Capítulo 9
Uma leve brisa soprava sobre a relva, ainda úmida da recente garoa. Ao longe, o canto dos Truvíos se misturava aos outros sons da floresta. Uma mecha de cabelo dançava, movida por movimentos sutis, ora caindo rente ao rosto, ora esvoaçando livremente.
A presença da lâmina a poucos centímetros do meu rosto me trouxe de volta à realidade. Contudo, mal tive tempo para bloquear um segundo ataque. Meu escudo já não existia, destruído pelos golpes anteriores. Restaram apenas as placas de ferro presas ao meu braço, que, embora fossem pouco, eram melhor que nada.
— Excelente! — exclamei, aparando um golpe.
Um leve sorriso de satisfação brotou em seu rosto, mas ela não hesitou. Atacava com ainda mais destreza. Izi usava dois punhais de treinamento, sem ponta e sem corte, com uma pequena guarda e cerca de vinte centímetros de lâmina.
Aproveitei uma brecha em sua defesa e contra-ataquei. Izi desviou e recuou alguns passos. Ela era ótima com espadas, adagas, lanças e, mais ainda, no arco de guerra. Mas seu temperamento explosivo era imprevisível.
— Mas ainda não é o suficiente! — provoquei com uma expressão debochada. — Seu pai estava certo. Você não deveria lutar! — Continuei zombando de seus ataques, desvios e posturas, tentando irritá-la.
— Acho melhor eu voltar… — não tive tempo de terminar. Ela avançou imprudentemente, com as duas adagas em posição de ataque.
Aquela postura era uma faca de dois gumes: podia matar o inimigo facilmente ou morrer tentando. Contudo, da forma como ela começou, com certeza iria morrer.
Desviei de vários golpes, mortais para qualquer guerreiro inexperiente. Quando ela estocou com a adaga na altura do meu pescoço, larguei minha espada e avancei em direção à lâmina inexistente.
Izi hesitou, ficando completamente indefesa. Segurei suas duas adagas pelas “lâminas”, cruzando seus braços atrás do corpo e imobilizando-a.
— Me solta!
Ela lutava com todas as forças para escapar do meu “abraço”, mas eu era mais forte. Izi estava completamente contida, o que a deixava furiosa.
— Por que você fez isso? Se eu não tivesse parado o ataque, você estaria morto!
— Eu sabia que você pararia. Sempre se deve usar tudo contra o inimigo. Ele usará tudo contra você. Antecipe, preveja, engane, até o seduza, se for preciso. Mas nunca, nunca ataque como uma louca. Quando você fica irritada, seus ataques são infantis e suicidas. Até uma criança poderia derrotá-la.
Foi exagero da minha parte; Izi era espetacularmente capaz de rivalizar com qualquer guerreiro da minha vila.
Eu sabia que poderia ter dito isso depois. Contudo, isso não me passou pela cabeça. Seu cheiro, sua pele, sua voz, seus olhos… Tudo me convidava a abraçá-la e não mais soltá-la. Mas ela não gostava de estar tão indefesa e continuou lutando.
Ela passou a perna por trás da minha, tentando me derrubar. Deixei. Ela caiu sobre mim e o mundo veio junto. Seus cabelos caíram sobre os meus olhos, e o perfume dela se tornou ainda mais intenso.
Meu coração batia tão rápido que podia ouvi-lo. Pude sentir cada parte do seu corpo colada ao meu. Ela lutava inutilmente e eu lutava, tentando me desvincular dos seus cabelos. Não conseguindo, virei-a no chão para que ficasse embaixo.
Essa foi a primeira vez que tive vontade de beijá-la. Não sei quanto tempo fiquei olhando para sua boca, nem lembro se ela tentou lutar. Mas recordo-me do ritmo forte do seu coração, da sua respiração compassada, da pele macia como uma pluma e do cheiro estonteante. Ainda posso sentir seus braços ao redor do meu corpo, ou será que era minha imaginação?
Eu queria beijá-la; o desejo era sufocante. Mas, mesmo querendo, não consegui fazer nada. Nem mesmo reagi quando ela me empurrou de lado e recuperou as adagas. Izi ficou em pé, muda. Parecia tão confusa quanto eu. Ainda no chão, pude notar seu olhar de vergonha, raiva e confusão. Ela estava segurando uma única adaga em uma posição completamente sem sentido.
— O que você está fazendo? — indaguei, pois ela segurava a adaga pela lâmina!
Ela olhou para suas mãos e corou imediatamente.
— Vamos continuar, Kam — ela tentou disfarçar. Izi ficava ainda mais linda quando estava desconcertada.
Eu ainda estava no chão, tentando me levantar, quando percebi meu maior medo se aproximando a passos largos. Em suas mãos, uma espada, e em sua boca, um grito:
— MOLEQUE, MALDIIIITO! — O grito ecoou pela floresta, fazendo meu coração disparar ainda mais, se é que isso fosse possível.
— VOU TE MATAR! — A ameaça era clara. Ele estava na borda da clareira. Olhei para Izi, que parecia ainda mais horrorizada do que eu.
— Corre, Kam.
Por um momento, hesitei. Eu poderia tentar “vencê-lo” e explicar que não era o que ele estava pensando. Estávamos apenas treinando, mas não sabia o que poderia ser pior: ensiná-la a lutar ou tentar beijá-la. O mais seguro era correr. Num pulo desajeitado, lancei-me em uma corrida louca para o mais longe possível do ferreiro “sanguinário”. Quando olhei para trás, vi Izi tentando conter seu pai. Nos primeiros metros, corri com determinação para ganhar distância, e, quando cheguei ao final da clareira, não pensei duas vezes e pulei para dentro da densa floresta.
Caí vergonhosamente com o rosto no chão úmido da floresta. Rolei por alguns metros até parar dentro de uma grande moita de chaya. Não tinha tempo para me preocupar com pequenos machucados. Então, me arrastei e puxei tudo que estava à minha frente até conseguir espaço para correr. Com certeza, era uma cena deplorável.
Eu estava tão apavorado que qualquer barulho na floresta me fazia correr ainda mais rápido. Sabia que teria que enfrentar a fúria do ferreiro de qualquer forma, mas seria mais seguro esperar.
Sdom tinha tendência a surtos de raiva, embora ele se acalmasse com o tempo. Quase sempre conseguia conter seus atos. Entretanto, houve uma única vez em que ficou tão furioso que parecia um animal. Xingava e gritava de forma descontrolada.
Foi a primeira vez que tive medo de perder a minha vida, e olha que sua raiva nem a mim era direcionada.
Mas desta vez era.
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