Capítulo 9 – Perigo Constante
No instante em que aquelas palavras saíram da boca do velho, um calafrio percorreu minha espinha, como se uma corrente gelada tivesse se infiltrado em cada fibra do meu ser. O ar ao nosso redor parecia ter se tornado mais denso, mais pesado, como se a própria floresta estivesse sussurrando avisos de perigo. As sombras das árvores se alongaram, e o vento, que antes era apenas uma brisa suave, agora carregava um sussurro sombrio, quase como um lamento. Era como se o ambiente tivesse se transformado em um reflexo daquela situação: escuro, imprevisível e repleto de ameaças invisíveis.
Antes que eu pudesse sequer reagir, o velho surgiu atrás de mim com uma agilidade que desafiava sua aparência envelhecida. Sua mão, pesada e com calos , pousou sobre meu ombro com uma firmeza que me fez estremecer. Sua voz, fria e firme, ecoou em meus ouvidos como um trovão distante:
— É perigoso aqui, criança. Onde estão seus pais?
Engoli em seco, sentindo minha garganta secar e meu corpo travar diante daquela presença esmagadora. Seus olhos, profundos e penetrantes, pareciam enxergar além da minha fachada, como se estivessem vasculhando cada pensamento, cada medo que eu tentava esconder.
— E-eu… estou perdido… — respondi, minha voz tremendo contra minha vontade, traindo a coragem que eu tentava manter.
O velho me observou por um instante, como se estivesse analisando cada detalhe da minha expressão, cada movimento involuntário que eu fazia. Seu olhar era afiado, quase predatório, como o de um falcão prestes a mergulhar sobre sua presa. Finalmente, ele falou, sua voz carregada de uma seriedade que me fez sentir ainda mais pequeno:
— Entendo. Então é melhor você encontrá-los logo, porque este lugar está repleto de criaturas famintas. Como você viu, não há piedade nesta floresta.
Seus olhos não se desviaram dos meus, e eu senti o peso de suas palavras como se fossem uma sentença. A floresta, que antes parecia apenas um lugar assustador, agora se transformava em um campo de batalha onde a sobrevivência era a única lei. E eu, ali, era apenas um intruso, um alvo fácil para as feras que habitavam aquelas sombras.
— Posso perguntar algo, senhor? — arrisquei, tentando conter o medo que ameaçava tomar conta de mim.
— Claro, jovem. — Sua resposta foi curta, mas sua expressão permaneceu inalterada, como se ele já soubesse o que eu ia perguntar.
Respirei fundo, tentando organizar meus pensamentos antes de continuar:
— Quem é você? E… como conseguiu fazer aquilo com aquelas feras? Como pode ser tão forte?
O velho cruzou os braços, e por um momento, parecia que ele estava revivendo memórias distantes, como se cada palavra que eu pronunciava trouxesse à tona histórias que ele preferia manter enterradas. Ele soltou um leve suspiro, quase imperceptível, antes de responder:
— Eu sou Kael Varonis, um ex-cavaleiro do reino de Frewer. — Seus olhos encontraram os meus novamente, e por um momento, senti o peso de sua história apenas naquele olhar. — Matei aquelas criaturas usando magia e técnicas de combate com espada.
Ex-cavaleiro? Isso explicava aquela presença assustadora… Esse homem devia ter matado muitas pessoas e feras ao longo da vida para desenvolver uma aura tão opressora. Mas, ao mesmo tempo, aquele nível de força era exatamente o que eu precisava. Se ele poderia nos ajudar, talvez tivéssemos uma chance de sobreviver.
No entanto, antes que eu pudesse dizer algo, sua expressão se tornou fria, vazia, como se qualquer emoção tivesse se dissipado. Seus olhos me analisaram de uma forma que fez meu sangue gelar.
— Mas já que te respondi… — sua voz se tornou mais sombria — me diga… por que estava me espionando?
A pressão que senti foi como se a própria morte estivesse me encarando. Um único deslize e eu poderia ser apagado dali sem que ninguém jamais soubesse.
— E-eu ouvi os rugidos das feras… Então vim ver o que estava acontecendo. Quando cheguei, vi o senhor exterminando elas… — tentei explicar o mais rápido possível, sem vacilar.
O velho manteve seu olhar fixo em mim por mais alguns segundos antes de perguntar:
— E você está sozinho, garoto?
Minha mente trabalhou rápido. Não posso contar sobre Aiza… e se ele for perigoso? E se tentar fazer algo contra ela?
— Sim… estou sozinho.
Assim que soltei essas palavras, vi sua expressão mudar para algo semelhante à decepção.
— Você está mentindo.
Meu corpo ficou rígido.
— Posso sentir uma presença fraca não muito longe daqui… — Sua voz carregava uma certeza assustadora. — Vou perguntar só mais uma vez. Quem está com você?
A ameaça em seu tom era clara. Se eu tentasse mentir de novo, poderia ser meu fim.
Suspirei pesadamente e, sem escolha, confessei:
— É minha irmã adotiva… Ela está machucada, não consegue andar direito. A deixei descansando em uma caverna.
Kael me observou por mais alguns instantes antes de simplesmente se levantar e virar as costas, caminhando como se nada tivesse acontecido.
— Então vá embora.
Meus olhos se arregalaram.
— Espere! Você pode nos ajudar!
Ele parou, mas não se virou para mim.
— Não temos abrigo… e não conseguimos voltar para casa porque a porta de portal não está funcionando.
Dessa vez, ele me encarou com curiosidade.
— Que porta de portal?
— A que fica no meio da floresta.
Assim que mencionei isso, sua expressão mudou completamente. Seu olhar, antes indiferente, tornou-se profundamente pensativo, como se estivesse tentando encaixar uma peça de um quebra-cabeça perdido.
— Garoto… essa porta de portal nunca funcionou.
Senti um choque percorrer meu corpo.
— Isso não pode ser verdade! Eu vim parar aqui por ela!
Kael ficou em silêncio por um momento, mas seu olhar agora demonstrava algo diferente. Interesse. Como se tivesse acabado de descobrir algo valioso.
— Qual é o seu nome, garoto? — perguntou, sua expressão carregada de um misto de curiosidade e convicção.
— Meu nome… é Lucas. Mas por quê?
O velho não respondeu imediatamente. Em vez disso, esboçou um sorriso quase imperceptível e disse apenas:
— Me leve até sua irmã.
Seu tom agora era diferente. Como se ele tivesse acabado de confirmar algo que suspeitava.
Sem mais perguntas, começamos a caminhar até a caverna. O silêncio reinava entre nós, e Kael não pronunciou uma única palavra durante todo o trajeto. Eu não sabia se isso era bom ou ruim.
Quando finalmente chegamos à entrada da caverna, Kael parou abruptamente. Antes de entrarmos, ele se virou para mim e perguntou algo que me fez congelar.
— Antes de seguirmos… preciso saber uma coisa. Vocês são sobrinhos da princesa Ayesha?
Minha mente entrou em alerta máximo. Como ele sabe da minha tia?
Meu primeiro pensamento foi que ele poderia ser um sequestrador. Talvez estivesse planejando nos vender no mercado ilegal. Mas, ao mesmo tempo, seu tom não parecia ameaçador dessa vez.
Respirei fundo e o encarei.
— Por que quer saber?
Kael suspirou e, dessa vez, sua expressão parecia mais… tranquila.
— Apenas me responda. É muito importante.
Foi nesse momento que meu corpo começou a reagir de forma estranha. Minha visão ficou turva, e um peso esmagador tomou conta de mim.
— O quê…?
No segundo seguinte, tudo escureceu. O chão pareceu sumir sob meus pés.
E então, minha consciência desapareceu.
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