Capítulo 23 – O Despertar dos Sentidos
Meu corpo inteiro vibra. Sinto como se cada célula estivesse pulsando em sincronia com a energia invisível que percorre minhas veias. A mana… ela despertou algo dentro de mim. Algo primal. Selvagem.
É como se tudo ao meu redor estivesse mais vivo. Mais intenso. Cada batida do meu coração ressoa como um tambor dentro do meu peito, como se eu pudesse ouvir o sangue correndo por minhas artérias. Meus ouvidos captam sons que antes passavam despercebidos — o farfalhar das folhas, o bater de asas de insetos, até mesmo o leve rosnado de uma raposa escondida entre os arbustos a dezenas de metros de distância.
Meu olfato está aguçado a ponto de ser desconfortável. Sinto o cheiro da terra molhada, das árvores, do suor de Kael, e até o aroma sutil de pequenos animais que circulam pela floresta, escondidos entre as sombras. Cada fragrância carrega informações, e eu as absorvo instintivamente.
Mas o que mais me incomoda é o toque. A mão de Kael repousando em meu ombro parece pesar uma tonelada. A pressão, mesmo que leve, faz minha pele coçar e arder, como se estivesse sendo pressionada por ferro quente. O desconforto cresce a cada segundo, até se tornar insuportável.
— Kael… por favor, tira a mão do meu ombro — peço, com a voz entrecortada por uma coceira insana que parece queimar.
— Claro — responde ele, tirando a mão com calma. — Mas agora que você finalmente despertou, precisamos começar o verdadeiro treinamento. Está na hora de você aprender a controlar sua mana… e, mais importante, descobrir seu tipo de magia. Será você do tipo ofensivo… ou defensivo?
Aquelas palavras ficam ecoando na minha mente.
Ofensivo ou defensivo?
Eu nunca fui fã de RPGs complexos, daqueles cheios de classes, atributos e estratégias. Sempre fui mais direto. Em jogos de tiro, minha abordagem era clara: mirar, atirar e eliminar. Mas nos poucos RPGs que joguei, sempre reparei numa coisa — os magos ofensivos eram os mais poderosos. Eles controlavam o fogo, o raio, a destruição. Tinham impacto. Mudavam o rumo da batalha com uma única explosão.
Já os magos defensivos… eram lentos, passivos, sempre recuados. Criavam barreiras, protegiam aliados, curavam… mas nunca estavam na linha de frente. Eram considerados “seguros”, recomendados para iniciantes que tinham medo de errar. E sinceramente? Eu nunca quis ser esse tipo de pessoa.
Esse mundo é cruel. Implacável. E eu já entendi que aqui, só os fortes sobrevivem. Se eu quiser crescer, preciso ser o tipo que avança, não o que recua. Preciso ser o ataque, não o escudo. Ser ofensivo é o caminho mais rápido — talvez o único — para alcançar o poder que preciso.
Porque, se eu não for forte… se eu não me tornar mais poderoso que tudo isso…
Eu vou morrer.
E eu não aceito morrer de novo.
— Está bem, Kael… mas como iremos fazer isso? — pergunto, coçando o ombro que ainda formigava, incomodado com a sensibilidade aguçada que não dava trégua.
— Bem, simplesmente você vai lançar um feitiço. — Kael disse de forma direta. — Da última vez que você despertou e usou magia, mesmo sem controle, eu consegui ter uma boa ideia do seu tipo. Mas ainda assim, quero ter certeza antes de afirmar qualquer coisa.
— Kael, mas… eu nem sei lançar feitiços! Eu nem sei controlar essa mana! Nas últimas vezes… tudo aconteceu no impulso. Foi pura sorte! — digo, frustrado com minha falta de controle e com a ansiedade crescendo dentro de mim.
— Calma, Lucas — ele responde com um tom mais sereno. — Eu vou te ensinar a controlar esse poder. A mana parece complicada no início, mas não é. Controlá-la é como aprender a andar. Lançar um feitiço é algo natural. Não é tão difícil quanto parece.
Ele falava como se fosse simples, mas nada daquilo parecia fácil pra mim.
— Então, Lucas, quero que você se sente no chão. — ordena Kael, se afastando um pouco para me observar com atenção.
— Está bem… — respondo, respirando fundo e me sentando à frente dele, tentando ignorar a inquietação que crescia dentro do meu peito.
— Feche os olhos — diz ele, com firmeza. — E tente focar na sensação que percorre seu corpo. Aquela energia estranha, que te faz se sentir bem e desconfortável ao mesmo tempo. Concentre-se apenas nela. Esqueça todo o resto.
Tomo um fôlego mais profundo e fecho os olhos. No começo, como sempre, tudo o que vejo é escuridão. Um vazio silencioso e sem forma. Mas então começo a me concentrar de verdade. Tento ir além do que estou acostumado. Me forço a sentir cada detalhe — o pulsar do meu coração, o fluxo do sangue, os arrepios na pele.
A mana… eu já a sentia antes. Como uma presença. Como uma força invisível envolvendo meu corpo e se misturando ao meu ser. Mas agora… é diferente.
Pela primeira vez, eu a vejo.
Como se a escuridão diante dos meus olhos fechados começasse a se dissolver, e no lugar dela surgisse uma luz tênue, dourada, esverdeada, pulsante — fluindo dentro de mim e ao meu redor. Como rios de energia viva. É como se eu estivesse diante de um mar de estrelas, mas todas elas me pertencem. Todas respondem a mim.
— Consegui, Kael… Eu estou vendo a mana. Está em toda parte, dentro e fora de mim… — digo, impressionado, sentindo algo entre admiração e reverência.
— Muito bem. Agora, tente controlá-la — responde ele, com um leve sorriso na voz. — Molda essa energia. Faça ela ganhar forma. Traga-a para a palma da sua mão, como se estivesse prestes a usá-la.
Estendo minha mão devagar, mantendo a concentração. Tento comprimir a mana, guiá-la até a palma, mas ela resiste. Ela é densa, vibrante, forte demais. Parece querer escapar, como se tivesse vontade própria.
Mas então lembro das palavras de Kael. Da sua confiança. Me agarro àquela lembrança e firmo minha mente. Me concentro, visualizando a mana como uma corda luminosa e viva, rodando ao meu redor. E então, mentalmente, a enlaço. Seguro essa corda de luz e a puxo com firmeza para mim.
Sinto a energia responder. Ela gira em torno do meu punho, como uma chama que dança ao vento, mas que agora é minha. Pela primeira vez, não estou só sentindo. Estou controlando.

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