“Você é a luz. Não tá em você, ela é você. Durante a sua vida, não deixe ninguém apagar a sua luz. Ninguém.”

    Os santos cantam para Rotimi. Sussurram no ouvido dele perguntando se ele está pronto para a ascensão e, com isso, o sofrimento. Para pagar por todas as escolhas que fez na vida. Ele balança a cabeça dispersando qualquer voz que não seja a sua própria. Assim, continua escondido. Agachado em um beco sujo, o primeiro lugar que pôde correr. Daquilo.

    Ele ouve passos se aproximando, pesados, como se os mechas da televisão tivessem ganhado vida, e caminha em direção a ele, pronto para finalizar o serviço. Tudo treme. Tudo… mas o que foi que aconteceu?

    Há algumas horas atrás, Rotimi e Akin faziam uma ronda de coleta semanal dos Olmecas. Dinheiro de proteção, dos caça-níquels e do ponto do bicho. Tudo normal, até que o ar ficou pesado. Subitamente, sentia que não dava mais para respirar e então o borrão. Um vulto rosa estourou Akin na parede. Não teve chance. Rotimi correu e aí estamos agora.

    — Eu sou um Olmeca. — Rotimi sussurra para si mesmo tentando se convencer. — Eu sou a porra de um Olmeca. Não tenho medo de nada!

    A linha de pensamento é quebrada quando ouve algo se remexer ao lado dele. Não há tempo para pensar. O instinto percorre as veias e Rotimi explode em velocidade, sem olhar para trás. Na viela em que se esconde, o lixo se acumula e é um ponto da cidade onde as luzes do neon não chegam.

    De fato, está no bairro dos Projetos, onde a parte mais tecnológica é quebrada e defeituosa, quase que condenando essa parte de Copa City a viver um século longe da “piscadeira” e brilho incessante do Centro para cima. É aqui onde está concentrada a maior parte dos morros do piso.

    O Olmeca entra na primeira porta que vê no beco e então para. Está exausto. Ele bufa e levanta a cabeça para ver onde está. Tudo está escuro, provavelmente mais um prédio abandonado das renovações no bairro que nunca vieram.

    Algo está estranho. As vozes falam com ele. A respiração fica mais rápida e pesada. A escuridão parece tomar forma e se aproximar, estendendo o braço para alcançar o seu pescoço.  

    Rotimi…

    A voz que sussurra da escuridão é familiar. Um toque atinge o coração dele.

    — Akin?! — exclama o Olmeca. — I-irmão cadê você? E-eu pensei que você…

    Você me deixou com aquele monstro e agora vai pagar por isso.

    — NÃO!

    Rotimi empurra a mão que ameaça esganar seu pescoço e irrompe em uma corrida desesperada pelo prédio, sem saber para onde ir, ele esbarra, tropeça e se levanta, não deixando nada para-lo. Tudo o que quer é fugir de tudo. Dessa loucura. Desse medo.

    Ele se joga no chão de um corredor e fecha os olhos, levando as mãos à cabeça, esperando o pior, desejando que tudo passe o mais rápido possível.

    O som vem do fundo do prédio, como uma goteira esquecida pingando em uma panela de ferro. Cada gota é uma batida de relógio em contagem regressiva. Rotimi sabe que seu tempo tá acabando.

    Se entregue. Você sabe o que fez. Você precisa pagar. Seu dia chegou. A luz há de apagar. Deve se juntar a nós.

     Eles estão certos. Eu devo me entregar.

     A desistência corrói a mente de Rotimi. Ele não aguenta mais. A cada momento começa a sentir mais e mais corpos se aglomerando em suas costas, ficando cada vez mais pesado se levantar.

     Não. Ele não pode. Ele é a porra de um Olmeca. E o que significa isso? Significa que ele deve a vida a Julio. Não por uma fé cega ou por querer crescer no mundo do crime, mas por admirar o homem que lhe deu uma chance, que tirou ele das ruas e deu um sentido para sua vida. O sonho Olmeca é dar sentido e paz para a vida no sétimo nível. Rotimi é parte disso. Ele não vai morrer agora.

     Rotimi faz força para se levantar, lutando contra todo o peso que se acumula em suas costas. É difícil, mas pouco a pouco vai ganhando força para lutar contra a aura esmagadora.

      Mais um passo.

    Mais um.

    A dor nas costas. A cabeça latejando.

    Mas ele se levanta.

     E então ouve uma risada vindo do fim do corredor, Rotimi levanta a cabeça e mal consegue ver uma figura por conta da escuridão. Tudo o que consegue identificar é uma silhueta, uma diferente de todas que a atacou até agora. Um homem alto…

     — Faça-o cair de novo.

     É uma ordem. Que é acatada. Todo o peso que Rotimi luta para conseguir se livrar triplica. Ele vê todas as falhas que já cometeu, e todos a quem já fez mal. Todas se aglomeram em sua volta e apontam o dedo para ele. A força de vontade que tinha some. Não há mais como lutar. A esperança foi arrancada de sua alma, como se fosse o brinquedo de alguém. Deram-no esperança para depois arrancar?  

     Rotimi cai e tenta olhar para a silhueta no fundo do corredor, que é trocada por uma pequena, infantil e com aspectos rosas. A cabeça é pontiaguda, como se não fosse humano. Talvez não seja. Rotimi percebe que é aquilo que acabou com Akin e sabe que é o próximo. Não há nada a se fazer além de se preparar para a morte. Os santos que um dia cultuou e ofereceu a vida é a única coisa que pode salva-lo. Uma forma de se expressar que há séculos é hostilizada, mas ainda assim resiste.

    As palavras saem antes mesmo que ele perceba, como se tivessem sido guardadas no fundo da língua desde que era pequeno. Desde que a mãe cantava no terreiro da vó.

    Ògún, bà mí l’ẹ̀kún.

    Kí n má bà a kúrò nílé ayé.

    Mo bẹ̀ ọ, ṣọ mí, pa mi lárà.

    Ògún, jà fún mi, jà l’ọ̀tá mi.

    Má jẹ́ kí ikú pé mi lónìí…

    Rotimi repete, orando para que seja salvo.

    Por um momento sente seu peito aquecer, pronto para lutar, mas é interrompido quando o vulto rosa avança sobre ele, levantando-o pelo pescoço. Novamente, a mesma voz ri.

    As luzes do prédio se acendem, revelando todos no corredor. A criatura que ergue Rotimi pela traqueia parece uma criança, mas não. Ele sabe que na verdade é um monstro.

    Jon se aproxima do Olmeca com um sorriso no rosto. Chega de brincadeiras. Já é o suficiente para passar a mensagem para a escória Olmeca. Logo atrás dele, está Marcus, um pouco contrariado da abordagem do amigo, porém sabe o que deve ser feito.

    A dupla se aproxima de Starboy e do Olmeca. Jon toma a frente para falar.

    — Manda um recado para o Julio. Diz que a gente tá vindo. E a gente não corre mais.

    Com um ato independente, Starboy abre a boca e diz:

    — Ninguém mexe com a gente.

    E então aperta o braço do Olmeca com força, fazendo os ossos dele se contorcer em um barulho excruciante, esmagando-o quase que até sobrar só o pó e então o solta. A mensagem é passada.

    Rotimi cai no chão sentindo tanta dor que nem mesmo consegue gritar. Está grogue e apagando. Ele vê o trio andando para fora do corredor e chega a uma realização.

    — Não é mais a gente que põe medo no piso… — murmura Rotimi para si mesmo. — É ele…

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