Capítulo 16
Eu o ataquei com força na altura dos olhos, Jum aparou o golpe com aparente facilidade. Mas antes do meu recuo, ele me atingiu com um chute brutal no estômago. A dor foi imediata, seca e profunda. Senti o gosto de bile subindo pela garganta, e minha visão se apagou por um instante.
A vertigem veio antes da dor, os espasmos tomaram meu corpo, e um frio intenso percorreu minha espinha.
— O que foi, covarde? Não consegue ficar em pé…?
A pergunta foi feita acompanhada e respondida por várias risadas. Não era a voz de Jum. Estava perto, mas eu não sabia o quanto. Sem perceber, eu já estava prostrado no chão.
— Esse é o seu lugar. No chão, exatamente como todos da sua família ficarão.
Isso me deixou horrorizado, Jum não estava ameaçando a mim ou meu pai. Mas sim toda a minha família. Ele acabara de declarar traição contra o líder da vila que era meu tio.
Eu vou morrer!
Ele parou bem próximo ao meu rosto. Pude sentir o cheiro podre do seu hálito.
— Vamos nos divertir um pouco com você.
Ele cravou ainda mais fundo a flecha, o que intensificou a dor.
— Demorou para fazer efeito, e pensar que esse era o mais forte! — Ele falou isso arrancando a flecha com brutalidade.
Foi então que percebi.
“Veneno!”
— Levanta seu monte de estrume! Vamos continuar nossa luta.
Eu não tinha mais forças, levantei-me precariamente. Minhas pernas fraquejavam e, por um instante, achei que fosse cair novamente.
‘Eu posso morrer aqui, mas esse maldito eu vou levar comigo.’ Só isso passava pela minha mente. Mas tudo o que meus olhos puderam ver foi uma mancha negra desfocada, mal conseguia respirar.
Jum não me mataria rapidamente, eu podia sentir. Eu não diferenciava mais ataques. Eles vinham de todas as direções e de todas as intensidades. Em cada queda se tornava mais difícil ficar em pé.
— Chega!
Ele se aproximava, podia sentir. Meu corpo dizia e minha fraca visão mostrava um borrão.
“É agora! Ele acha que não posso fazer mais nada. Mas vou matá-lo.”
Suportei as dores com forte teimosia e me levantei vez após vez só para levá-lo comigo. Não foi nada fácil não largar o atiçador. Por vezes quase que meu corpo o largou para tentar proteger meu rosto.
Isso é algo instintivo, existem coisas que nosso corpo faz por vontade própria, e proteger a cabeça é uma delas.
Mas nem sempre as coisas acontecem como planejamos. Jum já esperava que eu tentasse isso. O seu primeiro golpe foi no braço que eu segurava minha última esperança de redenção.
A dor foi um choque atravessando meu corpo, fazendo-me soltar o atiçador antes mesmo de perceber. Meu coração afundou. Sem ele, eu não era nada. Meu último fio de esperança desmoronou diante dos olhos satisfeitos de Jum.
A morte não me assombrava, eu não tinha medo da morte, tinha medo de deixá-lo vivo! Se ele ousou proferir ameaças até para o líder da vila. O que ele faria com minha mãe? Eu tremia de medo, um medo profundo mais forte que o medo da morte.
“Desespero”
Os soluços vieram sem controle. Meus ombros tremiam, o ar queimava minha garganta a cada respiração curta e falha. Eu estava quebrado, e o meu choro de desespero pairava no ar.
Meu corpo tentava lidar com esses sentimentos. Ele já estava no limite da dor e do cansaço mental. Eu acabara de passar por várias coisas que me tinham deixado próximo da loucura nestes últimos dias. E ao perceber que minha família seria destruída, tudo desabou.
Uma grande risada de deleite encheu minha mente. Jum estava aproveitando cada segundo.
Após uma longa risada e um suspiro de satisfação, ele falou:
— Ainda não é o suficiente para pagar o que vocês fizeram. — Jum falou isso ao levantar minha cabeça pelos cabelos.
Eu estava prostrado, humilhado e indefeso. Mas no momento que Jum largou minha cabeça uma única coisa estava martelando. O instinto mais profundo de um ser vivo!
Jum gritou e berrou até que sua voz sumisse. Senti um forte golpe na nuca, o que me fez desabar cuspindo aquela pele nojenta. Eu acabara de arrancar um grande pedaço do seu rosto.
O gosto asqueroso ainda estava na minha boca, misturado com sal e areia. Cuspi com nojo, tentando me livrar do sangue daquele maldito.
— Seu demônio! Olha o que você fez! — Jum estava claramente desesperado. E isso me encheu de uma pífia satisfação.
Eu já não sentia dor ao ser atingido por golpes, só percebia pelo deslocamento. Os contínuos solavancos continuaram por um tempo e só parou quando começaram a me arrastar. Quando senti meu rosto sendo lavado pelas águas do rio finalmente pude entender.
“Enfim chegou, que seja rápido.”
Pensei, aceitando o fato que fosse inevitável. Mas meu algoz não pensava igual. Fui submerso, e nada do que eu fizesse me fazia voltar para a superfície. Os lacaios de Jum me seguravam com força.
O desespero de ser afogado não é algo fácil de lidar. Seu corpo usa tudo que pode para sobreviver. Ele luta para tentar não respirar água, mas no fim você respira. A primeira tentativa de respirar debaixo d’água foi agonizante e extremamente dolorida. Minha garganta queimava e se rasgava. Mas, no fim, eu era puxado para fora, o que fazia meu corpo tentar expulsar toda a água dos pulmões.
— Está gostando, maldito?
Minha visão voltou por um breve momento, ele estava com a lateral esquerda completamente arruinada. Minha mordida tinha arrancado sua sobrancelha e parte da pálpebra. Percebendo meu olhar, ele ficou furioso e mandou continuar.
Senti novamente o desespero do afogamento. A luta de não respirar seguida com a ânsia de buscar algo que não existe. E depois o alívio e desespero ao ser retirado novamente da água.
Isso se repetiu várias vezes e cada vez mais eu sentia minha consciência sumindo. Era como se meu corpo tivesse cansado da luta e só quisesse descansar por fim.
O silêncio, simplesmente o mais profundo silêncio. Como se fosse a compensação de todo sofrimento. Era como se todo o tempo se resumisse em apenas aquele interminável descanso da realidade.
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