Capítulo 5: Oh, no, not me. I never lost control.

A mesa, servida com pasta sintética e um pouco de carne de cordeiro, também não-natural, está em silêncio. Marcus pensa em comentar sobre qualquer coisa para quebrar o clima estranho que domina o ar, mas logo desiste.
Jon está cabisbaixo. Sheila com a mesma expressão de sempre e Starboy… bem, também tá na mesma. Na verdade, meio diferente. Dessa vez parece que ele não sente o ambiente,. Prefere ficar fascinado com a comida que tá no prato.
Tudo servido. Tá na hora de comer e assim fazem. Novamente com o silêncio dominando.
— Mãe, falou com Julio? — Jon tenta quebrar o clima ruim. Uma voz carregada e que não terá resposta. Infelizmente, ele sabe o que a mãe fez enquanto comprava o jantar.
Sheila faz uma pausa com seus olhos desviando brevemente para o prato antes de responder.
— Não — mente.
O garoto observa a todos comendo a humilde refeição e logo tenta imitar o comportamento deles, aos poucos aperfeiçoando o giro do garfo para enrolar a pasta no utensílio e então levar até a boca. Mastiga devagar, franzindo o rosto enquanto o sabor estranho se espalha em sua boca. Ele olha para o prato com uma mistura de confusão e repulsa, como se estivesse tentando entender por que alguém escolheria comer aquilo.
Jon e Marcus não se seguram e dão uma leve risada. Sheila esboça uma leve reação, pausando enquanto comia, dando uma olhadela para Starboy. O menino rosa percebe. Marcus também, mas opta por disfarçar enquanto o garoto a encara de volta como se quisesse entender algo.
Eles se encaram por alguns segundos. Como se estivessem se comunicando. Não. É mais do que isso. Sheila muda sua expressão por alguns segundos. Parece que está em um transe profundo. Tudo passa após cerca de dez segundos.
A aura em volta de Starboy muda. Ele volta a encarar o prato, só que agora com uma expressão neutra, sem nojo ou repulsa e então, volta a comer, ignorando qualquer sentimento. Marcus e Jon ficam surpresos e se entreolham sem palavras. O garoto está comendo. Ou quase. Por diversos momentos ainda faz aquela expressão de antes, no entanto tenta esconder de todo jeito.
Um sentimento estranho começa a aflorar no coração de Jon. O que é que tá acontecendo? O garoto respeita o ambiente. Sentia que vai além. Ele aprecia os esforços que a mãe teve ao cozinhar para ele. O ar mudou. Mais leve, mais simples. Como uma noite de verão em família. Algo para pertencer. Uma mesa cheia naquela casa velha, metálica e caindo aos pedaços desde o momento em que os membros iam diminuindo um por um. Levados por uma cidade quente, violenta e esquecida pelo mundo super tecnológico acima deles.
Sheila da Costa observa a pequena criatura rosada se esforçando para se alimentar daquela comida. Até agora, não conseguia pensar em muita coisa. Toda a sua vida se resume a conseguir outro pico. A qualquer custo. Só que agora… surpreende a si mesmo e a todos na mesa quando se quebra por dentro e despenca em choro. Aquele pequeno ser rosa que o seu filho chama de “Starboy” faz-a sentir um sentimento estranho dentro do peito. Ela lembra de cada um de seus filhos que já não podiam estar presentes naquela mesa, comer de sua comida. Ela se arrepende do que havia feito.
Marcus estranha no mesmo momento, enquanto engole a comida sem sequer mastigar para não ter tanto gosto ruim na boca. Apesar de estar acostumado, ainda é uma merda. Ah, Copa City. Uma pergunta martela na cabeça dele a todo momento: Como Sheila conseguiu dinheiro para o pico?
Tudo tinha começado com o trabalho de roubo no Morro RedRock e sabia que Jon precisava dos NeoReais para sobreviver e colocar comida dentro de casa. Todo o bairro sabia do vício dela. Que fazia tempo que era sustentada pelo único filho e que roubava dinheiro dele para se drogar. Mas ele não tinha dinheiro. Prostituição é o caminho mais óbvio, mas ela é a porra de uma lenda. Não faria isso. Faria? Por mais que queira julgá-la, Marcus sabe que a vida em Copa City é impiedosa. Sheila é uma lenda, mas até as lendas caem. Ele só não sabe como ela havia se permitido cair tão fundo.
Jon se levanta e envolve a mãe em seus braços para conforta-la enquanto chora. Não está acostumado a ver a mãe despedaçada dessa forma, quer dizer, via ela se drogando sempre que tinha a oportunidade para fazer tal. Só que nunca a viu reclamar ou chorar. Nem sequer uma única vez. Dessa vez ela está ali. Quebrada e despejando lágrimas por um motivo desconhecido. Tem algo a ver com Starboy. Disso ele sabe. Tudo virou do avesso desde que o garoto caiu do céu.
De repente, ela começa a falar enquanto soluça por tanto chorar.
— Sinto muito. Sinto muito — Sheila repete enquanto agarra seu único filho. — Eu não devia ter feito isso.
— Tá tudo bem, mãe —Jon tenta conforta-la enquanto abraça-a. De repente começa a apertar as costas dele com força.
Sheila se afasta e encara-o. Jon pensa em virar o rosto. É difícil olhar para o rosto deformado e seco da mãe. Mas não pode fazer isso. Precisa conforta-la. Ele sorri para ela e reafirma que tudo está tudo bem.
— Não, eu–
Antes que possa terminar de falar, a porta do apartamento é estourada com um estrondo ensurdecedor. Fragmentos de madeira voam pela sala enquanto dois homens invadem. Armas apontadas diretamente para Marcus e Jon. O som dos disparos ecoam como trovões, misturado aos gritos abafados de Sheila.
Não dá tempo para pensar ou reagir. Todo o tempo para enquanto se joga no chão. Somente percebe quem são quando já está embaixo da mesa. São os Olmecas que estavam na frente do mercado.
Mais dois disparos são efetuados. Fica aliviado por não ter sido nele e se pergunta se Jon teve a mesma sorte. Não dá para saber. Marcus saca a pistola que sempre carrega consigo e levanta-se para mirar nos bandidos. Eles estão com a pistola apontada para a cabeça de Starboy. Marcus atira naquele que vai disparar contra o garoto. Infelizmente é tarde demais. Um disparou seco a queima roupa acerta o menino rosa.
Marcus grita enquanto o corpo do menino cai no chão. Aponta o revólver GB-91996, uma peça barata para a proteção pessoal, para o outro Olmeca e então efetua um segundo e terceiro disparo. O problema é que o inimigo fez a mesma ação. Marcus cerra os dentes enquanto sente uma pressão no braço e pragueja contra si mesmo quando percebe que não acertou nenhum tiro no Olmeca. Acabou. Vai morrer agora. Não tem para onde correr.
Jon se joga para cima daquele que atirou contra Marcus com um grito que ecoa por todo o prédio. Uma exclamação de raiva misturada com um choro na voz.
— Vocês MATARAM ela! — Jon berra enquanto berra incessantemente no rosto do Olmeca.
Marcus range os dentes segurando a dor e procura o outro gangster para finalizar o serviço. Droga. Ele sumiu. Deixou apenas um rastro de sangue que ia além da porta do apartamento.
— Jon, precisamos sair daqui — Marcus grita. — AGORA!
— Eles acertaram minha mãe–
Marcus parte para cima do amigo para puxa-lo pelo o braço e irem em direção a saída. Só que ele para. Fica pálido, ao ver Starboy levantando lentamente enquanto passa a mão onde era para ter tido sua cabeça estourada, como se tivesse apenas sofrido um ferimento leve.
— Caralho… — pensa em se questionar sobre do que o garoto é feito, só que não agora não dá. Apenas começa a puxa-lo pelo braço também.
Jon se solta do controle de Marcus e então vai até o corpo da mãe, se ajoelhando sobre ela. Chora desesperadamente, o que faz Starboy também se soltar e ir até a mulher, encarando-a.
Jon mexe no corpo dela e percebe que, de alguma forma, ainda está viva. Sheila respira lentamente e a cada segundo as forças delas se esvaem.
— Me desculpa… — sussurra usando o que restava das forças. — Eu…
— Calma, mãe — exclama Jon. — Eu vou te tirar dessa.
— Não temos tempo, cara — Marcus começa. — Ela só vai atrasar a gente.
Jon não responde. Apenas se vira para o amigo com uma expressão que nunca havia feito antes. Uma de raiva com os olhos já começando a inchar por conta do choro. Marcus cede.
— Pega ela e vamos vazar daqui.
Jon não poupa tempo e os quatro saem do apartamento o mais rápido possível. No caminho, Marcus se pergunta se Jon tinha matado aquele Olmeca. O rosto dele ficou deformado muito além de que uma pessoa normal poderia se recuperar, mas ainda assim… Jon nunca matou ninguém. Não que fosse do conhecimento dele. Deixa. Não vale a pena pensar nisso agora.
Eles correm em direção ao carro estacionado na frente do projeto quando são surpreendidos pelo Olmeca que tinha fugido. Ele não tá sozinho. Tem mais quatro bandidos com ele e todos apontam armas para eles.
O Olmeca que tinha sido atingido no ombro ri enquanto os parceiros não hesitam para disparar na direção deles. Marcus e Jon apenas fecham os olhos desejando uma passagem rápida, mas não sentem nada.
Jon abre o olho novamente e vê Starboy de braços abertos na frente dele, da mãe e do amigo. Mais a frente, há cápsulas de munição no chão. O garoto salvou eles.
Starboy está envolto de um rosa puro e brilhoso, emanando uma aura ameaçadora que Marcus e Jon sentem pesar sobre eles. Como se tudo ao redor tivesse mais pesado. O olhar vazio do garoto muda de repente. Seus olhos brilham com uma luz que parece consumir o ar ao redor. É como se algo nele tivesse despertado, algo que nem ele entende completamente.
Uma fumaça rosa começa a sair da pele rosada do menino e então… ele parte para cima dos cinco bandidos!
Os olhos dos Olmecas se arregalam enquanto Starboy avança, suas mãos brilhando em rosa intenso. Um deles tenta correr, mas rapidamente é derrubado, sua voz some em um grito abafado.
Marcus e Jon olham assustados e horrorizados com a cena que se deu a seguir. Como se uma fera fosse libertada para cima de frágeis presas prontas para serem abatidas. Foi o que aconteceu. Um leão despedaça as frágeis caças usando suas garras rosadas que pularam de seus dedos, açoitando a carne de todos aqueles que tentavam fazer o mal. Sem dó. Sem misericórdia. Morde com os dentes que mais parecem garras afiadas, para o terror de seus inimigos imploram por misericórdia. Não há.
Em menos de dois minutos, todos aqueles que atentavam contra a vida de Starboy e seus amigos estão mortos. Despedaçados em uma cena terrível que mais lembra um sacrifício de seita do que uma luta.
Jon e Marcus ficam em estado de choque com o que viram e estremecem quando o garoto se vira lentamente para eles, porém a aura pesada e ameaçadora é desfeita, sendo trocada por uma leve e que de alguma forma cheira as flores rosas da primavera. Não tem árvores em Copa City, somente em poucas áreas destinadas a população mais rica. Ainda assim, a dupla consegue ver e sentir a cena imposta no fundo da mente deles e além. Starboy volta a expressão padrão e vai até os dois.
— Vamos — Marcus dita olhando para o garoto com uma expressão estranha. — Vamos nos esconder no prédio abandonado da rua 64. Eu vou pegar o carro.
— Não — Jon exclama. — Precisamos levar minha mãe em um médico.
— Caralho, pensa, Jon. Não temos dinheiro para a porra de um médico — Marcus exclama, não conseguindo colocar ordem nas coisas. Tudo o que deseja é que as ordens que tivesse dado sejam seguidas. — Eu vou falar para Anika nos encontrar lá e ela vai ajudar sua mãe. Ela vai fica bem, irmão. Eu prometo.
Marcus mente. Mordeu os lábios quando fez uma promessa que sabia que não poderia ser verdade. A situação é feia, Sheila perde sangue a cada segundo e não dá para saber se os tiros acertam algum órgão. Foi tudo muito rápido. Os dois disparos tinham sido nas costas. Ela tentou proteger Jon durante a confusão?
Quando chegam em frente ao prédio abandonado, Anika já está lá, carregando em mãos uma pequena maleta. A expressão de preocupação transcorre na cara dela e é visível o sinal de alívio no momento em que percebe que Marcus e Jon não estavam feridos, por outro lado, morde os lábios ao ver a situação de Sheila nos braços do filho.
O lugar é mofado e o concreto puro domina o chão e paredes, junto com pedaços de maquinários e mesas do que há décadas atrás foi um famoso clube de Strip Tease na cidade do Sétimo Piso.
— Deite-a nessa mesa. — ordena Anika.
Com isso sendo executado, a mulher de cabelos cacheados começa a analisar os ferimentos sofridos por Sheila. Não é nada bom. Muito sangue perdido e a mulher mal consegue abrir os olho. Anika não vai desistir dela. Nunca. Vai viver pelo juramento que um dia pensou que ia fazer, quando teve seus sonhos de ser médica roubada por uma cidade que engole viva todos aqueles que não possuem NeoReais o suficiente.
Ainda assim, o desejo de ajudar queima em seu coração e fará o possível e impossível para ajudar a mãe de um amigo. A moça expulsa os dois rapazes do cômodo que vai trabalhar, com eles começando um princípio bobo de discussão e nervosismo. Precisa de silêncio.
Horas se passaram até que finalmente Anika saiu do quarto.
— Jon, sua mãe vai ficar bem — Anika diz com um leve sorriso no rosto, mas ainda cheio de preocupação. — Ela tinha uma camada extra de pele balística que acabou segurando bem os tiros, não esperaria menos de uma lenda do piso. Mas ainda assim, ela vai precisar descansar.
Os olhos de Jon se enchem de lágrimas e ele não perde tempo para entrar correndo no quarto para abraçar a mãe, que está acordada e com a expressão vazia de sempre.
— Mãe, eu pensei que—
— Tá tudo bem. Não chore — Sheila interrompe o filho. — Já disse para não chorar atoa.
Marcus entra no quarto e observa aquela cena com uma expressão retorcida no rosto. Ele tinha suspeitas. Tá na hora de descobrir o que aconteceu.
— Ei, Sheila. Alguma ideia de como os Olmecas nos acharam? — A pergunta dele mais parece uma inquisição do que uma dúvida genuína.
Sheila olha para Jon, seus lábios tremendo enquanto lutam para encontrar palavras. Sua voz sai baixa, quase um sussurro:
— Eu… eu troquei vocês por um pico. Não consegui evitar. Não sou forte o suficiente.
Jon sente o chão sumir debaixo de seus pés. Ele quer gritar, fugir, mas tudo o que consegue fazer é segurar a mão de sua mãe com força, como se tentasse impedi-la de desaparecer completamente. O rapaz quebrou naquele momento. A mulher que mais ama em toda a vida admitiu que trocou a vida dele por um pico barato da droga. Ele desaba em choro.
Marcus, por outro lado, se afasta lentamente, tentando não explodir. Seus punhos estão cerrados, e cada passo parece mais pesado que o anterior. Ele sabia o que era perder tudo por causa de escolhas erradas. Mas ver Sheila destruir o que restava da vida de Jon o faz sentir algo mais profundo: repulsa.
— Talvez fossse melhor se ela tivesse morrido — murmura para si mesmo antes de sair do quarto.

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