Eu não sabia o que fazer. Eu era ignorado pela maioria das crianças e, quando encontrei uma delas disposta a me dar atenção, não podia perder a chance de ser aceito.

    A mulher que chegou de carroça foi a primeira a sair da casa, gritando apavorada. Logo atrás, vieram meu pai e o ferreiro. Meu pai tomou a frente e retirou-me de cima da garota, que chorava intensamente. Assim que se viu livre, correu para se agarrar à saia da mulher que a trouxe. 

    — O que significa isso, Kannofi? — A voz do meu pai estava séria e forte. Ele quase nunca brigava comigo, pois passava muito tempo fora e deixava isso para minha mãe. Mas, dessa vez, era diferente. 

    — Eu só estava brincando! Não bati nele.

    — Seu filho costuma bater em garotas? — indagou o ferreiro.

    Meu pai olhou envergonhado para o ferreiro, e depois para a mulher que tentava acalmar a pobre garota. Pacientemente ele me disse: 

    — Kannofi, não se deve bater em meninas. Elas são frágeis e devem ser protegidas. Peça desculpas a ela e promete que nunca mais vai machucá-la.  

    — Desculpa, pai, achei que era um garoto. — Expliquei quase chorando. 

    — Entregue isso a ela. E faça o que seu pai mandou. — Minha mãe apareceu ao meu lado com uma boneca feita de pano. Ela deve ter escutado os gritos e corrido para ver o que era, pois eu não me lembro de tê-la visto antes disso. A boneca, com certeza, era de alguma serva que estava por perto, pois lembro que era muito feia.

    Izi tremia e chorava baixinho, mas quando entreguei a boneca e prometi não machucá-la, ela abriu um sorriso que me surpreendeu. Depois daquele dia, ficamos inseparáveis. Agora, estávamos apenas esperando a resolução de mais uma brincadeira de lutas.

    Ela estava radiante, com os olhos vermelhos e cheios de lágrimas, mas nem mesmo assim perdia a sua beleza.

    Fiquei tentado, tenho que confessar. Se minha mãe não tivesse aparecido na porta nos chamando, com certeza teria tentado beijá-la novamente.

    Entrei calado em casa. O ferreiro estava de pé ao lado de uma grande espada. Minha barriga congelou, fixei o olhar na espada e esperei o pior.  Minha mãe simplesmente saiu, me deixando mais apavorado que antes. 

    — Fecha a porta e senta. 

    — Mas… — apontei para fora. 

    Ele deu de ombro e cuspiu essas palavras:

    — Você não passa de um moleque que acha que sabe de alguma coisa. Você não tem a mínima noção de nada, nada, seu maldito de merda! 

     Ele estava furioso.

    O ferreiro tinha consigo uma espada completamente negra. Senti meu rosto empalidecer e pensei em sair correndo. Depois de uma pequena pausa e de engolir em seco, falei.

    — Só ensinei ela a lutar. O que tem de errado nisso?

    — Você não tem a mínima ideia do mal que fez.

    — Que mal?

    — Que mal? Seu maldito. 

     Ele avançou em minha direção com tamanha fúria que me fez estremecer. A espada já estava completamente fora da bainha, o ferreiro lutou para não perder a cabeça. Ele fungava e estremecia a poucos passos de mim.  Inesperadamente, se acalmou ao olhar fixamente para a espada em suas mãos. 

    — Minha vontade é esparramar suas tripas neste chão e te fazer comer. — disse ele, respirando fundo antes de continuar. — Terei que ajudá-la a encontrar seu gaust. 

    Eu não tinha a mínima ideia do que seria isso, mas achei melhor não perguntar.

     — Agora você vai me explicar por que estava em cima da minha filha!

    Isso me pegou desprevenido. 

    Gaguejei, gaguejei e não saiu nada.

    — Eu vou falar somente uma vez. Ela é uma Promised. Você sabe muito bem o que isso significa. 

    Senti algo estranho, um medo sem explicação, contudo foi preciso somente um segundo para que eu entendesse que era o medo de perdê-la. Fiquei sem reação. Tive que balançar a cabeça em sinal de sim. Só assim ele parou de me pressionar.

    As coisas depois deste dia demoraram para melhorar. O ferreiro não economizou em crueldade. Trabalhei muito mais do que antes. Mas nem se compara aos treinos de lutas, acredito que ele estava tentando me matar,  tenho marcas até hoje.

    E cada dia que passava ficava ainda mais complicado esconder meus desejos. Sonhava com seus beijos e abraços e acordava ainda mais apaixonado. Em várias ocasiões tive a oportunidade de beijá-la, contudo por alguma razão não tive coragem. Mas no dia do seu aniversário levantei decidido a fazê-lo. 

    Estava parado no meio do pátio em um dia normal de Eros. Em minhas mãos encontrava-se uma espada que demorou meses para ser feita e dias para convencer aquele velho teimoso que seria um ótimo presente. Já tinha procurado em quase todos os lugares, somente faltava o famigerado campo de flores. 

    Com certeza era onde eu deveria ter procurado em primeiro lugar. Sempre nesta data do ano o campo florescia em uma explosão de cores e aromas. As flores eram mais belas e mais cheirosas do que em qualquer lugar da vila. 

    Ao avistar Izi no meio de tantas flores, meu coração disparou. Ela estava colhendo-as para confeccionar suas famosas águas perfumadas. 

    Ela lançou-se em minha direção, e, a cada passo, meu coração acelerava ainda mais. Nada se comparava a sua beleza. Seus olhos fascinavam-me, sua pele branca fazia um lindo contraste com seus intensos cabelos negros. 

    Era como se Eros perdesse seu brilho, nem mesmo Nix aparentava existir, tudo sumia, nada fazia sentido, nada existia, NADA! Apenas aqueles lindos olhos dos quais jamais saberei a cor.

    — Oi, Kan! Meu pai deixou você sair?

    — Não foi fácil convencê-lo. — Falei ainda distraído pela sua beleza.

    — Nossa, que espada linda! 

    — Mais um ano de vida! — Exclamei sorridente, entregando a espada para ela.

    — Você a fez para mim? Não acredito, ela é linda, linda mesmo. 

    Seus olhos brilharam como nunca tinha visto antes. Pegando-a das minhas mãos, balançou e estocou contra o ar, sentindo seu peso. Em um movimento perfeito cortou na altura da cabeça, em outro desferiu um golpe lateral. 

    Uma estocada com a ponta da espada e outra com o cabo. Depois de tantos golpes perfeitos, com certeza qualquer inimigo estaria morto. Era surpreendente seu preparo físico. Mesmo fazendo tantos movimentos e colocando força em cada um, não demonstrava cansaço.

    — Essa espada é perfeita! — Antes de terminar a frase, já estava abraçando-me. Ao encostar sua cabeça em meu peito, pude sentir seu perfume lacerante. Isso deixou-me mais nervoso. Ainda agarrada a mim, com um sorriso maroto diz:

      — Por que seu coração está tão acelerado? — Esta pergunta deixou-me completamente sem jeito.

    Tentei de várias formas explicar, mas a cada palavra complicava-me ainda mais. Por fim, o meu silêncio respondeu o que meus lábios insistiam em não dizer. 

    — Obrigado, Kan, gostei muito. Eu não saberia como seria minha vida sem você, você é um ótimo amigo. — Meu rosto denunciou meu constrangimento. Pensei em contê-la em meus braços, porém mesmo meu coração gritando, meus membros não ouviram. Novamente ela colocou-se a admirar a espada, deliciando-se com cada detalhe. Quando encontrou uma pequena inscrição, meus problemas começaram. 

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