Capítulo 46 – selo maldito
As árvores estalavam como ossos quebrando. A madeira rangia, o ar se tornava cada vez mais espesso. O som das folhas queimando soava como milhares de sussurros angustiados. Uma cortina de fumaça se erguia no horizonte, obscurecendo o céu. A floresta, outrora viva, pulsante, agora se tornava um túmulo flamejante.
No centro dessa devastação, estava Aiza.
Seus cabelos, flutuando como línguas de fogo, reluziam contra a escuridão crescente. Ela voava em círculos, girando o corpo com movimentos instintivos, selvagens. Cada movimento gerava uma rajada de calor. Seus olhos estavam arregalados, pulsando em vermelho, perdendo lentamente a razão. A cada esfera de fogo lançada, um novo pedaço da floresta ardia.
Mas ela não via isso. Não via as flores morrendo, os troncos caindo, os pássaros queimando no céu. Ela só via Kael, ferido, caído, sangrando.
Ela queria proteger.
Mas estava destruindo tudo.
Kael estava no chão.
As correntes de Lillix envolviam seu corpo com brutalidade, cravadas em seus braços e pernas como serpentes famintas. Ele estava imobilizado, preso ao solo ao meu lado, sem forças nem liberdade. Os elos se apertavam cada vez que ele tentava se mexer, e o som do metal contra carne era como pequenas punições pelo ato de resistir.
Seu olhar encontrou Aiza no ar, envolta em chamas que não conseguia mais controlar. Os olhos dele se arregalaram, medo, angústia, desespero.
Mas ele não deixaria que fosse a última.
— AIZA, CORREEEEEE!!! — Kael rugiu, sua voz rasgando a garganta e sacudindo o ar como um trovão impiedoso. — VOCÊ NÃO PODE ENFRENTÁ-LOS! ELES NÃO SÃO ADVERSÁRIOS COMUNS! VOCÊ VAI MORRER!
Ele não gritava por coragem. Gritava por pavor. Por amor.
Mas Aiza… já estava cega.
— Ahahahaha… mais uma pra minha coleção. — disse Lillix, com a língua escorrendo por seus lábios como uma serpente. — O dia não podia ficar melhor…
Seus olhos brilhavam, refletindo o caos em volta como se cada chamas fosse uma joia. Ela girava as correntes nos dedos com o entusiasmo de uma criança recebendo um presente. Não havia pressa. Só prazer.
Enquanto isso, dentro de mim, meu coração martelava contra meu peito como um tambor de guerra.
Ela foi a primeira a me estender a mão…
A primeira a me olhar sem medo…”
Minha amiga. Minha irmã de alma.”l
E agora está prestes a morrer… por minha causa…
O vento sacudia seus cabelos brancos como a neve, mais preto sujo pela fumaça.
Kurogami, imóvel como uma montanha, recebia todas as esferas de fogo no peito. Os impactos o faziam balançar levemente, mas ele não se defendia. Nem reagia. Apenas observava Aiza com uma frieza absoluta.
A cada ataque que ela lançava, ele apenas piscava.
E então, com a mesma calma de quem comenta o clima, disse:
— Não.
Lillix arqueou a sobrancelha, sem parar de brincar com suas correntes.
— Não o quê, grandalhão?
— Não vou atacar uma criança fora do contrato. — respondeu ele, a voz tão firme quanto granito. — Só estou aqui por dois nomes: a garota dos cabelos vermelhos… e o assassino do filho do chefe.
Ele então se sentou, cruzando as pernas no chão em meio às brasas.
— Se quiser matá-la, faça. Mas não conte comigo.
— Você não sabe se divertir mesmo, né… — resmungou Lillix, decepcionada. — Aff, deixa comigo então.
Ela esticou o braço, e com um estalo metálico, lançou uma corrente negra contra Aiza.
O som era como o de uma lâmina cortando o ar, misturado com gritos abafados, como se almas estivessem presas dentro do metal. Aiza desviou no último segundo, girando no ar, mas a corrente a perseguiu como um predador, flexível, viva.
Ela tentou revidar. Conjurou uma onda de chamas tão intensa que o ar ao redor explodiu.
Mas a corrente… não sofreu nada.
Nem calor. Nem impacto.
Ela continuou vindo, girando no ar, faminta.
— Por que não queima?! — gritou Aiza, a voz tremendo.
— Minhas correntes não são feitas de ferro, querida… — respondeu Lillix com um sussurro diabólico. — São forjadas com dor. Com ódio. Com alma. E você… você está cheia disso.
Dezenas de correntes surgiram.
Uma, duas, cinco, quinze.
Elas preenchiam o céu, vindo de todas as direções. Aiza se esquivava, se virava, rodava no ar, mas o espaço se estreitava. Estava cercada. Não havia mais onde fugir.
— AIZA!!! — gritou Kael com tanta força que a floresta tremeu.
As árvores vibraram. A terra estremeceu. Até as correntes hesitaram no ar.
— EU… JU…REI… NUNCA MAIS USAR ISSO!! — seus olhos ardiam. — NUNCA MAIS! DEPOIS DO QUE ACONTECEU NAQUELE DIA!
Lillix parou, agora curiosa. Kurogami abriu os olhos.
— Opa… parece que o vovô vai falar algo… — disse Lillix, lambendo os dentes. — velho, estou até arrepiada.
— Vocês realmente não perceberam…? — Kael ergueu a cabeça lentamente, a sombra das chamas projetando metade de seu rosto em trevas. — Até agora, não usei magia. Só a lâmina. Só instinto. Só reforço corporal com mana… Nada além disso.
Ele pausou. O olhar dele agora ardia — os olhos não eram apenas vermelhos, eram como carvões em brasa, pulsando com ódio antigo e contido.
— E sabe por quê…?
— Porque se eu liberar minha magia… não vai sobrar absolutamente nada.
Desde que conheço Kael…
Nunca o vi conjurar um único feitiço…
Ele só nos ensinava… mas nunca mostrava.
Aiza, mesmo cercada pelas correntes, sentia que o ar estava diferente. Mais pesado. Mais denso. O calor do fogo parecia insignificante perto do que começava a emanar do corpo de Kael.
— A magia dele… — ela sussurrou. — Não… é magia comum. Isso é… outra coisa.
— Tá dizendo que só agora vai usar magia, velhote? — Lillix tentou manter o tom de deboche. Mas sua voz vacilava.
— Achei que era fraca demais pra mostrar! HAHAHA!
Mas Kurogami… se endireitou. O machado gigante foi erguido com as duas mãos.
— Cala a boca, Lillix. — sua voz foi como o bater de um sino fúnebre. — estava só esperando esse momento. O selo… está abrindo.
— Impressionante você ter percebido o selo… mesmo sem sentir mana. — disse Kael, virando o rosto na direção de Kurogami, com um meio sorriso tenso nos lábios partidos.
O chão sob nossos corpos começou a tremer. Não como antes, com pequenos abalos… mas como se algo antigo estivesse despertando debaixo da terra. As pedras ao redor se erguiam lentamente, flutuando no ar como se a gravidade estivesse sendo distorcida. O ar ficou denso, pesado, vibrante.
Eu não sabia o que estava acontecendo.
Mas sentia que o mundo… estava prestes a mudar.
Kurogami ajeitou seu machado sobre os ombros, os olhos fixos em Kael, agora com seriedade total. Ele sorriu, quase empolgado.
— Se prepara… — disse ele, firmando os pés no solo, os músculos pulsando — Vai começar.
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