Capítulo 31 — Entre o Céu e o silêncio
Já se passou um mês desde tudo aquilo… Um mês que pareceu uma eternidade. Muita coisa aconteceu nesse tempo. Algumas boas, outras nem tanto. Mas cada dia serviu pra me lembrar de que eu não sou mais o mesmo — e nem posso mais ser.
Uma das coisas boas foi finalmente conseguir usar magia com mais facilidade. Antes, parecia impossível. Cada feitiço me deixava exausto, às vezes até inconsciente. Mas, graças ao treinamento insano com o Kael, isso mudou. Não foi fácil. Teve dor. Muito suor. Quedas. E, às vezes, a sensação de que eu ia morrer. Mas eu aguentei.
Kael me ensinou a controlar a mana do meu corpo. Mais do que isso: a armazená-la. Isso fez toda a diferença. Antes, meu corpo até puxava mana do ambiente sozinho, mas era um processo tão lento que mal fazia efeito. Eu achava que absorvia no máximo 1% da mana ao redor — como qualquer pessoa comum.
Mas Kael percebeu algo estranho.
Ele me observava com aqueles olhos sérios e atentos, e depois de alguns testes e treinos, disse com convicção que meu corpo puxava mais mana do que o normal. Estimou algo como 10%. Dez vezes mais do que o esperado. Disse que isso era raro. Quase impossível.
Ele me olhou como se eu fosse especial. Como se houvesse algo em mim que ninguém mais tinha.
Mas eu sabia a verdade.
Não sou especial. Não sou gênio, prodígio, nem escolhido dos deuses. A única razão de eu conseguir isso tudo… é porque Galvata me deu parte da mana dela. Só isso. Foi essa energia poderosa e diferente que mudou meu corpo, forçando ele a absorver mais mana do ambiente. Não tem segredo. Não tem milagre. É só um empréstimo.
Kael não sabe disso. E eu não pretendo contar. Que ele continue achando que eu sou um caso raro da magia. Melhor assim. Eu mesmo prefiro acreditar nisso às vezes. Pensar que tem algo em mim que vale alguma coisa. Mas no fundo… eu sei. Eu sou só um cara comum que teve sorte — ou azar — de cruzar o caminho de uma bruxa que, até hoje, eu nem sei se é confiável. Ela me ajudou… então talvez eu possa confiar nela. Talvez.
Mas nem tudo foi avanço nesse último mês.
Uma das piores coisas foi descobrir que aquele feitiço de ataque que usei antes… era magia negra. Kael me disse isso com um olhar pesado, quase com medo do que aquilo significava. Ele foi claro:
“Esse tipo de magia não só corrompe… ela toma. Vai te tirar tudo que você é.”
Essas palavras me assustaram mais do que qualquer monstro que já enfrentei. Por um instante, eu me vi perdendo o controle, virando algo que eu não reconheceria. Então jurei a ele — e a mim mesmo — que não usaria aquilo de novo. E cumpri essa promessa até agora.
Desde então, só uso magia de defesa: escudos, curas, reforços. Confesso que não gosto muito. É como se eu estivesse sempre protegendo, nunca atacando. Como se fosse só o suporte. Mas, em compensação, estou me dedicando como nunca à arte da espada com Kael. E isso… isso sim me faz sentir vivo. Cada golpe, cada bloqueio, cada corte me mostra que estou ficando mais forte. Que estou evoluindo.
No começo, Aiza tentou treinar com a gente. Laila também. Mas não durou muito.
Aiza desistiu rápido. Não por preguiça, mas porque ela entendeu que seu talento estava na magia, não nas armas. E eu respeito isso. Ela é poderosa do jeito dela.
Laila, por outro lado, ainda está procurando seu lugar. A espada não é o forte dela, mas ela não desistiu. Está testando outras armas, buscando algo que funcione, que combine com seu jeito de lutar. Essa determinação dela… é admirável. Mesmo sem saber seu caminho, ela continua tentando.
Também começamos a enfrentar mais monstros nesse mês. Nenhum absurdo, mas o suficiente pra ganhar experiência real em combate. Isso tem nos ajudado a entender o campo de batalha, a trabalhar em equipe — e claro, a ganhar dinheiro. Estamos vendendo os corpos das criaturas na cidade e já conseguimos juntar 100 moedas de prata.
Antigamente, eu acharia isso uma piada. Na minha casa, um espelho simples custava uma moeda de ouro.Mais aprendi a valorizar cada moeda conquistada com esforço.
100 moedas de cobre = 1 prata
1000 pratas = 1 ouro
10.000 ouros = 1 platina
A platina é a moeda mais valiosa. Algo equivalente a 1 bilhão de dólares no meu mundo antigo. Nem na minha casa luxuosa tinha algo que valesse isso. Talvez só nos castelos — como o da minha tia.
Às vezes penso nela. Me pergunto como ela está. Se ainda está tentando encontrar o desgraçado que matou meus pais. Quero acreditar que sim. Que ela não desistiu. Ela amava minha mãe… não é possível que tenha esquecido disso. Ela não é assim.
Parte de mim queria estar lá com ela. Ver como ela esta. Sentir que ainda tenho alguém da minha família. Mas outra parte… sabe que eu ainda não estou pronto.
Ainda sou fraco. Ainda tenho um longo caminho pela frente.
Mas, apesar disso, havia um desejo dentro de mim que eu não conseguia ignorar — por menor que fosse, por mais tolo que parecesse. Eu só queria ouvir a voz da minha tia Ayesha. Apenas isso.
Fechei os olhos por um instante, tentando lembrar da última vez em que a vi. Do tom firme, mas gentil da sua voz. Do jeito como ela passava segurança mesmo nas situações mais difíceis. Só que junto dessa lembrança, vinha também um gosto amargo — a sensação de que, mesmo se eu a visse de novo, ela não olharia pra mim do mesmo jeito.
Ela sempre foi mais próxima da Aiza. Sempre tão carinhosa, protetora… quase como uma mãe de verdade. E bem, ela é mãe da Aiza, mesmo que adotiva. E a Aiza… ela é especial. Inteligente, poderosa, determinada. Desde pequena, ela sempre se destacou. Era difícil não perceber isso. Talvez seja por isso que minha tia sempre se dedicou tanto a ela.
E eu?
Eu era só o sobrinho. O menino que ela acolheu por compaixão. Nada além disso.
Eu entendo. Eu realmente entendo. Aiza merece toda a atenção do mundo. Mas mesmo assim… isso me irrita. Me machuca mais do que eu gostaria de admitir. Às vezes, é como se eu estivesse sempre em segundo plano, como se eu fosse invisível.
E aí, surgem outras perguntas que eu não consigo calar na mente. Por que ela nunca mandou ninguém procurar a gente? Será que ela sequer sabe que estamos vivos? Será que ela ainda pensa em nós?
Kael não mandou carta nenhuma a ela. E, pensando bem, seria burrice tentar. Ele não é um cavaleiro real, nem tem ligação com o castelo. Seria perigoso, talvez até suspeito. Ainda assim… parte de mim queria alguma ação, qualquer sinal de que ela está tentando. Alguma prova de que não fomos esquecidos.
Será que ela acha que morremos?
Ou pior… será que ela desistiu da gente?
Apenas pensar nisso me fez o peito apertar. Uma dor surda, abafada, difícil de explicar. Eu me recusei a aceitar essa possibilidade. Minha tia nos amava. Ela faria tudo por nós. Tudo.
Mesmo assim, esses pensamentos continuavam me corroendo por dentro. Frustração, saudade, mágoa — uma mistura sufocante que me fazia querer gritar para o céu. Mas tudo que eu consegui fazer foi encarar o horizonte, sentado num tronco de árvore, respirando fundo, tentando silenciar o caos na minha cabeça.
— Chega de pensar nessas coisas… — murmurei pra mim mesmo, cansado daquela sensação de abandono que insistia em me acompanhar.
E então, como se o mundo quisesse me puxar de volta à realidade, uma voz fina e animada me chamou com entusiasmo:
— Lucas! Vamos! O Kael já tá chamando a gente pra voltar a treinar! E depois vamos matar monstros de novo!
Era a Aiza. Cheia de energia como sempre, com aquele sorriso apressado e a expressão vibrante de quem mal pode esperar pela próxima aventura. Parecia que nada abatia aquela garota. Ou talvez… ela só escondesse muito bem os próprios medos.
— Já tô indo… — respondi baixinho, os olhos ainda presos no céu, como se ele pudesse me responder algo.
No fundo, eu sabia que não adiantava esperar respostas lá em cima.
Era aqui, no chão duro, que minha luta continuava.
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