Capítulo 3: Novo Mundo
A carruagem avançava lentamente pela estrada de terra, o som rítmico das rodas ecoando como um tambor solitário no silêncio que nos envolvia. Eu estava deitado no colo de minha tia Ayesha, meu corpo pequeno acomodado em seus braços firmes, mas gentis. O balanço suave da carruagem me embalava, quase como se tentasse acalmar a inquietação que crescia dentro de mim. Olhei para o rosto de Ayesha, contemplando cada detalhe como se fosse uma obra de arte. Seus traços eram delicados, quase etéreos, e seus olhos brilhavam com uma serenidade que parecia desafiar o caos do mundo exterior. Era como se ela carregasse consigo uma luz própria, capaz de iluminar até os cantos mais sombrios da minha mente.
Conhecia minha tia há pouco tempo, mas já sentia uma conexão profunda com ela. Sua presença era reconfortante, como um porto seguro em meio a uma tempestade. Com ela ao meu lado, eu me sentia protegido, como se nada de ruim pudesse nos alcançar. Pensei em Aiza, que agora fazia parte da nossa família. Ela finalmente teria uma vida tranquila, longe do sofrimento que a perseguia. A ideia de que estávamos todos juntos, seguros, me enchia de uma esperança que eu mal conseguia expressar.
Mas então…
CRACK!
Um estalo agudo cortou o ar, seguido por um ranger ensurdecedor de madeira e metal. A carruagem sacudiu violentamente, e senti meu corpo ser arremessado para a frente, quase saindo do colo de Ayesha. Meu coração disparou, e o pânico tomou conta de mim antes mesmo que eu pudesse entender o que estava acontecendo.
— O que está acontecendo?! — a voz do cocheiro ecoou, alta e desesperada. — Parem! PAREM!
Os cavalos relincharam em pânico, e a carruagem, antes movendo-se suavemente, desacelerou de forma brusca, fazendo com que meu estômago embrulhasse. O som das rodas arrastando no solo era estridente, como unhas raspando uma lousa, e cada segundo parecia aumentar a sensação de terror que se instalava em mim.
De repente, uma voz fria e impessoal veio de fora:
— Matem os guardas rápido, enquanto eu abro a carruagem.
Meu sangue gelou. Não… isso não pode estar acontecendo. O pânico subiu à minha garganta, sufocando qualquer pensamento coerente. Eu não podia morrer. Não agora. Tive uma segunda chance, um novo começo. Ganhei uma família, uma vida de possibilidades. Por favor, alguém me salve… não pode acabar assim.
Gritos de agonia atravessaram o silêncio:
— Aaaaaaaaaaaah!
— Não! NÃO! Aaaaaaah!
— Protejam a princesa! A qualquer custo…
— Esses eram os guardas da princesa? — uma voz zombeteira ecoou. — Que patético. Abra a carruagem, chefe.
Meu corpo inteiro tremia. O coração batia tão forte que eu mal conseguia respirar. O suor frio escorria pela minha testa, e as lágrimas rolavam pelo meu rosto sem que eu pudesse contê-las. Olhei para Aiza, que estava encolhida no banco ao lado, suas mãos pequenas cobrindo o rosto enquanto chorava. Seus ombros sacudiam com cada soluço, e sua voz saía em murmúrios entrecortados.
— Você prometeu… — ela sussurrou, a voz carregada de desespero. — Disse que me protegeria, que me daria uma nova casa, uma nova família… e agora… agora vou perder tudo de novo.
O desespero em sua voz partia meu coração. Eu não podia fazer nada… nada.
Nesse momento, minha tia Ayesha, que até então estava em silêncio, estendeu a mão e tocou o ombro de Aiza com gentileza. Sua voz saiu firme, mas suave, cheia de uma calma imperturbável.
— Não chore, querida. Eu vou proteger vocês dois. Eu prometo. Segure o Lucas para mim, só por um instante.
Aiza olhou para ela, os olhos ainda úmidos, mas assentiu com a cabeça, embora parecesse duvidar. Ela me pegou no colo, tremendo. Mas a confiança no olhar de minha tia me deixou confuso. Como ela poderia nos proteger? Se nem os guardas conseguiram…
A porta da carruagem começou a se abrir, lentamente, e o som das dobradiças parecia anunciar nosso fim. Meu coração batia descontroladamente, meu corpo inteiro tremia. Fechei meus olhos, rezando por um milagre, esperando que, de alguma forma, fôssemos salvos.
De repente, ouvi um som estranho. Ploc. Ploc. Como gotas de água caindo ao redor. E então, um estrondo, seguido pelo som de algo pesado caindo no chão. Hesitante, abri meus olhos.
O que vi foi surreal.
Ao redor de minha tia, pequenas esferas de água flutuavam no ar, cintilando como diamantes sob a luz pálida do sol. Elas dançavam, circulando ao redor de Ayesha de maneira graciosa e controlada.
Minha tia… tem poderes?
Antes que eu pudesse compreender o que estava acontecendo, os gritos do lado de fora começaram novamente, mas desta vez eram de confusão e dor:
— Aaaaaah!
— O que está acontecendo?!
— Socorro!
Então o som de corpos caindo no chão molhado começou a ecoar ao redor da carruagem. Um por um, os agressores tombavam.
Minha tia suspirou, o ar escapando lentamente de seus lábios, e então sussurrou para si mesma:
— Foi mais fácil do que eu esperava.
Ela me pegou novamente nos braços e saiu da carruagem. O que vi lá fora era aterrorizante: corpos, encharcados pela chuva que caía suavemente, espalhados pela estrada. Todos aqueles homens que nos atacaram, agora deitados, imóveis.
Mas minha tia não parecia satisfeita. Ela caminhou até um homem, ainda vivo, deitado no chão, seu corpo tremendo. Sua expressão era de incredulidade.
— Levante-se. Você não morreu. Usei minha magia para proteger sua vida. — A voz de minha tia era calma, mas carregada de tristeza.
— Eu estou… vivo? — o homem murmurou, sua voz embargada pela surpresa. — Como você… fez isso, minha senhora?
— Senti sua mana e cobri você com a minha. Agora, levante-se. Você vai dirigir a carruagem. — Ayesha olhou ao redor, observando os outros corpos no chão, o peso do momento claramente estampado em seus olhos.
Ela se aproximou do homem que havia matado o pai de Aiza. Seu corpo estava jogado no chão, sem vida. Mesmo com a dor que aquilo causava, minha tia murmurou baixinho:
— Que você descanse em paz. Não devemos carregar rancor.
Com um gesto delicado, a terra ao redor começou a se mover, cobrindo os corpos dos guardas caídos. Em cada túmulo improvisado, uma folha verde brotava suavemente, como um tributo silencioso àqueles que partiram.
Minha tia, sempre tão bondosa, chorava baixinho. Ela pediu desculpas a mim e a Aiza por termos testemunhado aquilo. Seu coração era gentil demais para a violência daquele dia.
Quando finalmente chegamos em casa, minha mãe estava apavorada. Seus olhos estavam arregalados enquanto ouvia o que havia acontecido. Ela olhou para Aiza, que ainda tremia, e minha tia disse, com firmeza:
— Aiza não pode ir para o castelo. Ela é plebeia, e seria perigoso. Ela ficará com vocês nessa mansão.
Minha mãe, sem hesitar, assentiu, seu rosto suavizando ao olhar para Aiza.
— É claro, querida. Ela é bem-vinda aqui.
E com isso, Aiza foi tomar um banho, ainda em choque.
Ainda estou tremendo. O que aconteceu naquela estrada… foi horrível. Os gritos, o som dos corpos caindo no chão, o cheiro de sangue misturado com a terra molhada pela chuva… Tudo isso está gravado na minha mente, como uma imagem que não consigo apagar. Mesmo sendo tão novo, mesmo com meu corpo frágil de bebê, eu senti cada detalhe daquela cena. O medo, a confusão, a sensação de impotência… Tudo foi avassalador.
Meu coração ainda bate acelerado só de lembrar. A cada vez que fecho os olhos, vejo os corpos caídos, o sangue escorrendo, os rostos dos homens que nos atacaram… E minha tia, com aquelas esferas de água flutuando ao seu redor, tão calma, tão controlada, mas com uma tristeza profunda em seus olhos. Ela nos salvou, mas eu vi o preço que ela pagou por isso. A dor que ela carregava, mesmo enquanto nos protegia.
Aiza também estava em choque. Ela chorava, tremia, e eu não podia fazer nada para confortá-la. Eu queria dizer algo, queria ajudá-la, mas meu corpo pequeno e frágil não me permitia. Só conseguia ficar ali, observando, sentindo o peso daquela situação.
Agora, em casa, tudo parece mais calmo, mas a memória daquela cena ainda me assombra. Quando fecho os olhos, vejo tudo de novo, como se estivesse revivendo cada momento. O som dos gritos, o cheiro de sangue, a expressão de dor nos rostos daqueles homens… Tudo está lá, preso na minha mente.
Minha tia nos protegeu, mas eu não consigo parar de pensar no que aconteceu. Como ela fez aquilo? O que são esses poderes que ela tem? E o que mais está por vir? Este mundo é muito mais perigoso do que eu imaginava, e eu mal comecei a viver nele.
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