Ato 6 — Desmascarar — Capítulo 144
“A minha… avó?”, ele pensou.
Em meio àquele jardim impossível; flores celestes como fragmentos da lua e outras como o primeiro raio do sol, vivas como uma floresta respirando em silêncio. Kevyn despertou para um lugar que não deveria existir, mas era seu.
O ar parecia suspenso, o tempo estagnado, e a beleza ao redor era tamanha que beirava não só o irreal, mas o imaginário. Mesmo naquele paraíso etéreo, o príncipe tremeu.
“Assim como falaram tantas vezes, ela é tão…”.
Seus olhos se arregalaram, e em um gesto lento e infantil, ele inclinou a cabeça para baixo e levou ambas as mãos ao rosto. Mais precisamente, ao seu olho esquerdo; como se ali, naquele ponto exato… algo gritasse, queimasse ou pesasse mais do que podia suportar.
O silêncio de seu mundo ficou mais espesso.
Vendo-o assim, tão quebrado dentro de uma beleza tão perfeita, Kairós se levantou.
Seu corpo se moveu com a leveza de uma lembrança, e ela caminhou até ele; sem pressa, sem hesitação. E quando o alcançou, como quem cuida de um filho, o abraçou.
Mas com a dor de quem carrega a eternidade nos ombros, ela falou; porque se não fizesse, o mundo, este tão lindo, colapsaria:
— Eu sei… nós sabemos… e está tudo bem.
Sendo envolto por braços tão caóticos, o garoto lacrimejou e, por não conseguir chorar, olhou para sua vó como quem estivesse olhando para um verdadeiro espelho.
A mulher soltou-o e deu um pulinho para trás ao mesmo tempo que seu sobretudo voava em meio ao emaranhado de vento, cintilante com as flores e seu cabelo branco. Sua orelha rapidamente se flexionou em um movimento involuntariamente. Com seus fios voando pelo ar, ela apontou para ele e disse:
— Tenho um assunto importante para falar com você! Para de chorar, ou eu vou te arrebentar!
Começando a chorar de verdade, o príncipe colocou o céu de suas mãos sobre as bochechas e suas lágrimas começaram a cair como um verdadeiro milagre.
No entanto, erguendo a cabeça e franzindo a testa em dor, ele grunhiu em meio a pausas de seu choro:
— Vovó… Todos estão mortos… Todos se foram… Ela não tá mais aqui, eu não tenho mais… Ela não vai voltar!
— Hm… Kevyn, eu sou uma pessoa bem ruim, saiba que mortes são normais e… namoros… eh… eu não lido bem com isso. Não venha querer compaixão, eu matava tudo que respirava… — Coçou a cabeça.
Limpando as lágrimas, Kevyn se virou para ela e colocou as mãos sobre os joelhos, ainda um pouco triste. — Desculpa… eu só queria chorar…
Se aproximando, a mulher se agachou na frente dele para ficarem quase na mesma altura e o respondeu: — Está tudo bem, mas agora, você está enfrentando o Tsushite, não é?
— A-ah… você estava vendo? — Desviou o olhar.
— Sim, eu vi você brutalmente sendo espancado, não se preocupe, eu conheço esse daí! — Ela sorriu, botou sua mão sobre o ombro de seu neto e continuou; — mas você precisa quebrar sua máscara, venha comigo.
Kairós usou os joelhos de apoio para se levantar e começou a caminhar para longe. Em meio a passos curtos, seus passos contidos evitaram as flores do jardim de seu neto.
Vendo-a distante, o príncipe se levantou e foi atrás dela, dizendo:
— Eu tento… mas eu não consigo ser eu mesmo.
Franzindo a testa, a mulher balançou sua mão pra lá e pra cá. — Quê? Não estávamos falando de máscaras psicológicas. Sei que sua namoradinha falou sobre, mas a máscara que ela quis dizer, e a que estou dizendo, é dessa porra assustadora que tá em volta de você!
Ela se virou e apontou para ele.
Sem entender, o menino olhou ao seu redor, mas não tinha nada…?
Então foram teleportados para outro lugar no jardim, uma trilha feita de calçadas em espiral que se interligavam. Ela manteve seu dedo para ele, e com o vento batendo em seus cabelos, ela respondeu:
— Você não consegue ver, mas sua magia tá se acomulando, sua mana tá se remoendo e sua alma tá gritando por ajuda. Claro! eu só consigo ver isso por estar em você, em partes essa coisa vêm de você ter… tantas reencarnações… e talvez seja culpa minha e do Érebo por reencarnamos em você…
Ainda confuso, Kevyn tentou encaixar as coisas, mas ainda não fazia tanto sentido. Ele então olhou para suas mãos e perguntou:
— O-o quê?
— Sua alma não sabe se você é, ou não, uma reencarnação… o mundo não parece te reconhecer, então suponho que você ter sete marcas e ninguém pra te restringir tá fudendo com sua alma… mas, só vejo vantagens. — Sorriu.
Boquiaberto, o príncipe fechou sua boca e desviou o olhar. Kairós bocejou e tocou na ponta de sua orelha.
— Ah! Eu percebi que você deixa suas orelhas baixas, por quê? — Franziu a testa e os olhos.
Quieto, ele encarou o chão e respondeu:
— Minha mãe me ensinou a negar isso…
— Que bobeira, ela realmente tinha que mostrar as aparências no reino dos dragões, não é? — debochou.
— Ela… Tá morta…
— Idai? Eu também, hahaha! — Riu e deu de ombros. — Anda, vamos continuar! — Seguiu a trilha de lajes.
— Ei! Espera eu terminar de pensar! — Foi logo atrás.
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— Isso tá… me fazendo parecer mais velho?
— Sim, você nunca reparou? Se olha no espelho todo dia e não percebeu?
— Mas por quê?!
— Tá tentando te misturar com suas reencarnações.
Sob o véu astraal das flores, o mundo não tinha cima nem baixo. Tudo pulsou com um silêncio quase líquido. Ali, de pernas cruzadas em um campo suspenso por nada, Kevyn meditou.
Sobre suas costas, uma cachoeira fluiu… ao contrário. A água, azul esverdeada, ciana em seu espectro, e translúcida, desceu em direção ao céu, tocando-lhe os ombros como fios feitos do céu. Ela não molhava, ela lembrava, trazia os piores e melhores momentos não só da sua vida, mas de algumas de suas antigas vidas.
O tempo ali não andava, deslizava. Os sons abafados como se viessem debaixo d’água, embora nada estivesse submerso. As flores ao redor flutuavam no vazio, amenas em seus tons surreais, sem um horizonte para desaparecer; só uma curvatura infinita de si.
Nada pesou. Nem o corpo. Nem a mente. Nem a Alma.
Tudo de cabeça para baixo, fazia mais sentido. Cada cor, cada aroma, cada ondulação no ar continha algo a mais, algo além dele; esquecido, ou escondido.
E sem querer percebesse, Kevyn adentrou a si.
A realidade dobrou-se sobre camadas silenciosas de quem ele era; ou quem pensava ser. E Kairós, em algum lugar desse plano sem chão, apenas observou. Não ensinou. Ela guiou.
Pois ali, sem palavras, sem direção, Kevyn era levado a caminhar para dentro de si… sem saber que tudo aquilo já era seu eu. Seu mundo, sua alma.
Assim como o “eu” observador, uma porta buscando ser uma casa.
Um Demônio tentando ser um Arcanjo.
— Mas… vó, o que eu deveria fazer? — perguntou Kevyn, de olhos fechados.
— Eu estou aqui para quebrar sua máscara, não há com que se preocupar.
De repente, ela surgiu com sua mão sobre a cabeça de seu neto, ela havia achado o receptáculo perfeito.
— E-e como que se faz isso?
— Não é lógico?! Vou te por correntes! Hahahahah! — Ela gargalhou.
— A-ah!
Kairós deu um soco na cabeça dele.
— Não perca o foco. Continue meditando.
Recuperando o controle da sua kármica harmonia, os fundamentos dispersaram sob seu controle, seu toque.
De repente o mundo reverteu ao seu estado original e eles começaram a cair em meio ao céu. Durante uma queda infinita a Calamith mais forte abriu seus olhos tão solenes e abriu sua boca para dizer…
Mas nada saiu.
Cerrando seus dentes, a mulher ergueu sua cabeça em superioridade e forçou o espaço ao seu favor. Ela então quebrou o mundo de seu neto e, com o céu desabando bem debaixo dele, o universo daquele lugar se revelou um mar.
Enquanto as ondas batiam em meio aos cacos do céu, a lua e o sol começavam a rodar, o tempo acelerou, o mundo colapsou e em meio a queda e o kháos se instaurou.
Balançando para lá e para cá, suas almas começaram a vibrar, correntes se formando, monstros eternizando, guitarras soando enquanto algo se despertava, tudo se quebrou e remontou.
Ciclo eterno, perpétuo, sem crédulo, mas completamente neutralizado.
A máscara foi quebrada. O céu está em pedaços.
Bem vinda ao mundo…
Kind.
Então, quando seus corpos tocaram no chão, tudo se restaurou, mantendo a meditação, Kevyn ofegou pesadamente após sentir o peso do mundo cair sobre suas costas.
— Apóstolo da Lua, Apóstolo do Sol, apóstolo da Vida, apóstolo do Espaço-Tempo, Apóstolo da Energia, Apóstolo do Manastral e… Apóstolo do Kháos. Essas são suas apologias?
— Vovó… o que isso tudo significa?
— Significa que você é tão imperfeito, que é perfeito… se não fosse EU! A MAIS FORTE! Você provavelmente colapsaria com tanto poder, mas você também deveria agradecer à ela.
— E-ela quem?
— Hehehehe, você vai descobrir. Mas enfim, como se sente sendo a reencarnação da mais forte Calamith? — Ela levou a mão até seu busto com um sorriso brincalhão.
— Difícil…
Abrindo seus olhos, Kevyn encarou-a e pôde apreciar o quão linda era. Mas então sua ficha caiu:
— Eu sou parecido com você, não sou?
— Idêntico!
— Hehehe!
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Em meio a uma longa caminhada, os dois finalmente retornaram até o ponto inicial. Sentando por último, o príncipe encarou sua avó.
Cruzando suas pernas, a mulher suspirou e olhou-o com indiferença momentânea.
— Tenho algo a te falar. — Kairós cerrou os olhos assim como seu neto faz e contínuo; — se quer vencer o Lótus, vai precisar liberar sua restrição porque ele não lida bem com vários ataques em sequência.
Inclinou a cabeça. — Por ele não ter os olhos de energia?
— Não, e sim porque ele nasceu com TDAH.
Estranhamente, aquilo não foi convincente. — Quê? Eh… tem certeza que é assim que funciona? — Inclinou para o outro lado.
— Mesmo se não for, se eu disse, é porque é verdade! E agora, a segunda lição. Já chega dessa conversa boba. — Partindo a mesa ao meio somente com seu respirar, Kairós instantaneamente apareceu na frente de Kevyn e o pegou pela gola da camisa. — Escuta aqui! Eu sei que a verdade é pedir demais, mas você não precisa esquecer do passado para ficar mais forte.
Sem expressão, o garoto desviou o olhar e respondeu: — Eu sei…
— Vou fingir não te conhecer… mas vamos por um outro lado.
Ela o soltou e continuou;
— isso vai acontecer de qualquer maneira, mas eu sei que não mata só por matar, somos totalmente opostos nesse quesito.
— O que quer dizer?
— Enquanto você finge existir uma motivação por matar pessoas terríveis, eu matava todos pelo exato motivo que uma criança comeria um doce.
— Entendi…
Após aquela resposta, um silêncio leve surgiu para restaurar as ligações ainda não formadas. Kairós suspirou e olhou para mesa destruída sabendo que não poderia reconstruir.
Então ela riu. Riu de seu neto, da mesa, do céu, de Érebo. Ela olhou para o garoto que ainda mantinha seu olhar tão longe e chutou sua perna.
— Você não é nenhum gênio, sabia? Tudo que têm é sorte de nascer com poderes tão abençoados, e, ainda assim, é esforçado o bastante para tentar, hehe! Vamos, se anime! Vai ser a primeira e a última vez que você vai ver minha cara, então, vá! Fale! Quero ouvir o que você tem a perguntar!
— Arg! Você fala demais, sabia?! — gritou e devolveu o chute.
Ao menos sentiu. — Eu falo? Há! Sei!
O príncipe cruzou os braços, franziu a testa e ficou de mal com ela. Por outro lado, a Calamith mais forte abraçou-o e o ergueu do chão, girando pela grama conforme o vento fundiam seus cabelos.
Podendo ver o sorriso resplandecente de sua avó, Kevyn se perguntou se seu sorriso é assim. Pela primeira vez ele pôde entender o que era, mas se ver no espelho não era o suficiente? O que aquilo significava?
— Você é meu neto! Meu neto! Quem imaginaria?! Eu não consigo acreditar que você está aqui, eu não pensei que poderia te ver! — Girou e girou. — Agora… está na hora de você ir, minha reversão está acabando…
Ela parou, mas continuou abraçada, pela terceira vez, não em vida, mas em morte… a Calamith mais forte chorou. Em meio a leves soluços, ela disse:
— Sei que é difícil continuar quando tudo é vazio, mas se é, torne tudo o seu vazio. Meu neto, minha reencarnação. — Ela limpou as lágrimas e jogou-o para trás. — Vá! Encontre-a! E mostre que é a reencarnação da mais forte! Quebre as suas correntes e use todo o seu poder!!!!

Quebra no tempo.
O mundo passou.
Criou o seu tormento.
Príncipe da Lua e também criador.
Que o tempo volte a correr!

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