Capítulo 26 – superando obstáculos
— Então vamos continuar. E sem desculpas, Lucas. Quero apenas resultados. Não vou repetir — disse Kael, sua voz fria e cortante como uma lâmina.
Ele se abaixou, pegando mais uma pedra. Seus olhos não saíam de mim, e eu sabia o que vinha a seguir: outro arremesso, mais rápido, mais forte. Não seria fácil evitar.
Merda, eu tô ferrado. Eu não posso deixar ele me acertar de novo. A última pedra foi forte demais, e o impacto ainda estava queimando na minha pele, como uma lembrança dolorosa do quanto estava distante de ser bom o suficiente. A pedra anterior me acertou tão forte que eu senti o gosto metálico do sangue na boca e o impacto reverberando pela minha cabeça. Se ele me pegar de novo, não sei o que vai acontecer.
Tenho que fazer o escudo de mana. Agora. Se não… Kael vai fazer um buraco em mim com essas pedras.
A pressão estava me esmagando. Kael parecia um monstro de tão rápido e preciso. Ele se movia como uma sombra, suas ações tão naturais e rápidas que eu mal conseguia acompanhar. Era como se ele fosse a própria velocidade.
“Seja mais rápido que seu inimigo”, ele disse. Mais fácil falar do que fazer. Mas e se o segredo não fosse ser fisicamente mais rápido? E se fosse pensar mais rápido? Pensa rápido, Lucas. Antecipação.
Foi aí que percebi. Talvez a chave não estivesse em tentar correr mais do que Kael ou reagir mais rápido. E se fosse pensar antes que ele se movesse? Me antecipar ao ataque dele, como se eu já soubesse o que ele faria antes mesmo de ele se mover.
Fechei os olhos por um segundo, tentando me concentrar, tentando sentir o mana ao meu redor. Visualizei o escudo. Não era só uma barreira de energia, era uma extensão da minha própria mente. A mesma sensação de quando se está prestes a disparar uma flecha e já sabe que vai acertar o alvo antes mesmo de puxar a corda. A mente e o corpo se sincronizando, um único movimento.
Kael, impassível, aguardava, sua expressão imperturbável.
— Cansei de esperar. Está pronto? — ele perguntou, a voz carregada de impaciência.
Merda… só mais um segundo.
— A-An… an… Sim! — quase não consegui responder. Minha garganta estava apertada, o medo ameaçando me engolir.
Senti o mana percorrendo meu corpo, crescendo, tomando forma. Eu estava pronto.
Kael fez um movimento rápido com a mão, e antes que eu pudesse processar, a pedra foi arremessada em minha direção. Como uma flecha mortal, cortando o ar com uma velocidade inacreditável. O som da pedra cortando o vento foi ensurdecedor, e eu mal tive tempo de pensar.
Agora!
No último segundo, quando a pedra parecia que ia me atingir diretamente no rosto, eu consegui. O escudo surgiu, uma barreira translúcida e dourada com detalhes esverdeados que se formou bem à minha frente. A pedra atingiu o escudo com um impacto surdo, fazendo-o tremer, mas a energia a desviou para o lado.
Eu fiquei parado ali, o escudo ainda pulsando, o som da pedra ricocheteando na distância. O silêncio tomou conta de mim por um instante, e meu corpo estava trêmulo, os nervos à flor da pele.
Eu consegui.
Eu havia feito o escudo a tempo. Fui rápido o suficiente, mais rápido do que pensei que poderia ser.
A respiração ficou pesada, mas eu me mantive de pé. O medo que me consumia há pouco deu lugar a um pequeno alívio.
— Exato, Lucas. Era isso que eu queria desde o começo… que você se antecipasse, que reunisse mana antes de ser atingido — disse Kael, com um olhar sério, mas orgulhoso. — Agora que você consegue fazer feitiços defensivos sem muita dificuldade, está na hora da próxima etapa. Vamos testar se você também é do tipo ofensivo… ou seja, um híbrido, como a Aiza.
Agora que consigo curar sem depender de sorte… agora que sou capaz de formar escudos com a própria mana, sem hesitação…
Sim, eu quero saber. Preciso saber.
Sou apenas alguém que protege… ou também alguém que pode atacar quando necessário?
Sou apenas do tipo defensivo… ou um híbrido?
— Então, Kael… o que eu preciso fazer? — perguntei, com seriedade, encarando-o nos olhos.
— Você precisa lançar um feitiço de ataque. Achei que estava bem óbvio o que vinha a seguir — disse ele, com um sorriso debochado. — Mas não vou te julgar. Você só tem cinco anos, não é? Não dá pra esperar tanta genialidade — completou, rindo levemente, como se estivesse brincando com minha cara, mesmo admirando o que eu consegui fazer até agora.
Cinco anos, né…
Se soubesse que eu tenho mais de dezoito, que reencarnei aqui com memórias completas… Kael com certeza me chamaria de idiota por não ter entendido sozinho como conjurar uma magia ofensiva. Que droga. Que vergonha…
— Tá… isso eu já imaginava. Mas o problema é que… eu não sei como atacar — respondi, tentando manter a calma, mesmo sentindo minha dignidade escorrer pelo chão. — Até agora, tudo que consegui foi curar ou me defender…
Kael soltou um suspiro curto, como quem está prestes a repetir uma lição já ensinada mil vezes.
— Presta atenção, Lucas. A magia responde à sua intenção mais profunda. A sua vontade. Quando você usou magia de cura, queria salvar a ruiva, lembra? Só isso. E então a curou. Quando eu fui te “matar”, você só pensou em se proteger, em sobreviver… e criou um escudo.
— Agora, pra atacar… você precisa querer ferir. Desejar causar dano. Tem que visualizar isso. Tem que vir de dentro, do seu coração. Não é só pensar “quero atacar”. Você tem que sentir isso de verdade.
Ele deu um passo à frente e apontou para o próprio peito.
— Então tenta, Lucas. Pensa em como você quer me atacar. Lembra de tudo que eu já te fiz. Se quiser me matar, sinta isso. E deixe a mana responder.
Fiquei em silêncio por um instante. Olhei nos olhos dele. O rosto de Kael continuava sério, impassível. Ele realmente esperava que eu quisesse machucá-lo. Mas… como eu podia fazer isso?
— Eu não consigo, Kael. — minha voz saiu baixa, mas firme. — Mesmo com tudo que você fez… mesmo depois de quebrar meus ossos um por um… com seus chutes…
— Você salvou a mim e a Aiza.
— Quando nos conhecemos, estávamos perdidos. Com fome. Cansados. Provavelmente iríamos morrer naquela floresta. Mas você apareceu. Nos deu abrigo, comida, água. Está nos treinando pra sermos fortes.
— E ainda por cima… salvou a Aiza quando ela foi sequestrada.
Minha garganta apertou. Os olhos começaram a arder.
— Eu não consigo te odiar, Kael. Não consigo te atacar com raiva — disse com lágrimas escorrendo pelos olhos.
Por um instante, o silêncio caiu entre nós. O vento passou devagar, e Kael desviou o olhar. Ele limpou os olhos rapidamente, como se não quisesse mostrar que também se emocionou. Mas eu vi.
Então, o tom dele mudou. A leveza desapareceu. A voz ficou grave. Escura.
— Já que é assim, Lucas… já que você não consegue me odiar… — ele disse lentamente — …então pense nas pessoas que mataram sua mãe.
Aquela frase me acertou como um soco no estômago. Fiquei paralisado.
— Lembre-se da dor que ela sentiu. Do quanto ela sofreu antes de morrer. Do medo. Das lágrimas. Dos gritos.
— Pense no seu pai… caído, sem vida…
— E sabe de uma coisa? Essas pessoas ainda estão vivas. Estão soltas. Podem muito bem aparecer de novo. Podem vir atrás da Aiza… e tirar ela de você também.
Ele se aproximou. O olhar agora era de pura sombra. Uma expressão fria, calculada.
— Então imagine elas aqui. Agora. Diante de você. Com a mesma crueldade no olhar. O que você faria?
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.