Avançamos um bom caminho em silêncio. Eu estava calado por vários motivos e um deles era medo. Eu confesso que estava com medo, afinal, a Academia tinha uma fama terrível. Muitas histórias eram apenas boatos, outras eu tinha certeza da veracidade ou achava que tinha.

    Quando eu ainda era uma criança, o curandeiro percebeu meus olhos curiosos sobre ele. Ele abaixou bem perto de mim e contou sua experiência na academia. Com seu corpo esquelético e fedido, vomitou estas palavras: 

    — Quer saber o que aconteceu comigo, garoto?…

    Mesmo eu tendo medo daquele homem, minha curiosidade foi maior. Após ele olhar em todas as direções começou a contar:

    — Eu era um pouco mais velho que você, talvez. Era o primeiro dia na Academia, minha primeira luta, somente eu e um garoto. Este garoto recebeu treinamento do melhor guerreiro da época, era membro da família mais proeminente e antiga, a fundadora da vila. 

    E, diferente de mim, nasceu com talentos que ninguém nem mesmo com anos de treinamentos poderia superar. Eu fui cortado, espancado e arrastado por todo o negro pátio que um dia você vai conhecer. 

    O curandeiro virou o rosto para me mostrar as cicatrizes e continuou.

    — Fui forçado a lutar com um garoto que era bem mais velho que eu. Melhor treinado e que estava disposto a me destruir.

    Hoje eu sei o motivo! 

    Existia um profundo ódio em sua voz. 

    — Escada acima, fui arrastado e a cada degrau que minha cabeça batia, menos dores eu sentia. Ao chegar ao terceiro andar, ele já estava cansado de me bater ou achou que a altura fosse suficiente para me matar, atirou-me sobre o pátio. 

    — Sabe o que aconteceu com ele, garoto? 

      Balanceia a cabeça, assustado demais para poder dizer alguma coisa.

    — Foi promovido a supervisor de treinamento, e eu a isso. — Ele apontou para si mesmo. Está perto da sua luta, criança e torço para que seja você o destruído desta vez. 

    Depois deste dia chorei a cada menção do nome da Academia. Ele estava mentindo, eu ainda era muito novo. Quando chegou realmente o dia da minha entrada, eu disse que não queria. Minha mãe perguntou o motivo eu inventei um motivo qualquer, falei que não queria deixar o ofício de ferreiro. Como meu pai não estava presente e meu tio não deu importância, minha mãe não podia me forçar. Na verdade, ela nem tentou. 

    Essa lembrança ficou escondida no fundo da minha mente por um bom tempo. Mas ela me influenciou em uma atitude que destruiu minha vida, todo o mal, sofrimento e perda foi uma simples reação. 

     A Academia não era para todos, era destinada apenas para os jovens de famílias tradicionais. Os servos e filhos de casas menores treinavam em escolas de armas. Basicamente eles eram condicionados a obedecer. 

    Já tínhamos percorrido a metade do caminho quando meu pai quebrou o silêncio:

    — Como anda seu namorico com a filha do ferreiro?

    — Ah não, outra vez essa história, ela é minha amiga. Somente isso!

    — Que bom, pois você tem uma Promised.

    — O QUE? — aquilo me pegou de surpresa. Abaixando a voz, continuei: — Você disse que eu não tinha.

    — Eu menti, você era muito novo quando me fez esta pergunta. Você causaria problemas se soubesse. Ainda não é o momento certo, contudo é bom você saber que deve honrar esse compromisso.

    — Mas eu posso reivindicar uma esposa, é a tradição.

    — O valor do dote ultrapassa os dos nossos bens; na verdade, você não tem escolha. 

    — Mas porque você fez isso, pai? Quem é a garota? 

    — Você saberá no momento certo. Quero sua palavra que honrará este acordo.

    Relutei bastante em dar minha palavra, perguntei inúmeras vezes quem era a garota. Mas ele sempre repetia a mesma coisa “você deve honrar este compromisso”.

    — Certo, pai, você tem minha palavra.

    — A palavra de um homem é tudo nessa vida. Ele pode perder suas terras, seus filhos, todos os seus bens. Mas, mesmo assim, as pessoas ainda acreditarão nele quando ele der sua palavra. Não perca isto, meu filho, nunca perca sua palavra. Um homem sem honra não é nada!

    Um breve momento de silêncio pairou no ar. Por algum motivo me senti triste e angustiado. O silêncio duraria muito tempo se não fosse meu pai:

    — Deixei um livro em cima da sua cama. O achei em um antigo templo dos Deuses Brancos, você terá muito trabalho para traduzi-lo. É um livro interessante com figuras e símbolos.

    — Obrigado, pai, mas não terei tempo para isso.

    — Você terá um dia a cada 5 noites, eu sei que não é muito, mas é melhor que nada!

    — É verdade tudo que dizem sobre a Academia? — Perguntei, aproveitando a oportunidade.

    — Depende do que dizem. No meu tempo as coisas eram diferentes, a Academia era diferente, diria até cruel. Com sua idade eu já havia lutado em uma guerra, matado e visto vários amigos morrerem. Após um período de paz as pessoas acomodam-se, em 23 anos, elas se esquecem. A Academia não é a mesma, então não há motivo para ter medo, Kan.

    — Não estou com medo, apenas gostaria de saber o que me espera.

    — Nem eu sei.

    Não demorou muito e chegamos no início da vila do porto. A maior e principal vila da nação, Marost. Simples cabanas de madeira predominavam em toda a extensão do rio, exceto nas proximidades do cais, onde uma tumultuosa feira coexistia com a única ponte que cruzava o rio Inquiz. Era gigante. 

    Duas carroças poderiam passar uma do lado da outra e ainda sobraria espaço entre elas. Dizem que foram os próprios Deuses Brancos que a construíram, outros dizem que ela sempre existiu, mas não era a única, como explicavam os mercadores.

    Não foi fácil atravessar a feira com nossas montarias chamativas. Muitos feirantes, acreditando que seríamos possíveis clientes, gritavam e ofereciam produtos incessantemente. 

    Meu pai recusava todos com cordialidade e paciência. 

    Aos poucos diminuíram, e com eles o barulho, conforme íamos saindo da feira. Novamente os casebres predominavam. Se entrássemos na vila portuária, logo perceberíamos que eram apenas casas de escravos pescadores. 

    No centro ficava a casa do líder e dos seus generais, que era cercada por uma gigantesca muralha vigiada dia e noite. Ao seu redor, viviam os comerciantes e famílias menores. Na periferia, novamente os casebres predominavam. Mas continuamos seguindo no leito do rio.

    Após um tempo, avistamos o grande prédio da Academia. Era tão velho quanto a ponte. Foi construído com a mesma pedra negra em um formato quase circular, tinha aproximadamente cem metros de largura e cerca de quinze metros de altura. 

    Suas paredes precipitavam para dentro do rio, de modo que a única entrada era localizada bem no meio do paredão, onde estava parada uma única sentinela, mais para abrir os portões do que para protegê-lo.

    Ao nos aproximarmos, a sentinela gritou:

    — Abram os portões!

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