Capítulo 24 — A Cor da Alma
— Kael, o que eu devo fazer agora? — perguntei, quase ofegante, com os olhos fixos nele. Minhas mãos tremiam levemente, ainda sentindo os ecos da energia que havia percorrido meu braço minutos antes.
Kael estava de pé, com os braços cruzados, o olhar atento sobre mim. Seus olhos analisavam cada detalhe, como se procurassem respostas nas partículas de mana que ainda dançavam ao meu redor. Ele respirou fundo antes de falar, com sua voz grave e calma.
— Lucas… geralmente, a cor da mana que uma pessoa emite revela muito mais do que apenas aparência. Ela é um reflexo direto da essência interior, da alma. Cada cor representa um tipo específico de afinidade mágica. Por exemplo: sempre que Aiza ativa sua mana, ela brilha em tons vibrantes de verde esmeralda. Essa tonalidade está diretamente ligada à magia da natureza, à vida, ao crescimento, à harmonia com o mundo ao redor.
Ele deu um passo à frente, a luz do sol filtrando-se pelas folhas acima, projetando sombras suaves em seu rosto sério.
— O que talvez você ainda não saiba… é que a afinidade mágica de uma pessoa não é aleatória. Ela nasce de experiências profundas. Marcas invisíveis, deixadas por momentos intensos: perdas, amores, traumas, conquistas… tudo isso influencia a forma como a mana se manifesta. É como se a magia fosse moldada pela história de vida da pessoa. Por isso, muitos magos possuem habilidades que ressoam com suas vivências mais profundas.
Kael fez uma pausa e olhou para o céu, como se organizasse os pensamentos.
— Claro, há exceções. Algumas pessoas nunca passaram por nada grandioso e ainda assim despertam magias poderosas — ou, ao contrário, têm poderes fracos e quase inúteis. A magia é tão variada quanto os próprios seres humanos. Existem centenas de tipos: criação, transformação,luz, trevas, ilusão, e até mesmo magia do tempo ou da mente. Mas algumas, como a magia da natureza, são mais raras. Poucos têm uma conexão verdadeira com ela.
Antes que ele pudesse continuar com sua explicação, ergui a voz, confuso e inquieto.
— Tá… tudo bem. Mas o que isso tem a ver com o que estamos fazendo agora?
Kael pareceu despertar de um devaneio. Coçou a nuca, claramente percebendo que havia se desviado do ponto.
— Desculpe. Às vezes me empolgo com esses assuntos — disse com um leve sorriso. — O que eu quero dizer é que… a sua mana é diferente. Muito diferente. A cor que você emitiu agora há pouco… ela não é comum. É algo que eu nunca vi antes.
Ele se aproximou mais, os olhos fixos no meu corpo como se enxergassem além da carne.
— Sua mana possui um tom dourado intenso… quase como luz líquida. Mas o curioso é que, por entre esse dourado, há reflexos esverdeados. Uma mistura incomum. Não é só bonito — é enigmático. Essa coloração não se encaixa em nenhum tipo de magia conhecido. Ela não parece ser puramente ofensiva, nem de defensivo, É… algo novo.
Kael estreitou os olhos, a expressão agora tomada por uma seriedade quase pesada.
— E isso é o que mais me intriga, Lucas. Eu não faço ideia do que você é capaz de fazer com esse poder. Pode ser algo incrível… ou extremamente perigoso. A verdade é que estamos lidando com o desconhecido.
Ele estendeu a mão, como se oferecesse equilíbrio em meio ao caos.
— Por isso, precisamos testar. Precisamos explorar todas as possibilidades. Descobrir os limites — ou a ausência deles. Até agora, só tocamos a superfície da sua magia. Algo me diz que dentro de você existe algo muito maior do que imagina.
— Espera… — minha voz escapou mais áspera do que eu pretendia, carregada de frustração. — Então você realmente não faz ideia de como eu devo usar minha magia? Nem mesmo se ela é ofensiva ou defensiva?
As palavras saíram cuspidas, num tom entre indignação e medo. O suor escorria pela minha testa enquanto eu tentava entender tudo aquilo.
Kael não se abalou. Ele estava ali, como uma estátua viva, de braços cruzados, as costas levemente curvadas pelo peso da idade e da sabedoria. Seus longos cabelos brancos e a barba espessa balançavam suavemente com a brisa que cortava as árvores ao redor. Seus olhos, de um tom castanho e profundo, me analisavam com atenção.
— Sim — respondeu, com a calma de quem já enfrentou mais do que qualquer jovem poderia imaginar. — No momento, não posso afirmar com certeza. Sua magia é… peculiar.
— Sua mana possui uma coloração incomum. Dourado com nuances esverdeadas… não é algo que eu veja com frequência. Isso por si só já indica que sua magia não se encaixa nos moldes tradicionais. Pode ser defensiva, ofensiva… ou talvez, as duas coisas ao mesmo tempo.
Dei um passo para trás, confuso. Aquilo não fazia sentido pra mim. Eu precisava de respostas, de direção. Não de possibilidades vagas.
Kael, percebendo minha inquietação, continuou:
— Sei que é difícil de aceitar. Mas existem pessoas com magia híbrida. Raras, é verdade, mas não impossíveis. Magia que cura e protege, e ao mesmo tempo pode atacar com força letal. — Ele fez uma pausa, olhando para o alto, como se pensasse em alguém. — Aiza, por exemplo. Ela é apenas uma criança, mas demonstra um talento promissor. Se continuar assim, no futuro poderá desenvolver ambos os lados da magia. Ainda está longe disso, claro… mas é o tipo de potencial que não se pode ignorar.
Ele voltou a me encarar, sério.
— No seu caso, você já demonstrou habilidade para cura e para criação de escudos. São indícios fortes de uma magia voltada ao suporte, à defesa. Mas… — seu olhar se estreitou — há uma instabilidade no fluxo da sua mana. Algo que pulsa, que reage de forma imprevisível. É isso que me faz pensar que talvez exista algo adormecido dentro de você. Um potencial ofensivo que ainda não se manifestou.
Eu travei a mandíbula, tentando engolir aquilo. As palavras dele me atingiam como um soco no estômago.
“Droga.”
Justo agora que eu acreditava estar no caminho certo, que minha magia poderia ser ofensiva — forte, direta, destrutiva — ele vem com esse papo de que eu sou mais do tipo que protege?
Eu não queria ser um escudo. Eu queria ser a lâmina.
Minhas mãos tremeram por um momento, mas fechei os punhos com força. A raiva, misturada com a frustração, me queimava por dentro. Não… não podia aceitar isso tão facilmente.
— Certo então, Kael… — falei, firme, encarando-o nos olhos. — Vamos descobrir o que eu sou de verdade. Se minha magia é ofensiva, defensiva ou os dois. Eu não vou recuar.
Ergui a mão direita e bati com o dedo no centro do meu peito, sentindo a mana vibrar levemente sob a pele, como uma resposta silenciosa ao meu desafio.
— Pode apostar. Eu vou com tudo nessa.
Kael sorriu, quase imperceptivelmente, como se estivesse esperando por aquela atitude. Ele assentiu devagar, e seus olhos brilharam por um instante.
— É isso que eu queria ouvir.
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