Capítulo 33 — superação
Tudo ao meu redor sumiu.
Aquele espaço branco e infinito, silencioso e estranho… desapareceu como se nunca tivesse existido. De repente, me vi de volta ao mundo real, com os pés no chão, o ar preenchendo meus pulmões e o som da floresta sussurrando ao fundo.
O contraste era brutal. Um segundo antes, eu estava preso em uma conversa surreal comigo mesmo — uma versão de mim que não parecia apenas uma memória, mas algo mais profundo, mais sombrio. Agora, tudo aquilo havia sumido, como um sonho estranho do qual despertamos suando frio.
— Aquilo… foi muito esquisito — murmurei para mim mesmo, levando a mão até a testa, sentindo a pele fria. — Sério… deu calafrios. Conversar comigo mesmo? Isso é coisa de maluco…
De repente, uma imagem rompeu meus pensamentos.
Laila.
O nome dela ecoou com força dentro da minha cabeça, como um trovão rompendo o silêncio da razão.
— LAILA! — gritei, em pânico, meu corpo congelando no lugar, enquanto o sangue fugia do meu rosto. Minha pele ficou pálida, e o peso do medo caiu sobre meus ombros como uma pedra gigantesca.
Laila está em perigo.
Como eu pude esquecer? Quanto tempo eu fiquei preso naquele lugar?
Não importa. Eu preciso encontrá-la agora.
Tentei dar os primeiros passos, mas minhas pernas estavam bambas, trêmulas. Cambaleei de um lado para o outro, a mente girando, tonta pela sobrecarga de tudo o que acabara de acontecer. Ainda assim, avancei, tropeçando, seguindo o eco daquele grito desesperado que ela deu — um som que ainda martelava nos meus ouvidos.
— Merda… merda… — repeti, quase como um mantra de culpa. — Já se passou tempo demais desde que ela gritou. Kael e Aiza com certeza já foram ajudar… e eu…
Me engasguei com as palavras. Um nó apertava minha garganta.
— …e eu fiquei aqui. Como um inútil. Com medo. Paralisado.
Corri.
Corri o máximo que pude, o coração martelando contra meu peito como se fosse explodir. Mas quanto mais eu avançava, mais parecia que não me aproximava de nada. O caminho se alongava, se esticava como um pesadelo sem fim.
— Por que eu sou tão lento? — cuspi, com raiva. — Por que eu não consigo chegar logo?
Kael e Aiza… eles não têm esse problema.
Kael consegue fortalecer as pernas com a mana, aumentar a velocidade com impulsos poderosos. Ele treinou a vida inteira, então seu corpo já está acostumado a grandes fluxos de mana. Ele é como um raio: ágil, preciso, destrutivo. Tem mana de sobra e sabe usá-la como se fosse extensão dos próprios músculos.
E Aiza…
Aiza é pura adaptação. Ela manipula os elementos da natureza como se fosse parte deles. Fogo, vento, água, terra… ela transforma tudo em ferramentas. Não apenas ataca — ela voa com o vento, se impulsiona com chamas, se camufla entre as folhas. Inteligente, criativa, versátil.
E eu?
Eu sou apenas um espectador.
O cara que observa.
O sonhador que nunca age.
Pensei que estava mudando.
Acreditei que estava ficando mais forte.
Mas não. Era só uma ilusão.
Eu sou sempre o mesmo: aquele que vê os outros brilharem e se pergunta por que não consegue fazer o mesmo.
Nos momentos decisivos, nos momentos em que alguém precisa agir… sou sempre o que falha.
Nunca sou o protagonista.
Sou o coadjuvante.
Aquele que chega no final e diz: “Eles foram incríveis.”
E agora, Aiza está lá, lutando. E se eu não chegar logo, tudo que poderei fazer é aplaudir no fim e agradecer por ela ter salvado o dia.
— Eu não vou aceitar isso! — gritei, socando o próprio peito.
Fechei os olhos e respirei fundo.
— Eu vou mudar. Como quando despertei a mana pela primeira vez. Como quando consegui usar cura e escudo. Mas agora, preciso ir além. Preciso de algo novo.
Comecei a pensar com urgência. O tempo corria contra mim.
Se Aiza conseguiu transformar o uso da magia dela, então eu também posso.
Ela criou feitiços para flutuar. Para se mover com leveza.
E eu… eu tenho escudos.
Talvez eles não sirvam só para me proteger.
E se…
E se meu escudo se tornasse minha plataforma?
Um tipo de prancha, um veículo feito de mana, controlado por mim?
Sem hesitar mais, estendi a mão para frente.
A mana fluiu. Senti ela girar pelo meu braço, vibrando.
Com esforço, criei o escudo. Uma superfície translúcida e firme, levemente ondulante.
Subi sobre ele com cuidado, tentando me equilibrar.
— Caramba… difícil demais… — reclamei, balançando, quase caindo. — Melhor sentar.
Me sentei no centro do escudo. Mas ainda havia um problema.
— Como eu faço pra isso se mover?
Eu não tinha controle suficiente da mana. Ainda era um iniciante.
Pensei, respirei fundo, suando.
— Por favor… me dá uma resposta… — supliquei ao vento, ao mundo, a qualquer entidade que me ouvisse.
E então, como um presente da memória, uma frase do Kael surgiu na minha mente. Uma frase que ele disse à Aiza, durante um treino:
“Aiza, não pense na mana como algo separado. Imagine que você é a mana. E a mana é você. Vocês são um só. Sinta isso.”
Aquilo me atingiu como um raio.
— Tá. Eu consigo… — sussurrei. — Eu sou a mana. A mana sou eu.
Fechei os olhos com força. Senti a mana no escudo. Ela ainda vibrava.
Tentei enxergar aquela energia não como algo externo, mas como parte do meu próprio corpo.
Pensei no escudo como um braço meu.
E imaginei que precisava usar esse braço para alcançar algo distante — uma maçã, no alto de uma árvore.
Mentalizei o movimento.
Estiquei minha vontade para cima.
— Droga… não tá funcionando… ah… AAAH! — fui interrompido por um susto tão grande que quase caí do escudo.
Abri os olhos.
E fiquei sem palavras.
Eu estava voando.

Lá em cima.
Acima das árvores gigantescas da floresta.
O vento soprava ao meu redor, e a copa das árvores formava um tapete verde abaixo de mim.
Eu… eu consegui — pensei assustado, com os olhos arregalados e o coração disparado.
Agora eu tenho que pegar a maçã — pensei, firmando minha respiração. Fechei os olhos novamente, me concentrando. A maçã está longe, muito longe do meu braço, e eu preciso alcançá-la… preciso ir pra frente. Frente… pra frente… repetia mentalmente, como um mantra, tentando manter o foco e ajudar minha concentração.
Foi então que comecei a sentir algo suave passar pelo meu rosto. Era o vento — leve, quase imperceptível — deslizando pela minha pele. Me dei conta de que o escudo estava se movendo, lentamente, avançando. Ainda era muito pouco… muito lento.
— Tenho que acelerar… — sussurrei para mim mesmo.
Pensei na maçã caindo, escapando dos meus dedos. Não podia deixá-la cair. Eu precisava ser rápido. Rápido o suficiente para alcançá-la. Rápido o bastante para não ser deixado para trás mais uma vez.
No exato momento em que esse pensamento me dominou, senti um tranco repentino.
Quase caí do escudo.
Ele disparou como uma flecha, rompendo o ar com tamanha velocidade que tudo ao redor virou borrão. Era como se ele estivesse deslizando no ar, cortando o vento com precisão. Senti o ar rasgar meu rosto, as rajadas tão fortes que parecia que lâminas invisíveis tocavam minha pele, machucando meus olhos.
Mal conseguia enxergar.
O vento batia com violência, me forçando a apertar os olhos, quase fechando-os por completo. Mesmo assim, consegui manter o equilíbrio — agarrado com força ao escudo, como se meus dedos estivessem cravados em algo vivo. Meu corpo todo tremia com a velocidade, e a dor nos olhos mal me deixava mantê-los abertos.
Mas eu estava indo.
Estava indo rápido.
Em alta velocidade, montado no meu próprio escudo, sentia cada célula do meu corpo pulsando. O medo e a adrenalina se misturavam como fogo e pólvora. Eu seguia em frente, cortando o céu entre as árvores gigantes da floresta, sentindo que, talvez… pela primeira vez, eu pudesse fazer a diferença.
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