Capítulo 70: Arkerman
É de conhecimento comum em Erebus a existência de outros mundos. Mas… e se… não parar aí? Se outros mundos existem, seria tão absurdo a existência de outros planos dentro de um mesmo mundo?
O que mais explicaria esses seres que invadem nosso mundo? O que mais explicaria o que eu vi? O que mais explicaria ele? O que é aquilo? O que é aquilo? O que é aquilo? O que é aquilo? O que é aquilo? O que é aquilo? O que é aquilo? O que é aquilo? O que é aquilo? O que é aquilo? O que é aquilo? O que é aquilo? O que é aquilo? O que é aquilo? O que é aquilo? O que é aquilo? O que é aquilo? O que é aquilo? O que é aquilo? O que é aquil…
Memórias dos Antigos Reis ~ O Bibliotecário
Em uma pedra circular a beira de um riacho, um homem sentava de pernas cruzadas e mãos juntas. A ferida em seu braço ainda ardia, mesmo depois de já ter sido curada. Suor escorria por sua testa e seus dentes rangiam de tanto serem apertados. O barulho da água confundia-se com seus grunhidos, não havia nada o tocando, ninguém por perto, porém, apenas seu corpo estava ali; já sua mente estava em outro lugar.
— Hildisvíni! — gritou o homem enquanto gesticulava suas mãos juntas em formato de cadeado. Aos seus pés um grande javali brotou do chão, partindo para cima de seu inimigo.
Os céus mesmo nublados, estavam alaranjados, como se as nuvens estivessem em chamas. Ao redor do homem, uma terra arrasada se estendia até onde seus olhos conseguiam ver. Nenhuma vida crescia ali, apenas troncos mortos e solo infértil. O Ar árido deixava a garganta do homem seca, dificultava sua respiração, mas o outro ser não parecia se importar.
— HAHAHA — gargalhava. — Outro de seus animaizinhos? A família Arkerman realmente decaiu! — gritou.
O ser em questão não era humano, sua voz era grave e ardente. Seu corpo não parecia possuir pele, apenas uma concentração densa de uma escuridão insaciável, seus olhos e boca só eram identificáveis, pois eram de cor vermelho sangue. Asas sem penas cresciam em suas costas, servindo apenas de peso para atrapalhá-lo.
— Veja só você, patético! Não consegue nem derrotar esse vestígio de minha alma, deveria ter ficado onde estava! Nunca deveria ter me libertado!
— Você é muito barulhento… — Sangue escorria pelo couro cabeludo de Hans, descendo pela sua testa.
— E mesmo assim… você continua voltando! — Reprimindo-o, o ser avançou na direção da Javali. Apesar de seu peso aparente, sua velocidade era avassaladora. Atravessando dezenas de metros em segundos, a sombra usou suas garras para abrir cinco cortes no abdome de Hildisvíni. Quando foi atingida, o animal berrou e derreteu em um líquido preto. Hans levou a mão ao coração, sentindo a dor física de sua invocação.
— Nojento — disse o monstro. — Falsos espíritos que perderam seu lugar na existência, agora são apenas fantasmas do que já foram… fadados a passar a vida servindo essa família desprezível! Me diga, Arkerman, você sente orgulho em escravizar esses seres?
— Você foi preso exatamente pelas mãos dessa família desprezível e desses falsos espíritos que tanto amaldiçoa… fique calado por um momento, estou tentando pensar.
— HUMPF — bufou. — O homem que me prendeu aqui se foi há muito tempo, tomado pelo poder que sempre abominou… o mesmo destino que aguarda todos que temem a verdadeira raiz de sua família… por quanto tempo você aguentara? Meu poder cresce a cada dia, já você está estagnado… deveria aceitar sua verdadeira natureza… assim como sua…
— Pelos deuses, não consegue ficar calado por cinco segundos!? — Juntando suas mãos em formato de prece, o homem gritou: — Romulos e Remulus! — As duas cobras surgindo do peito de Hans imediatamente se entrelaçaram no corpo do monstro. Colocando suas duas palmas no chão, o homem chamou outro nome. — Ooakimizu!
Subitamente uma boca redonda e vermelha saiu do chão, engolindo-o, e voou na direção do ser escuro. Ele, no entanto, parecia calmo, como se pudesse escapar a qualquer momento.
— Te deixarei ir por enquanto, afinal é só uma questão de tempo… todos os humanos caem um dia.
Fechando os seus olhos vermelhos e com um tom de voz quase estoico, o monstro deixou-se ser engolido pelo grande verme. No mesmo instante, Hans despertou na cachoeira. Seu corpo completamente suado, sangue escorria de seu nariz e olhos.
BLARGH COF COF
— Como eu pensava, invocar Ooakimizu mesmo naquele lugar é demais para mim — disse Hans para si mesmo, enquanto passava a mão no machucado em seu braço.
A ferida de sua pele estava cicatrizando em um formato diferente do corte que fez quando estava em Mnemósine. Na tentativa de trazer para terra algo que não deveria Hans havia cortado o pulso de seu braço esquerdo, felizmente a invocação não foi concluída, mas o pacto já estava feito.
— Eu realmente não esperava sair de lá vivo… que merda — lamentou. — Não… eu deveria estar feliz em não ter morrido.
O corte que deveria ser horizontal estava vertical, o que deu origem a um formato diferente.
— Um crucifixo? Não… uma espada?
SIGH
Suspirando, Hans deitou-se na pedra onde estava sentado e esticou seu corpo.
— Eu tenho que avançar no meu treinamento, se quero ficar mais forte preciso conseguir no mínimo invocar Byakko… de qualquer forma, é melhor voltar, já é noite.
Resolvendo-se, o homem pulou na água do lago para lavar-se do suor e sangue.
Mais tarde na mesma noite, Hans finalmente chegou à casa onde ficava sua equipe. Ao se aproximar da porta ouviu barulho de conversa e risadas na sala. Hesitando por um momento, agarrou a maçaneta da porta e entrou. Alguns dos integrantes estavam no sofá, outros em pé, próximos ao balcão da cozinha. Alguns copos de cerveja e tira gostos estavam postos a mesa.
— Hans! Finalmente está de volta! — Fynn foi o primeiro a ir até ele e cumprimentá-lo, logo depois os outros fizeram o mesmo.
— Qual o motivo da comemoração? — perguntou depois de acenar cumprimentando-os de volta.
— Já te explicamos, primeiro pegue esse copo — disse Li, entregando-lhe um copo cheio de bebida.
— Acho que estou bem de álcool por hoje…
— Deixa disso, temos uma nova integrante na nossa equipe — elucidou Matheus, apontando para Selene.
Ouvindo o líder, a conjuradora imediatamente se levantou, limpou sua saia e cumprimentou o homem. Diferente dos outros, ela estava bebendo suco por achar o gosto de cerveja muito amargo.
— Muito prazer, senhor Hans, meu nome é Selene, sou uma conjuradora de segundo círculo.
— Muito prazer, Selene — respondeu calmamente. — Se é assim não me importo de ficar aqui um tempo.
— Incrível! — comemorou Li. — E as boas notícias não acabam aí, eu e Fynn fomos postos para a segunda seção do torneio de Erebus, ambos vamos estar na categoria de Líderes de Equipe!
— Líderes de Equipe? Não é perigoso?
— Foi o que eu disse para eles… — disse Selene. — Mas os dois ficaram bem felizes.
— Claro que ficamos, não é todos os dias que temos a oportunidade de lutarmos com gente mais forte, vamos aprender muito e é claro buscaremos a melhor classificação possível!
— Entendi… bem, vamos brindar a isso — pediu, levantando seu copo.
— Um, dois e…
— Selene, bem vinda ao time! — disseram em uníssono.
Como de costume em comemorações, todos beberam metade de seus copos.
— Ei, Selene, mostre o bracelete pro Hans também — disse Jihan. — Ele é um espiritualista, deve saber falar algo sobre a Pepper.
— Bracelete?
— Sim, eu conheci um espírito hoje e ele se tornou esse objeto. Minha mestra disse que ele está descansando — explicou Selene, apontando para seu bracelete. Ouvir a menina chamar Simone de mestra deu uma leve pontada na nuca de Gloria.
— Me perdoe, jovem, por mais que eu seja um espiritualista, o foco do meu poder é algo geracional, não tenho a mesma facilidade com espíritos tradicionais.
— Ah, sim, tudo bem…
— Algo geracional? Como assim? — perguntou Li, curioso.
— Bem, as classes, assim como a mana não são exatas — explicou Fynn. — Suponho que dentre os espiritualistas, sua família deve ter estudado uma magia específica e desenvolvido habilidades em torno disso, basicamente criando uma nova forma de espiritualismo, certo, Hans?
— Sim, basicamente é isso — concordou. — Na verdade, é bem comum. Existem infinitas formas de se utilizar a mana, se prender a padrões só limita seu potencial. Claro, é importante ter conhecimentos básicos, mas a partir daí é preciso buscar o que verdadeiramente funciona para você…
— AAAh, eu estava me esquecendo! — interrompeu Matheus. — O Li teve um encontro com Dédalos! A lenda em carne e osso.
— ‘O’ Dédalos? — perguntou Glória, surpresa.
— O próprio! — gabou-se. — Ele me humilhou, tirou até a última gota de autoconfiança que restava em mim, mas me indicou um caminho para treinamento, posso ser considerado sortudo!
— Do jeito que você fala nem parece ruim… — brincou Fynn.
— Se você excluir a parte ruim, foi incrível! — ressaltou Li. — Mas ele me deu uma tarefa realmente difícil, vou ter que aprender a usar todas as armas do arsenal!
— Está reclamando?
— De forma alguma! Eu sinto que se seguir o que Dédalos disse alcançarei níveis que nunca imaginei.
— Esqueceu de contar da parte onde eu te surrei várias vezes durante o treinamento — debochou Matheus.
— Não me recordo de tal acontecimento — mentiu Li.
Enquanto os outros conversavam e brincavam, Hans encarou seu reflexo na bebida.
“Estou ficando para trás…” pensou, logo antes de desviar o olhar. O homem nunca olhava muito tempo para si mesmo, sua imagem o lembrava de outra pessoa, alguém que queria esquecer.
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