Capítulo 12: Um pra lá e dois pra cá.

— ‘Cê assistiu o jogo ontem? — Kikki joga uma carta rindo de canto de lábio. Sabe que está prestes a vencer.
— Nem. A mulher aporrinhou a noite toda, mas tô ligado que o Arraxca fez um golaço.
— Golaço? É pouco para o que foi aquilo! — Outro homem no fundo grita, ele tenta sintonizar a televisão no canal de esportes e logo fica irritado com as quantidades de anúncios. — Desgraça! Não dá para pular nenhum!
O resto dos homens na sala riem.
— Alguém teve notícia do Juan? — pergunta Kikki. — Soube que ele sumiu depois que Julio achou aqueles recrutas mortos perto dos Projetos.
— O segundo no comando saindo assim quando perdemos alguns dos nossos?
Todo o cômodo fica quieto por um segundo. Desafiar a autoridade da gangue e até mesmo falar algo debochado para alguém tão importante? Melhor só ignorar.
— Uma pena. Soube que queriam mostrar serviço tentando capturar os fugitivos.
— Dizem que foram atacados por leão.
Kikki, um antigo membro dos Olmecas, que teve a honra de participar das guerras que colocaram as Aves Plumadas no topo, joga mais uma carta e desconfia.
— Ninguém vê um leão de verdade há séculos e um vai aparecer logo nos Projetos?
— Só isso pode explicar como ficou o corpo deles, cara. — Ele coloca a última carta na mesa. Um “ás” que garante a vitória. Ele bota a carta com tudo na mesa, dando um tapa e sorridno logo após. — Já pode transferir os NeoReais!
Kikki fecha o rosto. A derrota para um novato atinge diretamente dentro dele, algo que simplesmente não pode acontecer. Por um segundo, pensa em usar sua vantagem de tamanho, coisa que possui a mais que todo mundo, para colocar o garoto no lugar dele, porém desiste.
A íris dele começa a tomar o tom vermelho robótico, ativando os circuitos e chips internos para transferir o dinheiro da aposta. Feito.
O local em que todos estão é uma das inúmeras casas dos Olmecas espalhadas pela cidade de Copa City. A presença da gangue, especialmente no morro, é avassaladora, para dizer o mínimo. Desde as vielas e becos até o Centro da cidade, todos reconhecem a força das Aves Plumadas.
As armas de cada um deles encostadas na paredes e o cheiro de pinga barata no ar. Risadas. Brincadeiras e os membros de gangue sentados sobre o chão de concreto envolto de paredes sem reboco. É o típico ponto de controle dos Olmecas nas favelas desde que a paz reinou. As armas descansam, sem precisar dar um tiro. O que Julio conquistou é admirável. Transformou o ambiente antigo de guerra em um lugar de paz para os moradores e traficantes.
Bem, em teoria ainda estão em guerra com os Zukko, única facção que se recusa a abaixar a cabeça para os temidos Olmecas. A história entre esses dois são longa. Desde que mataram o irmão mais novo de Julio, a rixa parece ter virado pessoal, só que nada puderam fazer para parar a ascensão do Olmeca para o topo do submundo. Hoje, não passam de uma pedra no encalço da facção que comanda o sétimo piso.
Porém, o jogo nesse casebre, no lugar onde as casas se amontoam uma em cima da outra, não pode parar. A diversão há de continuar.
Um leão? Kikki pensa consigo mesmo. Tem algo estranho rolando. Nos últimos dias, além dos membros das gangue que foram mortos, rolou um papo de outros estarem sendo perseguidos e desaparecendo. Tem até um boato que um bicho rosa vingador tá fazendo tudo isso.
As inúmeras cicatrizes, ou marcas de guerra, como Kikki prefere chamar, no corpo do homem ensinaram uma coisa para ele: Tem que estar preparado para tudo. Sempre. Os mais novos pegam o tempo de paz e prosperidade dos Olmecas e são mais despreocupados. Mas quem viveu nas trincheiras sabe da verdade. Toda a gangue está perto de fazer o sonho de Julio se realizar, só que não podem dar bobeira.
A linha de pensamento de Kikki é quebrada quando um alguém entra com tudo pela porta do barraco. Todos os cinco homens dentro da casa puxam a arma e apontam em direção, só que Kikki reconhece quem entrou.
— Rotimi?! — Ele pergunta exclamando. — O que aconteceu com você?
A aparência de Rotimi chama a atenção de todos. Marcas de abusos físicos por todo o corpo, com o braço quase que desprendendo do corpo, com a única coisa segurando sendo fios de cibernética barata expostos. A jaqueta, motivo de orgulho dos Olmecas, com o couro rasgado e manchado de sangue.
E isso nem é o pior. O olhar dele é o que atormenta a todos. Profundos e com olheiras marcando ao redor da face, como se tivesse visto fantasmas e participado em guerras durante séculos. Kikki conhece esse olhar, é o que via quando se olhava no espelho há algumas décadas atrás.
— EletávindoeprecisamosnospreparelequermataroJulioetodo—
Rotimi balbucia em uma velocidade que ninguém consegue acompanhar. A boca tremendo e salivando sem parar.
Kikki se aproxima do novato e o chacoalha pelos ombros. Todo o resto encaram assustados.
— Fale devagar! — Kikki exclama. — Não dá para entender.
— O garoto rosa… — Rotimi desmaia antes de poder concluir.
Rosa…?
BOOOM.
Parte do teto da casa em que os Olmecas se encontram é destruído com algo entrando em cena com tudo. Todos se viram para ver o que é, observando abismados.
Alguns minutos depois. Toda a poeira se abaixa e está na hora do grupo entrar em cena. Marcus entra primeiro na casa até onde seguiram o Olmeca que haviam atacado anteriormente e arregala os olhos quando vê o que sobrou.
Quase nada.
Tudo destruído e uma porrada de bandidos estirados no chão. O coração dele se aperta quando vê Starboy no meio de tudo isso. Lá, parado e em pé como se tivesse orgulho do que acabou de fazer. Essa imagem bate na cabeça do jovem.
Tudo bem que precisam acabar com os Olmecas para poderem sobreviver, mas essa violência toda é necessária?
Por sorte, Jon não está aqui. Se preocupou com a mãe e voltou até o esconderijo para ver o que tava rolando. O que ele faria se estivesse vendo essa cena? Imaginar o amigo se deleitando com isso faz Marcus sentir medo. A loucura parece estar atingindo ele e a todos do grupo.
O cheiro de sangue fresco no ar incomoda ele, que faz um sinal para Starboy voltar, que obedece e vem sorrindo.
Missão cumprida!
Bateram em Kikki, líder de uma das favelas do Olmecas e isso com certeza vai fazer Julio reconhecer que está em perigo ou pelo menos mostrar que não é intocável, sei lá. O importante é saber que estão contra atacando.
Bom, é só uma das dezenas de divisões das Aves Plumadas espalhadas pelas favelas e projetos de Copa City, só que é um grande começo. O mais importante é pensar em dar um baque em Julio e Juan.
Juan…
O segundo no comando dos Olmecas e que é conhecido por seu comportamento oposto de Julio.
Marcus até que entende os Olmecas, controlar o submundo através do punho de ferro e forçar a paz onde antes a polícia e traficantes trocavam tiros todos os dias. Po, é meio nobre. E ainda dizem que o sonho de Julio é fazer isso no andar todo e fazer a paz absoluta, até conciliar com os corpes.
Sério mesmo, rola até uma admiração aqui. Julio é conhecido por ser o cara apaixonado que une todos no carisma e ritmo contagiante. A sexta a noite ganhou um significado novo na cidade desde que assumiu. Ah, e o espaço entre os dentes dianteiros são um verdadeiro charme.
Marcus quase que se sente mal tendo que derrubar o cara, mas fazer o que? É assim que a vida rola.
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