Capítulo 13
Izi estava parada, inocentemente alheia ao que acontecia à sua frente. Ela recuou instintivamente à minha aproximação, mas não fez esforço para se afastar quando a segurei pelos braços. Seu olhar refletia mais confusão do que medo.
Naquele momento, não parecia mais importar se ela tinha vontades próprias. Ela também me quer. Uma certeza estranha estava impregnada na minha alma.
“Ela vai ser minha agora!”
Apertei seus braços com força, puxando-a para perto de mim.
— Kam, para! Você está me machucando!
Essa simples frase me despertou do transe de loucura e desejos. Ela trouxe à tona o momento em que a conheci e me fez lembrar da promessa de nunca mais machucá-la.
“O que eu estava fazendo e por quê?”
“De certeza para dúvida; depois, para horror.”
“O que eu estava prestes a fazer!”
Essa foi a primeira vez que senti o verdadeiro frio de medo, e o pior medo possível: medo de mim mesmo.
Gaguejei um pedido de desculpas ao mesmo tempo que me afastava rapidamente de sua presença. Quando enfim respondeu, eu já estava a alguns passos, fugindo para o único lugar onde conseguiria me acalmar.
— Tudo bem Kam! — Seu tom de voz era uma mistura de tristeza e confusão.
Entrei na forja suando frio. Minhas mãos tremiam, e meu coração estava tão acelerado que podia senti-lo pulsar através das veias do meu pescoço. Quanto mais eu resistia a Izi, maior era minha atração por ela. Seu cheiro, que antes me deixava sem palavras, agora me deixava completamente irracional.
Procurei algo para distrair meu corpo, que não parava de tremer. Decidi forjar uma espada qualquer. A demanda por armas de guerra havia crescido consideravelmente nos últimos dias.
Tínhamos acabado de entregar uma remessa de vinte espadas para a guarnição da cidade portuária, e mais trinta deveriam ser entregues nos próximos dias.
Não percebi o ferreiro entrar na forja, mas algo me fez parar e olhar para frente. Sdom estava perplexo, olhando para mim e para a bigorna, sem parecer entender o que estava acontecendo.
Continuei meu trabalho, esperando que ele se aproximasse. Contudo, ele não o fez. Continuou parado no mesmo lugar, com a mesma expressão de incredulidade. Então percebi que algo estava errado.
Ergui a marreta mais uma vez… e então percebi. Nada. A bigorna estava vazia. Eu estava golpeando o nada. Meus dedos se abriram, e a marreta caiu no chão com um baque surdo. Meu peito subia e descia em respirações irregulares, e um arrepio percorreu minha espinha.
O que diabos eu estava fazendo?
Senti a grande mão de Esdon repousar em meu ombro, e seus olhos preocupados me sondaram.
— O que aconteceu?
Não consegui responder.
— Você está ardendo em febre! Vamos, vou pedir para Izi fazer um chá.
Não havia a mínima possibilidade de me encontrar com Izi naquele momento! Por isso fiquei de cabeça baixa, respirando profundamente.
— O que está acontecendo, garoto?
Não pensei duas vezes e contei tudo para o ferreiro. Eu precisava contar a alguém.
— Estou apaixonado por sua filha. — Comecei assim. Era óbvio que o ferreiro sabia.
Quase chorei, magoado, quando contei sobre meu dever com uma Promised que meu pai havia escolhido.
— Seu pai… que sujeito estranho! — disse o ferreiro, com um sorriso amargo no rosto.
Contudo, seu sorriso logo sumiu quando contei sobre as minhas terríveis crises. Ele ficou muito sério quando relatei que, dentro de mim, parecia existir um animal enlouquecido.
Não tive coragem de contar o que quase fiz. Como eu poderia contar para o pai dela? Com toda certeza, ele me mataria. Era exatamente o que eu faria se estivesse em seu lugar.
Após uma longa pausa e um profundo suspiro ele disse:
— Eu nunca gostei da sua forma relaxada e preguiçosa, mas isso já ficou para trás.
Colocando suas pesadas mãos sobre meu ombro continuou:
— Seu pai é um cara estranho, mas sabe mais sobre as tradições da sua tribo do que eu. Quando ele voltar vou conversar sobre esse assunto, quem sabe podemos resolver isso.
— Se depender de mim, você terá minha benção para cortejar minha filha.
Aquilo foi como um balde de água fria, colocando ainda mais peso sobre meus atos. Agora dentro de mim existiam dois sentimentos conflitantes. Um de profundo arrependimento e outro de uma satisfação incontrolável.
— Tenho algo para você. Me espere aqui.
Quando estava novamente só, as perguntas voltaram a borbulhar em minha tumultuada mente.
“Como eu pude pensar em fazer isso?”
“Como!”
“Que tipo de monstro eu sou?”
A cada pergunta sem resposta, mais minha respiração se acelerava. A dor no peito era um desconforto estranho, mas nada se comparava ao aperto na garganta.
Uma mistura de horror e medo intensificava todas as sensações. Comecei a ter ânsia de vômito, e um viscoso suor escorria pela minha têmpora.
Não sei quanto tempo fiquei preso neste carrossel de emoções. Mas, assim que vi o ferreiro chegar na forja, de alguma forma, consegui me acalmar um pouco.
— Calma, garoto, vai ficar tudo bem!
O ferreiro tinha acabado de voltar de onde quer que fosse.
Ele me entregou algo que parecia um monte de casca de árvore e sementes. O gosto era horrível, uma mistura estranha de amargor, acidez e ardência.
— Demora um pouco para fazer efeito, mas logo você estará melhor.
Assenti com a cabeça.
— Todos os dias, a partir de hoje, você vai mascar um bocado ao acordar e outro quando for repousar. Antes de acabar, me peça mais. Entendeu?
Ele me olhou fixamente, até eu balançar a cabeça. Satisfeito, ele continuou:
— E lembre-se de sempre mascar quando estiver perto da Izi.
Ele percebeu meu olhar curioso e respondeu: — É apenas um remédio. Izi também vai tomar a partir de hoje.
— Mas não exagere, senão você ficará um bom tempo no banheiro.
— Vá para casa. Amanhã, quero você bem cedo.
Falei um fraco ‘está bem’ e saí de cabeça baixa.
O desconforto foi passando aos poucos. Primeiro, minha respiração voltou ao normal, e, junto, o coração. Por fim, a dor e o aperto na garganta já não incomodavam tanto.
O gosto de remédio ainda estava presente quando cheguei em casa. Por sorte, minha mãe já estava repousando e não percebeu quando cheguei. Minha cama estava desconfortável como nunca antes. Eros lançava uma fraca luz entre a janela e o meu desespero silencioso me atormentava.
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