— Por que ele não continua? 

    — Como eu vou saber? Só aumenta a dosagem!

    — Outra vez? Se aumentarmos mais ele vai morrer! 

    — Que morra. Lixos iguais a esse temos aos montes! Se ele não continuar, apenas mate essa merda!

    —  Vou dar um jeito.

    — Só me chama novamente, se tiver algo bom!

    Yumiro olhou fixamente para seu produto. Ele não podia matá-lo. Ele era um excelente investimento. Não gastou um kuitz, e se sua intuição estivesse certa poderia vendê-lo por 100 kuaitz. Mas o trabalho de fazer o produto falar estava cada vez mais difícil. 

    Antes de continuar o árduo trabalho de fazê-lo falar, aumentou ligeiramente a dosagem, o suficiente para dar mais peso às suas palavras.

    Um largo sorriso brotou em seu pálido rosto quando o produto continuou.  Contudo, sua alegria não durou muito. O infeliz produto se contorcia e gemia em O infeliz produto contorcia-se e gemia a cada palavra pronunciada. Era como se seu corpo se recusasse a continuar, mas as ordens de Yumiro eram absolutas, pensou ele.

    A cada frase forçada a ser pronunciada mais o produto se contorcia e no fim começou a sangrar pelo ouvido e nariz.

    — Isso é um péssimo sinal! Se eu continuar, ele vai morrer.

    Depois de uma breve pausa, algo assombroso surgiu em sua mente!

    — Impossível! —  exclamou ele incrédulo. 

    —  Será que ele está mentindo?

    Existiam produtos que se recusavam a cooperar. Mas nestes casos eles simplesmente sangravam até a morte contando tudo que considerava seus maiores segredos. 

    Agora mentir, isso era impensável para Yumiro.

    Demônio” 

    Essa palavra surgiu em sua mente. 

    Ele ainda lembrava da estranha história do mercador. Cinco homens dilacerados pelo produto que estava praticamente morto. O mercador jurava que o produto havia arrancado a traqueia de um dos seus homens com as mãos nuas.

      Mas em uma coisa ele precisava concordar. Qualquer pessoa morreria com a metade dos ferimentos que ele se encontrava. E mesmo nessas condições, ele matou cinco homens armados?

    — Mentir sob efeito de gùshì? Somente um verdadeiro demônio seria capaz disso!

                                                           *******

    Passei a noite toda pensando em não voltar para a forja. Pensei em ficar o mais longe possível de Izi. E por fim, fiz uma promessa para mim mesmo. Qualquer sinal de sentimentos iguais àqueles eu nunca mais a veria.

    A primeira coisa que fiz após meu breve cochilo, foi mascar o amontoado de ervas que o ferreiro me deu. Essa era a única esperança que me restava. Contudo o gosto continuava estranho.

    Cheguei cedo na forja, o ferreiro já estava me esperando com um semblante decidido. Ao longe, Izi entregava para uma serva uma cesta de águas perfumadas. Fiquei um pouco ansioso e curioso. Ela nunca entregaria suas águas perfumadas para uma serva, ela morria de ciúmes daquelas coisas. 

    Mas logo minha mente foi tomada por outra preocupação. 

    “Como vou explicar para ela?”

    Sdom, percebendo minha ansiedade falou:

    — Fez o que te falei? 

    — Sim! — Terminei a frase jogando mais um bocado na boca. 

    — Não exagere! Agora entra tenho que te mostrar algo. 

        “Ele não está furioso!?  “Izi não contou ou nem mesmo percebeu o que quase aconteceu?” 

    Isso me feriu profundamente.

     Ela confiava tanto em mim que nem mesmo minha atitude estranha a fez temer.

    Fiz o que o ferreiro mandou. A forja estava estranhamente húmida. Aparelhos que não conhecia estavam em funcionamento. Fiquei surpreso, isso nunca havia acontecido. 

    — Pega aquele lingote. O primeiro processo que você precisa fazer é diminuir quaisquer impurezas no ferro. A forja precisa estar na temperatura certa e o lingote nunca deve tocar o carvão. Além disso, você precisa usar um soprador de ar  forte o suficiente para jogar qualquer fuligem para longe.

    — A umidade também é importante! A mantenha quente e úmida o máximo que conseguir. Para isso use esse grande soprador de vapor. 

     Apontou para um dos aparelhos que nunca tinha visto. Eu o olhava incrédulo, o que ele queria fazer?! 

    Não fazia sentido e era exatamente o contrário de tudo que ele tinha me ensinado. Ele sempre dizia que o fole não poderia ser muito forte e que o lingote deveria ser enviado dentro do carvão. agora estava falando o contrário? 

    continuou ele. 

    — O vapor deve ser administrado sobre  a peça. Ele vai ajudar a retirar quaisquer impurezas.

    — A bigorna deve ser limpa com bastante cuidado. Além disso, você nunca deve descansar a marreta no chão. Melhor seria usar um grande recipiente de água para deixar a marreta. Mas se não tiver não tem problema. Nada que umas marretadas a mais não resolva. 

    — A Partir de hoje essa é sua nova técnica de forja!

    Minha mente estava fervilhante, o ferreiro me mostrou coisas e formas que nunca imaginei existirem. Segredos e histórias assombrosas. Mas meu trabalho não poderia parar. Eu deveria entregar antes do repouso  uma espada e alguns utensílios na vila vizinha.

    Agzul não estava comigo, ele tinha mania de sumir.  Às vezes passava dias longe de casa e depois voltava como se nada tivesse acontecido. 

    Montei  um animal de carga que me desprezava por algum motivo obscuro. Ele mal tolerava que eu o montasse. Entretanto, na primeira oportunidade que tivesse ou me jogava no chão ou fugiria me deixando a pé. 

    Eu gostava de irritá-lo, por isso sempre o escolhia para me levar à cidade portuária. Ele odiava aquele lugar. Eu achava engraçado seu olhar de ódio lançado a mim sempre que o deixava amarrado perto de alguma barraca. Ele poderia escapar se quisesse, mas foi treinado pelo ferreiro para não sair se tivesse amarrado. Mesmo sendo eu que o amarrasse, acredito que isso o deixava ainda mais irritado!  

    Contudo eu não o tratava mal, na verdade a melhor parte da viagem era minhas gargalhadas quando eu tentava afagar seu pescoço e ele me retribuía com um grunhido ameaçador. Não que ele não gostasse de afago, ele não gostava era de mim. Mas ele adorava o ferreiro, na verdade era o animal dele. 

    Na travessia do rio, deparei-me com um grupo de soldados que se divertiam às custas de um servo ou de algum filho de uma casa menor. O garoto tinha uma pequena espada na mão e tentava acertar sem nem um entusiasmo seu oponente.

     A cada tentativa fracassada, ele era recompensado com um soco, um tapa e inúmeras gargalhadas. Quando o rapaz me viu, tentou pedir ajuda, mas foi atingido por um golpe de espada nas costas. Seu agressor bateu com as costas da espada, isso não mata, porém causa uma dor considerável.

    O  pobre rapaz caiu gemendo e chorando. 

    Fechei a cara, aquilo não me pareceu certo!  Contudo não era uma boa ideia intervir. Minha família tinha grande prestígio nas vilas, mas eu ainda não tinha autoridade para reprimir soldados formados. 

    Tentei passar sem chamar muita atenção, o que seria difícil, já que o grupo estava bem no meio da travessia. Uma voz rouca e fraca, com picos de força, me fez parar:

    — Olha quem resolveu aparecer!

    Procurei por um instante até encontrar o dono da voz rouca. Ele estava sentado em uma ribanceira a poucos passos atrás do grupo. Pude perceber pelas vestimentas de que se tratava do líder.

    — Sou Kanoff Marum filho de Kanoff Maru e neto de Amaki Maru!

     Somente isso já era mais que suficiente para receber respeito e medo da maioria dos soldados. 

    — Sei muito bem quem é você! — Exclamou a voz rouca.

    Nessa hora ficou bem claro que não me dariam passagem facilmente. 

    — Você se esqueceu do que fez, Kan? Pois eu não.

     Essas palavras foram cuspidas com tamanho ódio que fiquei temeroso. 

    Não falei nada, não adiantaria. Pulei da montaria e segurei as rédeas do inquieto animal. O rapaz aproveitando a mudança de foco, fugiu desesperado.

    O grupo abriu caminho para que o dono da nojenta voz pudesse passar.  Ele era exatamente quem eu esperava. O cabelo cor de cepo, os olhos de peixe morto, e agora contava com um sorriso de um louco, sem contar a voz que dava um toque macabro a sua podre personalidade.

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