Capítulo 49 – Sorte vs Trevas

— Chega de papo. Cansei de você, garoto — disse Kael, firme, a voz carregada de raiva.
Seus olhos, ainda rubros como carvões em brasa, fixavam o estranho com um misto de desprezo e cautela.
— Já te disse, né? Hoje é meu dia de sorte… — respondeu o homem do chapéu de mágico, girando uma moeda no ar como se não estivesse diante de uma ameaça. — Mas será que é o seu?
Kael não respondeu.
A aura escura ao seu redor pulsou como um coração maligno.
E então ele avançou.
A investida de Kael foi brutal. Sua figura se tornou um borrão negro cortando o ar, e sua espada, envolta em escuridão pulsante, vibrava como se ansiasse por sangue. Cada passo deixava rachaduras no solo, e a pressão no ar aumentava com sua aproximação.
Mas o homem… permaneceu parado.
Calmo. Tranquilo. Com um sorriso despreocupado no rosto.
— Você vai escorregar… cair de cara no chão… e errar o ataque — disse ele, em tom casual, como se estivesse comentando o clima.
Imediatamente, os três dados que flutuavam ao seu redor começaram a girar no ar. Eles dançavam como estrelas distorcidas, traçando rastros rosados enquanto giravam em torno de si mesmos.
Em seguida, caíram no chão com leve impacto.
Poeira subiu.
O homem observou os resultados e esboçou um sorrisinho torto.
Kael, sem nem perceber, pisou em um ponto levemente instável do solo… e seu pé escorregou. Seu corpo tombou desajeitado, a espada passou longe do alvo e ele caiu com o rosto no chão, os braços abertos, como um boneco de pano.
O silêncio foi cortado por uma risada alta e divertida.
— Hahaha! Isso foi… hilário! — disse o homem, aplaudindo com sarcasmo. — A lenda… caiu feito um bêbado em dia de festa. Eu devia anotar isso. —
Kael estava no chão, mas sua raiva não.
Sem dizer nada, a escuridão em seu corpo se ergueu com fúria, explodindo do solo em uma onda negra. O chão ao redor dele tremeu, rachou, e tentáculos sombrios tentaram agarrar o homem no mesmo instante.
O mágico, no entanto, saltou para trás com agilidade impressionante, segurando o chapéu com uma das mãos para não deixá-lo voar. Seus pés tocaram o chão suavemente, como se dançassem no ar. Os dados o seguiram, flutuando novamente ao redor de sua cabeça.
Kael se ergueu lentamente.
Seu rosto estava sujo de terra. O olhar, agora, era frio. Mortal.
E sem perder tempo, avançou outra vez.
— Vai errar todos os seus ataques — disse o homem, com tom calmo, quase entediado, como se narrasse o inevitável.
Os dados começaram a girar no ar outra vez, soltando pequenos estalos de energia enquanto rodopiavam, como se rissem junto dele.
Kael, furioso, desferiu uma sequência de golpes.
O primeiro corte passou perto do pescoço do mágico. O segundo visou o peito. O terceiro, uma estocada precisa.
Mas o homem… desviava de todos.
Como se já soubesse onde cada golpe cairia.
Como se estivesse dançando.
Sete golpes. Sete tentativas de matar.
Sete fracassos.
O homem girava o corpo, dava passos leves para trás, se inclinava, abaixava, como se estivesse dançando uma valsa com a própria morte, e a morte estivesse perdendo.
— Isso tá ficando repetitivo… — zombou ele, girando no ar e aterrissando suavemente a poucos metros de distância.
Kael não recuou.
A escuridão se retorceu ao seu redor e formou uma massa disforme, que se moldou como tentáculos de fumaça. Eles avançaram com velocidade brutal em direção ao mágico.
Mas dessa vez, o sorriso do homem sumiu.
O ar mudou.
Com um movimento veloz, ele deu um mortal para trás, e no giro final, desferiu um chute certeiro no rosto de Kael. O impacto ecoou, fazendo Kael recuar dois passos antes de se recompor.
Kael rosnou, o sangue escorrendo da boca.
Sua raiva agora era um manto negro pulsando ao redor do corpo. Sem perder tempo, lançou uma rajada de cortes de escuridão contra o inimigo.
O homem recuou, olhos atentos, ainda rindo.
— Quer ver eu desviar de tudo… e ainda acertar um soco em si mesmo — disse ele, zombando.
Os dados giraram mais uma vez, com um brilho mais intenso do que antes.
Mas no meio dos ataques, um dos cortes de Kael acertou em cheio um dos dados.
O impacto não causou som. Apenas… consumiu.
O dado desapareceu, como se tivesse sido apagado da existência.
O mágico congelou por um instante.
Olhou para a mão como se estivesse incomodado com algo invisível.
Seu sorriso desapareceu.
Os dois dados restantes caíram no chão, rolando em silêncio.
— …Droga. — disse ele, com a voz seca.
Kael, agora mais calmo, observava a mudança com atenção.
— Parece que o jogo não gira só pra você — disse ele, erguendo a espada mais uma vez. — Você pode prever o futuro… mas eu posso destruí-lo.
Os olhos do homem brilharam, e por um momento, algo diferente surgiu atrás do sorriso sarcástico: medo real.
Mas foi só por um instante.
Logo ele estalou os dedos, e os dois dados restantes voltaram a flutuar ao seu redor.
— Vamos ver… quanto tempo você aguenta com o destino contra você, velhote.
O homem estalou os dedos mais uma vez.
Os dois dados restantes flutuaram lentamente no ar, viajando até Kurogami, que continuava sentado mais à frente, observando em silêncio. Os dados pararam bem ao lado de sua cabeça, pairando como se esperassem por algo.
— Vai proteger meus dados agora grandalhão — disse o homem com um olhar entediado. — Tsc… nesse caso, não vou mais pegar leve com você.
Kael, em silêncio, manteve o olhar fixo no inimigo. Sua expressão estava mais firme agora. Não havia raiva. Apenas foco.
Uma escuridão mais densa começou a se acumular ao redor dele, como se respondesse ao seu silêncio.
— Kael, você devia ter percebido, mas… já que não notou, vamos ver se a sorte ainda brilha pra você, hahaha! — zombou o homem, girando a moeda com os dedos, com aquele sorriso cínico.
Kael o ignorou.
Em vez disso, olhou para cima.
Seus olhos encontraram Aiza, que flutuava no alto desde o começo da luta, observando tudo com o rosto tenso, os olhos arregalados. Ela estava em choque. Assustada. E com razão.
— Aiza… pega a Laila e saia daqui. Agora. — disse Kael, firme.
— Mas e você?! — gritou ela, com a voz trêmula.
— Não se preocupe comigo. Só… faça o que eu mandei. AGORA, AIZA!
O grito de Kael ecoou como uma ordem divina. Não havia tempo para hesitar.
Sem pensar, Aiza estendeu a mão em minha direção. Uma corrente de vento se formou ao meu redor, me envolvendo como um redemoinho suave. Meu corpo flutuou com força, rápido, enquanto o chão começava a desaparecer sob meus pés.
Eu olhei para baixo. Kael estava lá. Ainda lutando. Ainda firme.
Por favor… fique bem, Kael.
Por favor, deuses… se estão ouvindo, ajudem ele.
Ei, ei… — disse o homem, agora visivelmente irritado. — Quem disse que vocês podiam fugir assim? O prêmio de hoje é matar Kael e depois vocês duas. Não vou deixar escaparem. A magia dela vai enfraquecer… —
Antes que pudesse terminar a frase, Aiza lançou uma esfera de fogo na direção dele. As chamas explodiram no ar, fazendo o homem recuar por reflexo.
Kael aproveitou a brecha.
A escuridão se moldou ao seu redor, formando um braço gigantesco, que irrompeu do solo como uma entidade viva. O braço tentou agarrar o mágico de surpresa, quebrando o chão em sua ascensão.
O homem teve que saltar para longe, interrompendo seu encantamento. Seu olhar mudou. Ficou sério. Pela primeira vez… incomodado.
— Tsc… trapaceiros — murmurou ele.
Enquanto isso, nós estávamos cada vez mais longe.
A floresta se tornava pequena. As chamas, distantes. Mas o medo… o medo ainda queimava dentro de mim.
Kael ficou para trás.
E eu só podia torcer… para que a sorte também estivesse do lado dele.
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