O pilar não se move. Nem um centímetro. O teto range acima dela, prestes a desabar. Ela fecha os olhos. Que caia logo.

     A vontade de viver é uma fagulha fria, pequena demais para incendiar qualquer coisa. Diferente das chamas, que devoram o prédio com a fome de um carnívoro que não come há dias.

     Os fios elétricos expostos queimam e alimentam as brasas, que a cada segundo ficam mais poderosa. Gritos, gritos e mais gritos de sofrimento se espalham pelo edifício, todos tentando fugir por suas vidas.

     Anika não aguenta mais. Tudo o que ela quer é descansar, mesmo que para sempre, e, por um instante, ela se entrega.. As vozes se afastam, o cheiro de fumaça some, e tudo parece enfim em paz…

    Paz…

    Paz…

    Paz…?

    !!!

    Vinte minutos antes.

     Anika não pode acreditar no que vê. O que Julio está pensando? Quantas pessoas inocentes têm nesses prédios? Não. Para ele, não há tal coisa como inocente em Copa City, sério mesmo, mas, ainda assim, queimar tudo?!

    Tenho que deixar pra pensar depois, o importante é sair daqui.

    Anika explode em uma corrida em direção à saída do apartamento de Jon e Sheila, abrindo a porta com tudo e rasga em direção às escadas.

    PAFT! PAFT! PAFT!

    Whoosh! Whoosh! Whoosh!

    Do lado de fora, os preparativos para a guerra, já começaram e os Olmecas fazem uma chuva de coquetéis molotovs caírem sobre os prédios gêmeos dos Projetos, lar dos inimigos. Em pouco tempo, as chamas se misturam com os fios expostos do precário sistema de eletricidade do lugar e causam explosões.

    Logo mais, o fogo começa a se espalhar.

     Os gritos no prédio começam a ecoar na medida que os moradores começam a perceber o que está acontecendo. Anika olha para cima, através do vão das escadas, assustada e cai para trás quando vê um corpo caindo, passando por ela como uma flecha em direção ao alvo. O barulho perturbador de ossos quebrando confirma o que aconteceu, porém, Anika olha através do vão para o térreo e ratifica o destino do homem. Ela olha para cima e não vê ninguém. Um suicida.

    A mulher morde os lábios. Quer fazer algo para ajudar, mas o quê?

    BOOM. BOOM. BOOM.

    As explosões começam a se espalhar pelo prédio e Anika percebe que não pode perder tempo pensando, se não logo estará no mesmo lugar que o homem que acabou de se jogar.

    Ela desce as escadas com desespero e os sons de gritos ficam cada vez mais evidentes. Passos. Gritos. O que—

    Ela logo percebe. No vigésimo segundo andar, do grande megaprédio de habitações com cinquenta pisos, ela sente na pele o que é viver em um lugar desses. Um verdadeiro mar de pessoas corre e se empurra buscando um lugar nos elevadores. Outros, descem pelas escadas em um ritmo incessante.

    Anika começa a respirar rapidamente e ofegante, mas é interrompida quando algo acerta as costas dela, fazendo-a cair no chão. Em seguida, alguém pisa em seu braço. Ela geme de dor.

    Alguém, porém, pega-a pelo braço e a ajuda a se levantar. Quando Anika abre os olhos, vê que é a mesma mulher que havia derrubado sem querer antes. A mulher misteriosa ainda carrega a criança no colo, tendo feito um prendedor no peito às pressas.

    — Você está bem? — indaga a mulher misteriosa.

    — Sim. — responde Anika.

    — Vamos. Temos que sair daqui. — A mulher pega Anika pela mão e começa a descer com ela pela escada.

     Anika se deixa levar, admirando a coragem da mulher, mesmo com um bebê no colo, enfrenta a multidão e começa a abrir espaço para as duas escaparem. Porém, a mulher toma um caminho contrário a multidão.

     Anika tenta entender e o rosto não esconde seus sentimentos. A mulher vira-se para ela e com um sorriso reconfortante, diz:

     — Eu sei um atalho.

     De alguma forma, isso conforta o coração de Anika.

     A mulher, nadando contra a maré, de forma quase que literal, atravessa o mar de pessoas no sentido contrário até se esgueirar por uma porta com aparência de abandonada.

     Passar por ela foi como uma fórmula mágica. As duas entram em uma sala aparentemente sem saída.

    — Onde nós estamos? — indaga Anika.

    — Você vai ver.

     A mulher misteriosa se esforça para mover uma estante velha e mofada da parede e os olhos de Anika brilham quando vê o que se escondia ali atrás.

    — Tcharam! — A mulher misteriosa aponta sorridente para um buraco na parede. Atrás dele, um cabo de aço em um vão. — É o antigo sistema de elevadores do prédio. É a nossa saída daqui.

    — Não é perigoso? — Anika responde.

    — Melhor do que ser pisoteada naquela multidão. Vamos.

     A mulher e o bebê são os primeiros a passar, elas se esgueiram com dificuldade.

    Costumava brincar por aqui quando era criança — diz a mulher, indo na frente.

     Anika, meio receosa, percebe que é o único caminho e também vai imitando os passos da mulher, porém hesita quando ela faz um salto arriscado e se agarra no cabo de aço no espaço vazio onde deveria ter um elevador.

    — Eu não vou conseguir.

    — Mulher, você já chegou até aqui. — A moça misteriosa diz sorrindo e estendendo a mão. — Você vai conseguir.

     Anika não tem opções. Enfrentrar um tsunami de pessoas e bombas não parece uma opção melhor. Ela fecha os olhos, respira fundo, tentando controlar todos os pensamentos que a todo momento cutucam a mente dela e atingem seu coração e então salta. Salta de forma quase que péssima e vai em direção à queda livre, mas a mulher alcança a mão dela e segura-a, puxando as duas para baixo de forma controla.

    O vento e a adrenalina penetram o corpo de Anika, fazendo-a esquecer tudo por um instante e até mesmo esboça um leve sorriso. Por um momento, ela se sente livre. Uma sensação que logo passa quando pisa no concreto abaixo, percebendo que chegou ao seu destino.

    — O melhor caminho para o primeiro andar. — A mulher misteriosa diz e já toma a frente do caminho novamente.

    — É, isso foi revigorante.

    As duas abrem a penúltima porta em direção a felicidade e logo têm a alegria jogada nos chãos. Do outro lado está um homem grande e forte vestindo de forma orgulhosa uma jaqueta de Aves Plumadas. Um Olmeca.

    Ele se vira lentamente para as duas, esboçando um sorriso.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota