— Já que está tão determinado assim… vamos continuar. Quero que você me cure usando sua magia — do mesmo jeito que fez da última vez com a garota ruiva — disse Kael, com sua voz firme como sempre, enquanto sacava sua espada com um leve brilho metálico. Sem hesitar, ele passou a lâmina no próprio braço, fazendo um corte profundo que rapidamente tingiu sua pele de vermelho.

    O som do corte foi seco, como tecido sendo rasgado. Por um momento, gelei. Ainda não me acostumei com a frieza com que Kael se machuca deliberadamente para me testar. Seu semblante, no entanto, continuava calmo. Ele sequer franziu o cenho. Era como se a dor fosse irrelevante para ele.

    Olhei para o sangue escorrendo por seu antebraço e senti um nó no estômago. Mas respirei fundo.

    Não lembro exatamente como consegui curar aquela garota ruiva… foi um momento de instinto, quase como um impulso natural. Mas, com tudo o que Kael me ensinou até agora — sobre a mana, sobre controlar meu fluxo interno e projetar minha intenção — talvez eu consiga repetir aquilo.

    Fechei os olhos por um instante e me concentrei. Tentei silenciar os sons da floresta ao redor: o farfalhar das folhas, o canto distante de um pássaro, o vento leve batendo nas árvores. Concentrei-me apenas em mim, na energia que fluía dentro do meu corpo. Senti um leve calor no peito, uma pulsação suave que parecia responder ao meu chamado.

    Ergui a mão lentamente, sentindo cada pequeno formigamento nos dedos. Visualizei a mana como um rio dourado, serpenteando pelas minhas veias, reunindo-se em minha palma.

    Então, a luz apareceu.

    Um brilho dourado, com leves reflexos esverdeados, começou a se formar em minha mão. Era quente, mas reconfortante. Ela se intensificou, pulsando como um coração. E, como se tivesse vida própria, essa energia se projetou de mim, flutuando pelo ar em direção a Kael, mesmo estando a alguns metros de distância.

    A luz o envolveu como uma brisa mágica. Pude ver seus músculos se contraindo levemente, reagindo ao toque da cura. O corte começou a se fechar diante dos meus olhos, a carne se recompondo de maneira quase milagrosa. Em poucos segundos, não havia mais sinal da ferida — apenas um traço rosado onde antes havia sangue.

    Kael me observava em silêncio, seus olhos brilhando sob a sombra de suas sobrancelhas espessas.

    — Lucas… isso foi perfeito — disse ele por fim, com um sorriso raro, carregado de orgulho. — Você está progredindo muito mais rápido do que eu imaginava. Nessas poucas horas que passamos nessa floresta, você já superou muitos magos que treinam por anos.

    Ele se aproximou devagar, observando minha mão ainda tremendo com os resquícios da energia que havia canalizado.

    — E sabe o que mais me impressiona? — continuou ele, agora com um tom mais sério. — Você conseguiu curar à distância. Isso é algo que muitos curandeiros experientes não conseguem fazer com precisão. E você… essa foi apenas sua segunda vez curando alguém.

    Mas, apesar das palavras de elogio, havia algo no olhar dele que me incomodava. Um leve franzir na testa. Um brilho estranho nos olhos. Era como se estivesse preocupado, mesmo tentando esconder.

    Meu peito apertou.

    Ele está feliz… mas também está com receio?

    — Kael…? — comecei a perguntar, mas ele apenas desviou o olhar, como se estivesse pensando demais e não quisesse me dizer algo.

    E então me caiu a ficha.

    Espera… será que isso significa que minha maior afinidade é com o tipo defensivo?

    Meu coração afundou. Se eu for mesmo tão bom assim em curar… isso aumenta as chances de eu ser classificado como um mago de suporte. Alguém que fica na retaguarda, cuidando dos outros, enquanto os verdadeiros guerreiros enfrentam o perigo de frente.

    Droga.

    Não é isso que eu quero.

    Não quero ser deixado para trás. Não quero ser apenas o curandeiro. Quero lutar. Quero fazer a diferença com minhas próprias mãos.

    Mas, se esse for o meu destino, eu vou aceitá-lo — e mostrar que, mesmo sendo um mago do tipo defensivo, posso ser forte.


    Kael cruzou os braços, ainda me observando com atenção.

    — Lucas, agora quero que você crie um escudo de mana. Igual ao que você fez da última vez — disse ele, apontando para mim com firmeza.

    Engoli seco.

    Esse é bem mais complicado… — pensei, tentando esconder a insegurança. Não faço ideia de como consegui da outra vez. Foi puro instinto, como se meu corpo tivesse agido sozinho.

    Mesmo assim, respirei fundo. Talvez, se eu repetir o mesmo processo da cura… talvez funcione.

    Fechei os olhos por um instante, tentando ignorar a pressão crescente em meu peito. Concentrei-me novamente na mana, procurando a sensação dela fluindo dentro de mim. Visualizei-a percorrendo meu corpo, serpenteando pelas minhas veias, acumulando-se em meu braço direito.

    Senti o calor surgir. Fraco, hesitante, mas presente. A energia começou a se concentrar, deslizando até minha mão. Estava tentando moldá-la, como antes… tentando dar forma a um escudo.

    — Está pronto, Lucas? Vou jogar esta pedra em você. Sua tarefa é bloquear com a barreira — avisou Kael, pegando uma pedra do chão, pesada e áspera, com um olhar impassível.

    — Estou… pode ir — respondi, hesitante, com um nó na garganta. Meu corpo estava tenso, como se soubesse o que estava por vir.

    Kael não esperou nem mais um segundo.

    Num piscar de olhos, ele girou o braço com precisão e força, lançando a pedra diretamente em minha direção. Era rápida — muito mais do que eu esperava. Um borrão cinzento vindo contra mim, veloz e brutal.

    Tentei conjurar o escudo a tempo, puxando desesperadamente a mana para minha frente. Mas foi inútil. A energia sequer teve tempo de se formar.

    A pedra me acertou em cheio na testa.

    — AAH! Droga, Kael! — gritei, recuando alguns passos enquanto levava a mão à cabeça, sentindo uma dor aguda latejando. — Isso doeu pra caramba! Era pra jogar devagar!

    Kael me olhou sem qualquer sinal de piedade. Sua expressão estava séria, fria.

    — Você acha que no mundo real alguém vai pegar leve com você? — rosnou ele, dando um passo à frente. — Acha que um inimigo vai esperar pacientemente enquanto você se concentra e molda sua barreira com calma? Acha que vai ter tempo de respirar fundo e se preparar?

    Ele se aproximou ainda mais, com os olhos fixos nos meus. Não havia raiva em sua voz, apenas uma firmeza cortante.

    — Ninguém se importa se você está pronto. Ninguém vai parar para ver se sua mana está fluindo certo. Você tem que ser mais rápido. Mais forte. Mais esperto. Pensar e agir ao mesmo tempo — sem falhas. Porque uma única falha pode te matar.

    As palavras bateram fundo. Duras. Reais.

    — Como aqueles homens… — continuou ele, com a voz mais pesada agora — os que sequestraram Aiza e a garota ruiva. Você acha que eles deram tempo para elas reagirem? Você acha que eles foram lentos, compreensivos? Responde, Lucas. Você acha!?

    Tentei falar, mas minha voz falhou.

    — V-você tem razão, mas…

    — Mas nada! — gritou ele, me interrompendo antes que eu terminasse. — Não existe “mas” no campo de batalha. Se quer ser forte, então comece a pensar como alguém forte. A agir como alguém forte. Pare de choramingar!

    Ele se virou de costas, deixando suas últimas palavras pairando no ar como uma sentença final.

    — Eu não sou seu pai. Nem seu amigo. Eu sou seu mestre. E meu trabalho não é te confortar — é te preparar.

    Fiquei parado, o peito arfando, ainda sentindo a dor na testa… mas agora ela parecia pequena diante da dor maior: a da verdade que ele me jogou sem piedade.

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