Capítulo 14: Despertar
Aiza. Aiza. Aiza.
O nome dela ecoa na minha mente como um mantra, uma oração desesperada. A única coisa que consigo pensar é nela. Nas coisas horríveis que podem estar acontecendo com ela neste exato momento. Cada segundo que passa é uma tortura, uma agonia que consome meu peito e faz meu coração bater descompassado. Tenho que encontrá-la. Tenho que encontrá-la rápido. Mas onde começar? Onde procurar? Minha mente está confusa, desesperada, como se estivesse presa em um labirinto sem saída. Preciso de Kael. Ele saberá o que fazer. Ele sempre sabe.
Saio correndo da pousada, sem pensar duas vezes. O ar frio da noite bate no meu rosto, mas mal consigo sentir. Meus pés parecem se mover por conta própria, impulsionados pelo medo e pela urgência. Acho que Kael ainda está no bar. Tenho que ir até ele. Rápido.
Enquanto corro, lágrimas quentes escorrem pelo meu rosto, misturando-se ao suor que escorre da minha testa. Aiza, desculpa por não ter te protegido. Por favor, Deus, não deixe que nada de ruim aconteça com ela. Ela não merece isso. Ela é pura, inocente. Se aqueles caras de mais cedo fizeram algo com ela… Se eles tocaram nela…
Um ódio profundo e primitivo surge dentro de mim, como uma chama que consome tudo em seu caminho. Se eles fizeram algo a ela, juro que vou matar cada um deles. De uma forma lenta, dolorosa, sem piedade. Meus punhos se fecham com tanta força que as unhas cavam na palma das mãos, deixando marcas vermelhas e doloridas. A raiva queima em meus olhos, mas o medo ainda domina meu coração, criando uma tempestade de emoções que me deixa tonto.
Finalmente, chego ao bar. A porta se abre com um estrondo quando a empurro com força, fazendo com que todos os olhos se voltem para mim. Lá está Kael, sentado em um canto, rindo alto e falando sozinho. Ele está visivelmente bêbado, mas isso não importa agora. Todos no bar olham para ele, alguns com curiosidade, outros com irritação, mas ele parece alheio ao mundo ao seu redor.
— KAEL! — Grito seu nome, minha voz quebrada pelo choro e pela desesperança.
Ele se vira rapidamente, e sua expressão muda ao me ver. Seus olhos, antes desfocados pelo álcool, agora estão nítidos e carregados de uma fúria que eu nunca tinha visto antes.
— Lucas? O que você está fazendo aqui? Eu mandei você e Aiza irem dormir! — Ele fala com uma voz carregada de raiva, mas eu não me importo.
— Kael, levaram a Aiza! Alguém entrou no nosso quarto e a levou enquanto dormíamos! — Minha voz frágil, e as lágrimas não param de cair. Sinto que estou prestes a desmoronar, mas preciso me manter firme.
No momento em que as palavras saem da minha boca, a expressão de Kael muda completamente. Ele se levanta de um salto, joga algumas moedas na mesa e olha para mim com uma fúria que parece capaz de incendiar o mundo ao seu redor.
— Vamos, Lucas. — Ele diz com uma voz gelada, carregada de uma determinação assassina. Parece que, neste momento, ele mataria até uma mosca que passasse perto dele.
— Está bem. — Respondo, seguindo-o para fora do bar.
Na rua, Kael para por um instante e fecha os olhos, concentrando-se. Ele parece estar sintonizando algo, como se estivesse buscando um sinal, uma pista.
— A mana de Aiza está fraca… quase inexistente. Mas consigo sentir uma fração dela. É quase imperceptível, mas está lá. — Ele abre os olhos e se aproxima de mim. Antes que eu possa perguntar o que ele está fazendo, ele me pega nos braços.
— Kael, pra que isso…
Antes que eu possa terminar a frase, o mundo ao meu redor desaparece. De repente, estamos em cima de um telhado velho e sujo. Kael começa a correr, pulando de um telhado para outro com uma agilidade sobrenatural. É tão rápido que parece que ele está se teletransportando.
O vento corta meu rosto, fazendo meus olhos arderem. Eu os fecho, mas consigo sentir o ar passando pelos meus cabelos, batendo em minha pele. A sensação é horrível, e a preocupação com Aiza só piora tudo. Sinto um enjoo forte, como se fosse vomitar a qualquer momento.
De repente, Kael para. Abro os olhos e estamos em frente a uma casa velha e surrada. Ele me coloca no chão e, sem hesitar, dá um chute na porta, que voa pelos ares. Kael entra, emanando uma aura de sangue e destruição.
Dentro da casa, vejo os mesmos homens que estavam conversando com o atendente da pousada mais cedo. Um deles está sentado em uma cadeira, bebendo algo de um copo sujo. Outro está de pé, olhando para nós com uma expressão de surpresa e medo.
— QUE PORRA É ESSA? QUEM SÃO VOCÊS? — Grita o homem que estava sentado, levantando-se rapidamente.
Kael não responde. Ele dá um passo à frente, sua mão já está no cabo da espada. No segundo passo, ele está atrás do homem, e a cabeça do mesmo já está em sua mão esquerda. O corpo do homem cai no chão sem vida, e Kael joga a cabeça dele no chão com um som úmido e repugnante.
— QUE PORRA FOI ESSA? — Grita o outro homem, ainda em pé, mas claramente em pânico.
— AAAAH, SEU FILHO DA PUTA! — Um terceiro homem surge de outro cômodo, correndo em direção a Kael com uma espada na mão.
Kael não se move. Ele simplesmente espera. No momento em que o homem está a poucos passos de distância, Kael age. Com um movimento rápido e preciso, ele corta o homem ao meio, limpando a lâmina da espada com um gesto fluido.
O último homem na sala está caído no chão, tremendo e implorando por sua vida.
— O que você quer? Dinheiro? Eu te dou dinheiro! — Ele diz, pegando moedas de prata e estendendo-as para Kael com mãos trêmulas.
Kael nem olha para o dinheiro. Com um movimento rápido, ele corta o braço do homem, que grita de dor e desespero.
— A única coisa que eu quero é que você me diga onde está a menina de cabelos prateados e olhos brancos como a neve. Onde ela está? Eu sinto a mana dela aqui, mas ela não está nesta sala. — A voz de Kael é fria e implacável.
O homem olha para um tapete perto de uma parede e acena com a cabeça.
— Ali… ela está ali, embaixo do tapete. Já te falei o que você queria, me deixa viver, por favor! — Ele implora, mas Kael não hesita. Com um golpe rápido, ele decapita o homem.
Kael corre em direção ao tapete e o puxa, revelando um alçapão que leva para debaixo da casa.
Descemos as escadas que levam a uma masmorra escondida. O cheiro é insuportável, uma mistura de sangue, suor e morte. A visão que se apresenta é aterrorizante. Várias garotas mortas estão presas em celas, sem roupas, com as paredes manchadas de sangue. Meu estômago embrulha, e eu não consigo segurar o vômito.
Kael coloca a mão em seus olhos, como se estivesse limpando-os, e continua andando em silêncio. Eu o sigo, mas não consigo parar de pensar que algo horrível aconteceu com Aiza. E se ela estiver na mesma situação dessas meninas?
De repente, uma voz corta o silêncio.
— AAAAH, SOCORRO!
É a voz de Aiza.
Kael e eu começamos a correr na direção do grito. Ele vem de trás de uma porta de madeira suja e enferrujada. Eu a abro lentamente, temendo o pior.
Dentro do quarto, a cena é horrível. O balconista da pousada está pelado, em cima de uma garota também nua, com os braços presos na parede. Ao lado, Aiza está nua, chorando, com hematomas por todo o corpo, presa em uma cela com correntes.
Assim que ela me vê, grita:
— LUCAS!
O balconista se vira, mas antes que ele possa reagir, Kael já está atrás dele. Com um golpe rápido, ele decapita o homem, e a cabeça rola pelo chão. Kael olha para ela com desprezo e pisa em cima dela, estourando-a como se fosse uma fruta podre.
Eu corro para a cela onde Aiza está presa. As barras de ferro estão trancadas, e eu não consigo abri-las. Kael se aproxima e, com um golpe de sua espada, corta as barras como se fossem madeira podre. Ele também corta as correntes que prendem Aiza, e ela corre para meus braços, chorando desesperadamente.
— Desculpa, Aiza. Desculpa por não ter te protegido. — Eu digo, abraçando-a enquanto choro.
Aiza está traumatizada e com medo. Ela desmaia em meus braços, e Kael a pega, segurando-a como se fosse um bebê.
Então, lembro da outra garota presa na cama. Corro até ela e vejo que ela tem um lindo cabelo ruivo, como fogo, mas está muito machucada e com um olhar vazio, como se sua alma tivesse sido arrancada. Verifico seu pulso e sinto que ele está fraco, mas ainda há vida nela.
Tento soltá-la com a chave que peguei, e, para minha surpresa, ela funciona.
— Kael, venha cá rápido! Ela está viva!
Kael se aproxima e faz uma cara estranha ao olhar para a garota.
— O que foi, Kael? Por que você fez essa cara?
— Ela não tem muito tempo de vida Lucas. Precisa de tratamento rápido, e eu não tenho magia da natureza para usar feitiços de cura. Além disso, não posso levá-la correndo para algum lugar, porque ela não aguentaria a pressão do ar se eu tentar me mover na velocidade que costumo usar. — Kael diz, sua voz carregada de uma frustração rara. Seus olhos, normalmente tão frios e calculistas, agora estão cheios de uma tristeza profunda, quase desesperançosa. Ele olha para a garota ruiva, que está deitada na cama, sua respiração fraca e irregular.
— Não podemos simplesmente deixá-la morrer! Temos que fazer alguma coisa! — Grito, minha voz ecoando pelo cômodo sombrio. A raiva e a frustração fervem dentro de mim, misturadas a uma sensação de impotência que me consome por dentro.
Kael olha para mim, e pela primeira vez, vejo algo além da frieza em seus olhos. Há uma dor ali, uma dor que ele tenta esconder, mas que transparece em cada palavra que ele pronuncia.
— Não há nada que possamos fazer, Lucas. — Ele diz, sua voz baixa, quase um sussurro. — Eu não tenho as habilidades necessárias para salvá-la, e não há tempo para levá-la a alguém que possa.
Eu olho para a garota, seu rosto pálido e marcado pela dor. Seus lábios estão secos e rachados, e seus olhos, antes cheios de vida, agora estão vazios, como se já tivessem aceitado o fim. Meu coração parece pesar uma tonelada no peito, e uma onda de desespero me invade.
— Não pode acabar assim… — Murmuro, me ajoelhando ao lado da cama. — Eu não quero que ela morra na minha frente. Eu não quero ficar parado, sem poder fazer nada.
Coloco minha mão sobre a dela, sentindo a frialdade de sua pele. Peço desculpas em silêncio, como se ela pudesse me ouvir. Desculpas por não ser forte o suficiente, por não saber o que fazer, por não poder salvá-la.
De repente, sinto um arrepio percorrer minha espinha, como se uma corrente elétrica tivesse atravessado meu corpo. O mundo ao meu redor parece mudar, como se as cores ficassem mais vivas, os sons mais nítidos. Sinto algo estranho, uma energia que nunca havia sentido antes. É como se o ar ao meu redor estivesse carregado de uma força invisível, pulsante e poderosa.
Meu corpo começa a formigar, e uma sensação de calor se espalha por cada fibra do meu ser. Sinto-me mais forte, mais vivo, como se uma energia desconhecida estivesse fluindo através de mim.
— O que está acontecendo? — Pergunto em voz baixa, olhando para minhas mãos.
Antes que eu possa entender, minha mão começa a brilhar com uma luz dourada . A luz se espalha, envolvendo a garota ruiva em um halo suave e pulsante. Ela parece flutuar levemente, como se a energia estivesse sustentando-a, curando-a.
De repente, a garota, que estava à beira da morte, abre os olhos. Ela se senta na cama, olhando ao redor com uma expressão de confusão e espanto. Sua pele, antes pálida e sem vida, agora parece mais saudável, e seus olhos recuperam um brilho que eu não tinha visto antes.
— O que… o que aconteceu? — Ela pergunta, sua voz fraca, mas cheia de vida.
Eu olho para ela, sem palavras, sem entender o que acabei de fazer. Minha mão ainda brilha com a luz verde, mas sinto minha energia se esvaindo rapidamente. Meus olhos ficam pesados, e meu corpo parece fraco, como se cada gota de força tivesse sido drenada.
— Lucas! — Kael grita, correndo em minha direção.
Mas antes que ele possa me alcançar, minhas pernas cedem, e eu caio no chão. Minha visão escurece lentamente, como se uma cortina estivesse sendo puxada sobre meus olhos. A última coisa que vejo é o rosto de Kael, cheio de preocupação, e a garota ruiva, olhando para mim com uma expressão de gratidão.
Então, tudo se torna preto.
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