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    Kael começou a me encarar. Seus olhos mergulhavam fundo nos meus, como se procurassem algo escondido lá dentro. Aqueles olhos… não refletiam raiva, nem piedade, apenas dor e cansaço. Era como se ele estivesse farto do mundo, da existência.

    Tudo que flutuava ao seu redor, pedras, folhas, poeira, começou a perder o movimento. Uma a uma, as coisas caíram no chão com um som seco.
    Então, veio o silêncio. Um silêncio absoluto.

    Ninguém ousou falar. Ninguém se mexeu.


    Kael abriu a boca.

    Mas o que saiu de seus lábios não era um idioma conhecido. Suas palavras soaram como um sussurro das profundezas.

    — Xalhylah… — murmurou, com a voz rouca e distante.

    Eu estremeci. Os outros também.
    Os rostos de todos se contorceram em puro pavor, como se aquelas palavras tocassem algo além da compreensão humana.

    Mas eu… eu não sentia o mesmo. Talvez por não ter despertado minha mana. Talvez por estar… à margem de tudo isso.

    Kael continuava a falar. Sem parar. Como se fosse um canto antigo e proibido.

    — Ayhxkhsl…
    — Ahuzljs…
    — Xyaya…
    — Aylxljaa…

    Foram suas últimas palavras. E então… silêncio novamente.


    Kael, ainda preso pelas correntes de Lillix, me encarava. Mas seus olhos estavam vazios agora. Não havia alma neles. Nenhuma emoção. Nenhuma memória.
    Era como se… o verdadeiro Kael tivesse desaparecido.
    O que restava ali era apenas uma casca.

    Foi então que aconteceu.

    Uma sombra começou a crescer sobre o lado esquerdo de seu corpo. Uma escuridão viva, densa, que se movia como chamas negras. Mas era mais do que isso. Aquilo não refletia a luz. Ela a devorava.

    As correntes que antes se apertavam contra nós com força sobrenatural… começaram a afrouxar.

    E então…

    A escuridão que crescia sobre Kael se espalhou. Ela tocou as correntes. E num instante, as devorou.

    Não se quebraram. Não estalaram. Apenas… desapareceram, consumidas por completo.
    Como se nunca tivessem existido.


    Kael se levantou. Como se nada tivesse acontecido.
    Bateu com a mão no ombro, limpando a poeira, como se aquilo fosse só mais um dia comum.
    Metade de seu corpo estava tomada pela escuridão viva. A outra metade, ainda humana.

    Seus olhos, antes tão profundos, agora eram apenas dois poços sem fundo, vazios de qualquer emoção.

    Ele me olhou por um breve momento, ali no chão. Mas parecia não me ver.
    Era como se eu já não existisse mais em sua realidade.

    Então ele desviou o olhar.


    Kurogami e Lillix estavam imóveis, os olhos arregalados.
    O silêncio entre eles pesava mais que qualquer grito.

    — O… o que é isso…? — murmurou Lillix, sem ironia, sem deboche. Pela primeira vez, sua voz trazia apenas uma coisa: medo.
    — Sua aura… sua mana… estão em um nível completamente diferente…


    Foi Kurogami quem quebrou o silêncio.

    Mesmo com a expressão endurecida, os olhos revelavam espanto. E… respeito.

    — Não se assuste, Lillix… — disse ele, com a voz firme, embora seu corpo tremesse. — Mas sim… sinta-se honrada de lutar contra Kael Varonis, e sua magia sombria…

    Ele fez uma breve pausa.

    — …Void.

    A palavra cortou o ar como uma lâmina.

    — Achou que eu não sabia, Kael? — continuou Kurogami. — Sobre o Void… o Vazio. As lendas falam bem sobre o último da Corte Real… A última Lança de Frewer. Aquele que carregava o fardo do nome que silencia reinos. O portador da magia que consome o mundo.

    Seu tom agora era quase solene.

    — Dizem que essa magia derrotava exércitos inteiros…
    Que sua escuridão era capaz de absorver tudo o que tocava.
    Alguns dizem que… era tão poderosa que podia até apagar o próprio sol.

    Kurogami deu um passo atrás, o rosto coberto por suor frio.

    — E agora… o Void voltou.


    — Chega, Kurogami! Vamos matá-lo logo… ele é perigoso demais para continuar existindo! — gritou Lillix, com os olhos cheios de raiva e medo.

    Sem esperar resposta, Lillix lançou várias correntes na direção de Kael. Eram afiadas, rápidas, mortais.
    Mas Kael… não se mexeu.

    Com total calma, ergueu a mão esquerda e, como se desenhasse um símbolo invisível no ar, uma parede de escuridão absoluta surgiu à sua frente um portal negro, girando lentamente como um buraco que sugava tudo.

    As correntes foram engolidas sem resistência, como se nunca tivessem existido.

    Lillix abriu a boca, surpresa.

    —As correntes não voltaram.
    Não se multiplicaram. Não explodiram.
    Simplesmente foram absorvidas. Apagadas da existência—


    Kurogami, por outro lado, não hesitou.

    Avançou como um animal selvagem, sentindo o cheiro da presa. Seus músculos se tensionaram, e com um grito furioso ele ergueu o machado gigantesco, pronto para esmagar Kael.

    Mas Kael se moveu, não para atacar, mas para me proteger.

    Com a mão direita, me agarrou pela cintura e, num único movimento, me lançou para longe do campo de batalha.

    Caí alguns metros distante, rolando no chão.
    Não me machuquei, ele calculou a força com perfeição.

    Olhei para Kael.

    Aquele não era o mesmo homem de antes. Algo nele havia mudado.


    Kael então se abaixou, e pegou sua espada do chão.
    Mas desta vez, usou a mão esquerda.

    Sempre empunhava com a direita antes… mas agora, algo era diferente. Como se o lado da escuridão tivesse assumido o controle.

    Ele ergueu a espada lentamente e, ao envolvê-la com sua escuridão, a lâmina começou a se mover como chamas negras, vivas, intensas, quase como se gritassem.

    Sem aviso, Kael girou o corpo e desferiu um corte no ar, mirando Lillix.

    De sua espada, saiu um corte de pura escuridão, uma fenda que rasgava o espaço, indo em linha reta na direção dela como um raio negro.

    Lillix arregalou os olhos. A distância era grande, talvez desse para desviar. Mas ela queria testar…

    Criou um escudo de correntes diante de si, acreditando que aguentaria.

    Mas foi um erro.

    O corte negro atravessou o escudo com facilidade absurda. As correntes se desfizeram como papel diante de uma lâmina sombria.
    E o golpe atingiu Lillix em cheio.

    Um rasgo imenso se abriu do peito até o abdômen. Sangue jorrou, o grito veio logo depois.

    — AAAAAAH!! MERDA!! — ela caiu de joelhos, ofegante, com o rosto contorcido de dor.
    — Essa… essa doeu de verdade… Mas ainda estou viva. Eu achei que isso ia me matar, ahahah…!

    Tentava rir, mas seu corpo tremia. O golpe não havia sido profundo o suficiente para matá-la, mas quase.


    E Kael… continuava parado.

    Sua expressão era vazia, fria, sem emoção. Como se o próprio Kael tivesse desaparecido e só restasse uma sombra no lugar.

    Mas algo ainda pesava em mim.
    Ele me protegeu.

    Mesmo diferente, mesmo com todo o poder sombrio correndo por seu corpo, ele me tirou do caminho da luta.

    Talvez… só talvez… uma parte do velho Kael ainda esteja ali.

    Mas, mesmo com todo esse poder…
    Eu não acho que essa luta será fácil.

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