remetiam a nobreza, mas o símbolo em seu peito dizia exatamente de onde ele era.
— Eu esperava menos de alguém da igreja de Yan.
— Hohoho, tomarei isso como um elogio!
— Não foi um elogio…
— Pois bem — disse ele, balançando sua rapiera em direção ao chão para limpá-la do sangue que a manchava. — Como quer que eu, Arthorias Von Artrides, acabe com o seu sofrimento?
— Poderia se render.
— Hohohoho, por que eu deveria? — retrucou. — Já matei duas de suas invocações e definitivamente não lhe darei a oportunidade de invocar aquela minhoca amedrontadora… você já perdeu.
TSK
“Se não fosse essa lamina abençoada, eu já teria ganho essa droga” Pensou Hans, estalando os lábios. “Ele jamais teria conseguido cortar por Hildisvini… Romulus e Remolos também não serviram de muita coisa…”
— Tique-taque, tique-taque, seu tempo está correndo… seu sangue está escorrendo… sua vontade está desaparecendo… como eu devo acabar com isso… devo te fazer sofrer até o final? Devo cortar um dos seus membros?
“Que cara maluco… porque eu atraio esse tipo de gente…” pensou. “Mas ele ta certo…” sua visão voltou-se para seu ferimento. Com seu braço naquele estado, ele mal conseguia fazer selos com as mãos, quanto mais invocar Ookamizu a tempo.
— Talvez eu deva só…
“Está prestando atenção, Li!”
A voz de Matheus subitamente ressoou na mente de Hans.
— Ah… — suspirou, sussurrando. — Que cansaço é ter um líder tão competente.
— Está delirando? Seu líder não está aqui… e mesmo que estivesse, aposto que ele seria ainda mais patético que você… afinal… ele é um desertor.
Em um tom de voz baixo, Hans deu uma leve risada e sorriu.
— Provavelmente estamos falando de pessoas bem diferentes… o Matheus que eu conheço… é um cara bem legal.
HUMPF
Arthorias avançou rapidamente com uma estocada, mas surpreendentemente seu oponente não se moveu e deixou-se ser atingido. No momento em que o esgrimista percebeu algo de errado e tentou puxar sua rapieira, Hans agarrou seu braço com toda sua força.
— Onde pensa que vai? — perguntou, sorrindo enquanto sangue escorria pela lateral da sua boca.
— Me solte, seu porco!
— Estava dizendo agora a pouco que esperava mais de um Arkerman?
Tentando puxar seu braço, o membro da igreja falhava em soltar-se.
— Me deixe te mostrar com o que um Arkerman lida durante sua vida!
Segurando-o com uma mão, Hans executou uma sequência de três selos com sua mão livre; três dedos inferiores na horizontal; punho fechado e dois dedos levantados verticalmente.
Subitamente a consciência de ambos os participantes desapareceu e seus corpos ficaram imoveis.
— O que está acontecendo?
— Por que eles pararam?
Os espectadores, confusos, começaram a conversar entre si. Téo, por pouco não anunciou um resultado, mas foi impedido por uma mensagem transmitida diretamente na sua mente.
— Onde estamos? — Arthurias balbuciou.
— Estamos na minha mente, é melhor ficar atento, isso não é um lugar para pessoas como você.
Ao redor, somente terra arrasada e flamejante os cercava. Arvores sem folhas e córregos do que parecia ser, mas certamente não era, água.
— Oh… você trouxe um colega? — uma voz grave, rouca e ardente ressoou pelo lugar.
Arthurias se virou na direção do indivíduo.
— O que… é aquilo?
O ser em questão não era humano. Seu corpo, que antes parecia não ter pele, agora estava coberta por uma musculatura avermelhada e densa, mas exalando a mesma escuridão insaciável. Suas asas, que antes estavam sem penas, agora estavam praticamente cheias, com alguns locais esburacados.
— Oh… achei que vocês da igreja conheciam muito bem os demônios — disse Hans.
— Aquilo… aquilo não é um demônio… é algo muito pior!
— Esse é o pacto da minha família, podemos até trazer pessoas conosco, mas essa tentativa de submissão não será valida… entretanto, é uma ótima arma para um suicídio mutuo.
— Suicídio?
— Sim… agora você entende por que os Arkerman são tão temidos… espero que se divirta. Ei, coisa horrível… trouxe um membro da igreja de Yan comigo.
— Tem certeza, Arkerman? A cada pessoa que eu mato aqui fico mais forte… você vai acabar perdendo o controle…
— Qual seria a graça se você fosse fraco?
A boca do rosto, que era bastante humanoide, se estendeu de orelha a orelha, revelando um sorriso extremamente macabro e lotado de dezenas de dentes. Subitamente o demônio desapareceu, reaparecendo a centímetros de Arthurias.
O demônio o atacou com as garras de sua mão, mas por sorte, ou talvez por instinto de sobrevivência, o esgrimista ricocheteou o golpe com sua rapieira, que se partiu em duas.
— Impossível!
Em sequência, o monstro o chutou para longe, afundando a armadura leve que cobria seu estomago. Antes mesmo que Arthurias tocasse o chão. O ser amedrontador apareceu atrás dele, o golpeando novamente e atirando-o em direção solo.
No ar, uma grande lança escura formou-se, sugando toda a mana ao redor para si. O demônio sorriu.
— MORRA!
Mas antes que a lança pudesse atingir Arthurias, ela se desfez. Virando-se para a direção de Hans, o rosto desconfigurou-se em ódio.
— ARKERMAN!
O pescoço de Hans escorria sangue junto a faca em sua mão. Em um instante, a consciência de ambos voltou para a arena.
Arthurias, no entanto, não estava tão consciente. Soltando a mão que segurava sua rapieira, ele caiu de joelhos.
— Monstro… monstro…
Seu oponente, pelo contrário, apenas cuspiu o sangue que acumulava em sua boca.
— Pare de chorar, até parece que nunca chegou perto da morte antes.
“Ainda bem que consegui cortar minha garganta a tempo… cada morte naquele lugar torna aquela coisa mais forte… mas se for o conjurador todos são mandados para fora junto a ele…”
URGH
Agachando-se, Hans levou a mão ao peito. Uma voz odienta gritava no fundo da sua alma.
“Não posso fazer isso de novo…”

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