Capítulo 16 - licença de aventureiro
Finalmente, chegamos a Drogmog.
A cidade se estendia diante de nós, grandiosa e vibrante. As ruas eram largas e pavimentadas com pedras lisas e bem ajustadas, refletindo a luz do sol. As construções eram altas e robustas, feitas de pedra polida e madeira bem trabalhada. Havia decorações ornamentadas em cada prédio, com bandeiras tremulando ao vento, exibindo os emblemas de guildas e comércios. O cheiro de especiarias misturava-se ao aroma do metal recém-forjado vindo das lojas de ferreiros.
As lojas da cidade eram incrivelmente sofisticadas. Vitrines bem iluminadas exibiam armaduras brilhantes e armas de alta qualidade, algumas delas encantadas, emanando um brilho sutil de mana. Mercadores gritavam seus produtos, chamando a atenção dos aventureiros que transitavam pelas ruas. A cidade estava lotada, repleta de pessoas com roupas luxuosas e bem cuidadas, um reflexo claro da prosperidade local.
Enquanto observava tudo aquilo, senti uma mistura de admiração e desconfiança. Havia algo de errado em um lugar onde tudo parecia tão perfeito.
— Kael, por que essa cidade só tem lojas chiques e casas bonitas? — perguntei, ainda intrigado.
Kael me olhou como se a resposta fosse óbvia.
— Drogmog é conhecida como a Cidade dos Aventureiros. Muita gente vem pra cá e fica por um bom tempo. Esse é um dos melhores lugares pra tirar uma carteira de aventureiro.
Ele fez uma pausa e olhou ao redor, como se analisasse a movimentação das ruas.
— Os arredores da cidade são cheios de monstros poderosos. Os materiais extraídos deles são extremamente valiosos, usados para criar armas, armaduras, poções… E como a cidade precisa manter os aventureiros por perto, eles pagam bem por cada criatura abatida.
Ele indicou alguns aventureiros que passavam por nós, alguns cobertos de sangue seco, outros segurando sacos de ouro.
— Mas essa é a pegadinha. Tudo aqui é caro. O ouro que você ganha caçando monstros acaba voltando pra cidade na forma de comida, moradia e equipamentos. No fim, eles sempre saem lucrando.
Comecei a perceber que Drogmog não era tão perfeita assim. Era um ciclo vicioso, um sistema onde os aventureiros ganhavam dinheiro apenas para gastá-lo de volta na própria cidade.
— Se você sabe disso, por que veio pra cá? No final, a cidade vai pegar metade do que ganharmos.
Kael soltou uma risada curta.
— Lucas, nós não vamos gastar nada aqui. Vamos acampar na floresta, caçar nosso próprio alimento e guardar todo o dinheiro. Enquanto isso, vocês treinam matando monstros e ganham experiência de batalha.
Fazia sentido. Mas uma coisa ainda me intrigava.
— Então por que não fomos direto pra floresta?
— Pra receber as recompensas, eu preciso renovar minha licença de aventureiro. Faz anos que não a uso, e se você não renovar a cada dez anos, ela fica inválida.
Ele parecia irritado por ter que passar por esse processo.
— Entendi… Eu também quero fazer minha carteira de aventureiro!
Minha empolgação durou pouco.
— Você? Hahaha! Como um cara que não consegue nem derrotar uma formiga quer uma carteira de aventureiro?
Kael riu alto, sem disfarçar a diversão.
Meu rosto queimou de vergonha e raiva. Fechei a cara e parei de falar, focando apenas na cidade ao nosso redor.
A Guilda dos Aventureiros se destacava com suas grandes colunas de pedra e o símbolo dourado acima da entrada. O movimento na rua era intenso, com aventureiros entrando e saindo, carregando sacos e armamentos. Kael parou a carroça no pátio lateral e amarrou as rédeas a um poste.
— Lucas, fica de olho nas meninas. Vou lá dentro e volto logo. — disse Kael, apressado.
Já tinha se passando várias horas, o céu agora estava quase completamente escuro, e as lanternas de óleo nas ruas projetavam uma luz fraca e amarelada nas pedras do calçamento. A cidade estava começando a ganhar vida à noite, com figuras movimentando-se pelas calçadas e barulhos vindos de tavernas e lojas fechando. O clima estava mais tranquilo, mas havia uma tensão no ar que eu não conseguia explicar.
Aiza ainda estava na carroça, respirando calmamente, mas minha paciência estava se esgotando. Kael havia desaparecido lá dentro da guilda, e o tempo estava passando devagar demais. Eu estava inquieto, mexendo nas minhas mãos e olhando para a porta da guilda, esperando que Kael voltasse logo.
Foi quando o desconforto surgiu de forma inesperada. A necessidade de ir ao banheiro, que eu havia ignorado até então, agora se tornava impossível de ignorar. Olhei para os lados, mas a rua estava cheia e não havia nenhum lugar onde pudesse me esconder. A rua estava movimentada, cheia de comerciantes, nobres e alguns aventureiros que passavam apressados.
Não queria deixar a carroça sozinha, mas também não tinha escolha. “Volto em um minuto,” murmurei para Aiza, que continuava dormindo. Desci rapidamente, tentando agir discretamente.
Então depois de tanto andar pela cidade achei um beco onde não tinha tanta gente
assim O beco estava quieto e sujo, com um cheiro de mofo misturado ao aroma de vinho derramado no chão. As paredes de tijolos, desgastadas pelo tempo, pareciam quase sufocar o pouco de luz que se infiltrava. Eu me aliviei rápido, aliviando um desconforto que parecia interminável.
Mas, então, o som de passos me fez levantar a cabeça. Um casal apareceu de repente no beco. O homem estava claramente em um momento íntimo com a mulher, mas logo pararam ao me ver. Ele, visivelmente irritado, se separou dela e me encarou com raiva.
— O que você pensa que está fazendo, muleque?! — gritou ele, apontando para mim.
Eu olhei ao redor e percebi que estava mijando na parede de uma casa. Meu rosto ficou vermelho de vergonha.
— Desculpa, senhor! — falei rapidamente, tentando recolher minha dignidade.
O homem ainda parecia irritado, mas a mulher, com um olhar divertido, segurou o braço dele e sussurrou algo em seu ouvido. Ele, de algum modo, se acalmou e se afastou.
Não esperei mais. Guardei-me rapidamente e corri para longe, sentindo a tensão se dissipando ao passo que me afastava.
Voltei correndo em direção à carroça, ainda tentando conter as risadas da situação absurda que vivera. Minha respiração estava ofegante, e o coração batia forte no peito – metade pelo esforço físico, metade pela adrenalina do susto. Quando cheguei, dei de cara com Kael que acabara de retornar também.
— Lucas!— sua voz ecoou como um chicote, fazendo meus ombros se encolherem involuntariamente. Seus olhos estreitados queimavam de reprovação.
— Onde diabos você estava? Eu deixei você responsável pela Aiza e pela ruiva!
Tentei disfarçar com um sorriso desajeitado, esfregando a nuca enquanto procurava as palavras certas:
— É que… sabe como é, né? Quando a natureza chama…— fiz um gesto vago com as mãos, tentando amenizar a situação com uma risada forçada. — Não ia dar pra segurar até…
Minha voz morreu quando vi a expressão de Kael endurecer ainda mais. Seu maxilar estava tão tensionado que eu quase podia ouvir os dentes rangendo.
— Você acha isso engraçado? — ele cuspiu as palavras, cada uma pesando como uma pedra. — Depois do que aconteceu da última vez, você ainda tem a coragem de abandonar seu posto por um mero capricho?
O sangue correu para meu rosto. Não era só raiva naquela voz – era decepção. A pior espécie.
— Eu só…— comecei, mas a frase se perdeu no ar. Que desculpa eu poderia dar?
Kael não esperou minha resposta. Com um movimento brusco, subiu na carroça, seu manto azul-esverdeado ondulando com o gesto. Eu o segui em silêncio, me sentindo menor que um grão de areia. O banco de madeira rangeu sob meu peso, mas o som foi abafado pelo silêncio pesado que se instalou entre nós.
Enquanto as rodas começavam a se mover, levando-nos em direção à floresta, eu podia sentir o olhar de Kael queimando meu perfil. Não era preciso ver – cada instante daquela viagem seria marcado pelo amargo sabor do fracasso
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