Capítulo 73: Memórias (6)
É surpreendente a capacidade desse mundo chamado Erebus de evoluir e mudar constantemente, talvez seja por esse mesmo motivo que os seres vivos aqui são tão fortes, a constante mudança os faz assim, a necessidade de se adaptar os fazem assim.
Essas mesmas mudanças os fizeram tomar caminhos diferentes em suas respectivas evoluções, tal como uma mesma espécie separada por desastres naturais, está tomou diversos rumos diferentes ao longo da história. Ou isto, ou simplesmente nasceram assim por um milagre da mana, mas milagres não são a minha área. De qualquer forma, a vida inteligente em Erebus é simplesmente deslumbrante.
Diário e Anotações ~Brigida
— Você cresceu bastante, não consigo acreditar que já consegue carregar tanto peso em tão pouco tempo, Irmin.
— O senhor me lisonjeia falando dessa forma — respondeu à mulher. — Não estou nem perto do seu nível.
— Hahaha! É tolice se comparar a mim — disse o homem barbudo. — Você pode ser metade humana, mas em nossa raça sua idade seria considerada a de uma recém-nascida! Deveria estar orgulhosa do seu progresso!
— Sendo assim, me desculpe e obrigada, Senhor…
— Já falei para me chamar de Gnibry — corrigiu-a, dando-lhe um tapa nas costas. Sem consciência da sua própria força, o gigante quase a derrubou. — Ah, mas devo dizer-te, quando meu filho falou de você eu realmente o questionei, mas vendo o seu desenvolvimento, ele realmente estava certo em me pedir ajuda.
— Eu devo bastante ao Senhor Geist, sinto que estou melhorando no meu controle a cada dia que passa…
O ‘pivete’ ao qual Amélie havia se referido tempos atrás, quando Irmin não havia nem mesmo entrado em uma facção, era nada mais nada menos do que o filho de um dos lordes da facção mais consagrada entre os gigantes, liderada pelo mais antigo deles, Atlas, um ser que estava vivo há quase um milênio.
— Ora, não chame aquela criança de senhor, ele tem apenas 30 anos, mal pode ser considerado um adolescente!
— De forma alguma eu poderia ser tão desrespeitosa, o Senhor Geist pode ser novo de idade, mas já é um mestre dos espíritos!
— HMPF, mestre dos espíritos… antes de tudo ele é meu filho.
“Certo… o Senhor Gnibry não gosta de espíritos” lembrou Irmin.
Geist havia tido essa conversa com Irmin logo quando se conheceram. Quando o gigante nasceu, um evento extraordinariamente raro aconteceu, seu nascimento foi abençoado pelos espíritos da terra, uma honra de categoria única entre os gigantes, seres que nasceram da mana e do barro, assim como conta a história. Entretanto, amado pela terra, o homem também foi amaldiçoado pelo ar, coisa que só foi descoberta anos após seu nascimento, num evento que quase o matou.
— Sim… sim, ele é.
— Enfim, vamos logo, a nossa pausa rápida já acabou.
— Sim, senhor!
— Gnibry…
— Senhor Gnibry!
O gigante mais velho era um homem que gostava de brincar e de sorrir, sua careca contrastava perfeitamente com sua longa barba e bigode ruivos. Ele possuía uma personalidade e energia calma e acalorada, como um avô; sendo a única exceção quando se tratava de espíritos. A dupla caminhou por mais alguns quilômetros antes de finalmente chegar no destino.
— Eu não consigo me acostumar… é sempre impressionante.
Em meio ao deserto árido, muros de vinte metros de altura feitos de pedra se erguiam e cercavam uma gigantesca cidade. O lugar em si era pouco moderno, porém bastante tecnológico, visto que os gigantes perdiam apenas para os anões em forja e construções. Apesar de não possuir grande avanço, como em Anpýrgio, era uma fortaleza impenetrável, com ótima qualidade de vida, proporcionada pelo comércio abundante. Afinal, Massada era o único ponto de parada para quem atravessasse o deserto de Bereha.
— Concordo com você, é por isso que sirvo a Atlas — disse Gnibry, colocando o pedregulho que carregava no chão. — Por esse mesmo motivo que carrego o brasão de Magdala, não existe outro gigante que maneje tão bem um território.
— Hm? — Olhando para o chão, Irmin percebeu um pequeno escaravelho subindo em sua perna. Pegando-o gentilmente, sentiu um traço de mana em forma de mensagem na carapaça do inseto.
— É uma das criações de Geist, ele tem alguma mensagem?
— Sim, disse que quer que eu vá até nosso local de treinamento o mais rápido possível, ele tem boas notícias.
— Entendi, pode ir, deve ser importante. Eu cuido do resto por aqui.
— Obrigada, senhor — agradeceu Irmin, se curvando levemente e indo em direção ao centro da cidade.
No centro de Massada, se erguia uma torre ainda maior do que tudo, um farol, que guiava a todos que se perdessem no deserto, atravessando até mesmo as nuvens do céu. Esse era o quartel da facção de Magdala, assim como seu brasão.
Após andar por um bom tempo, a mulher finalmente alcançou a entrada da torre, para sua surpresa, o homem que havia a chamado estava parado a porta.
— Mestre?
— Finalmente chegou, já estou esperando aqui há algum tempo.
— Me desculpe, vim assim que recebi a mensagem.
Geist, ao contrário de seu pai, era uma pessoa quase sempre séria. Em questão de aparência, fora a altura, ele não lembrava em nada Gnibry, tendo puxado quase todos os traços físicos de sua mãe. Seu cabelo era curto e preto, seus olhos castanhos e sua barba era feita.
— Então, qual é a boa notícia?
— Aqui — respondeu, entregando uma folha para a mulher.
— Isso…?
— Eu consegui te inscrever no torneio de Erebus que acontecera em Anpýrgio, parabéns, Irmin.
— Mestre? Por quê? Digo, achei que essa oportunidade era apenas para um seleto grupo…
— De fato, mas quem você pensa que sou? Acha que não consigo inscrever minha aluna?
— Perdão, não foi isso que eu quis dizer…
— Então vamos logo começar o seu treinamento, você tem que estar pronta para daqui há dois meses, afinal, você não vai estar lutando contra novatos…
VUSHHH
Em meio a floresta, diversas sombras passavam de árvore em árvore, pulando a passos de pluma sem emitir sequer um som. Como um esquadrão bem treinado, a meia duzia de pessoas parou em um círculo exato em volta de um alvo em comum.
“O que é aquela coisa…?” pensou um deles.
O que deveria ser apenas um javali estava mancando, metade de seu corpo estava coberto de uma espécie de ‘lama’ roxa. O animal urrava, sofrendo com a dor que o assolava.
No ouvido de cada um dos seres, o vento soprou, e junto a ele, um comando.
“Elimine-o.”
E simultaneamente, todos dispararam uma flecha em direção ao animal, matando-o instantaneamente. Se aproximando do alvo abatido, um dos indivíduos sussurrou algumas palavras de respeito a morte do ser vivo e logo em seguida movimentou sua boca e nos ouvidos de todos ali, a ordem de retorno para Yggdrasil soou.
Mais tarde naquele mesmo dia, um desses mesmos indivíduos, após chegar em seus aposentos, tirou seu capuz. A mulher Meio Elfa revelou seus olhos verdes cintilantes e seus cabelos pretos que já estavam bem crescidos, passando seus ombros.
— Ouvi falar que vocês encontraram algo diferente na caçada de hoje — Uma elfa um pouco mais velho entrou sem bater pela porta do quarto de Akemi.
— Achei que você estava aposentada e não gostava mais desse tipo de coisa.
— Eu estou aposentada… mas posso estar um pouco curiosa…
— Nos encontramos outro animal contaminado por aquela ‘lama’
— Outro? Já foram quantos essa semana?
— Três… a senhorita sabe o que é aquilo?
— Tenho minhas teorias, mas não se preocupe, não é nada que não possam resolver, enquanto isso tenho uma notícia para te dar.
— Uma notícia?
— Vamos fazer uma viagem, eu e você?
— A senhorita Miriem? Vai sair de casa?
— TSK, preciso te ensinar um pouco mais de educação. — A mulher estalou os lábios, dando um tapa na nuca de Akemi. — Vou ser sua escolta… nos vamos até Anpýrgio.
— Anpýrgio? A cidade humana?
— Exatamente.
— Tem certeza de que a senhora só não quer fazer turismo?
— Urgh, se eu não gostasse de você, já teria te quebrado!
— Ainda bem que a senhorita gosta de mim, certo? — brincou Akemi, sorrindo. O sorriso da mulher derreteu o coração de sua instrutora, que imediatamente cessou as ameaças.
— O verdadeiro motivo que vamos até lá, é esse… — Miriem estendeu a mão e entregou uma folha de papel para a mulher que começou a lê-la.
— O torneio? Não acredito! Conseguiu mesmo me inscrever! — comemorou.
— É claro! Como eu poderia falhar com o pedido da minha aluna favorita.
— Muito obrigado, senhorita! Não vou te decepcionar.
— Sei que não vai, quem diria que a menina medrosa que chegou aqui estaria tão bem hoje em dia!
— A senhorita me mandou tirar a roupa, como eu não desconfiaria?
— Obviamente! Um elfo precisa ter o máximo de contato com o ambiente possível, essas vestes apenas atrapalham o nosso treino! — retrucou a mulher. — De qualquer forma, por que você queria tanto participar disso? Digo, é uma ótima forma de ampliar seus horizontes, mas não é a única.
— Tem alguém que eu quero encontrar, não tive a oportunidade de me despedir antes do fim dos testes…
— Ah… pode ser um pouco difícil…
— Como assim?
— Bem, acontece que eu só consegui te inscrever no nível acima de novato… talvez acabe não encontrando seu amigo…
— Não… não, é melhor assim! Tenho certeza de que ele não se contentaria lutando contra novatos!
— Tem tanta fé nessa pessoa assim?
— Tenho, muita… afinal, ele é uma pessoa muito importante para mim.