Capítulo 132 — Carta Póstuma?
— Night, eu não tenho a capacidade de te engravidar. — Kevyn desviou a cabeça levemente.
Night arregalou os olhos, tomada por uma súbita inquietação. Instintivamente, olhou para baixo, mas, estranhamente, não conseguia ver sua própria barriga. Sua visão parecia turva, como se o próprio corpo já não lhe pertencesse por completo. Ainda assim, levou as mãos até o ventre, pressionando-o com leveza, carregando a tristeza da afirmação.
O garoto percebeu e, lentamente, retirou sua venda, revelando um olhar nebuloso. Sem hesitar, avançou e a envolveu num abraço apertado, como se quisesse protegê-la do mundo onde não escolheu ser assim. Uma lágrima solitária escapou de seu rosto e deslizou pela bochecha, desaparecendo ao tocar-se contra a pele de sua amada.
Troca não equivalente.
O pensamento o atravessou como uma lâmina.
Por que ajudar, se nunca é acolhido?
Uma dúvida cruel ecoou em seu coração. Mas por que logo agora? Em um momento tão difícil, sem resposta. Mas, mesmo assim… ele escolheu fazer o contrário dos seus próprios sentimentos.
— Está tudo bem. Um dia vou encontrar minha fertilidade e vamos poder ter um filho. — Sorriu, mas apenas seu olho esquerdo chorou. Não era de felicidade; era dor, somente dor.
— Isso é uma promessa?
— Não… é algo que eu posso tentar, não dizer que vou conseguir.
Ela se agarrou nas vestes dele e perguntou: — E como você sabe que não é fértil?
— Você não conheceu ela, talvez pelas minhas memórias, mas a Mind… fez essa conclusão com base nas minhas raças. — Desviou o olhar.
De repente, um sentimento horrível tomou conta da garota. Foi então que se deu conta: estava tocando nele. No exato instante em que a consciência lhe concedeu essa noção, ela recuou bruscamente. Um arrepio de nojo percorreu sua espinha, mas não dele… dela mesma.
Seu rosto se contorceu em uma cratera amarga quando outro sentimento, ainda mais repulsivo, emergiu das profundezas do seu ser. Era algo confuso, hipócrita, um reflexo distorcido de si mesma que ela não queria ver.
Uma dor, uma estocada em seu peito. Em seguida, um turbilhão de devaneios, lembranças desconexas com conexões fragmentadas da realidade. As vozes… tantas vozes. Sussurros, gritos, ecos sobrepostos, formando uma sinfonia infernal e insuportável dentro da sua mente.
Ela apertou os olhos, franziu a testa com força, tentando desvincular-se da realidade. Em um momento, parou. Respirou fundo, forçando-se a voltar à superfície daquela tormenta. E então, com um suspiro pesado, finalmente conseguiu encontrar sua voz; trêmula, mas forte o bastante para responder:
— Tudo… bem… — Trocando de face para um sorriso leve, ela aceitou aquilo e continuou: — Bem, você não me poder me engravidar não é uma notícia tão ruim, kukukuku.
Ela se aproximou em silêncio, com passos leves, como se cada movimento pudesse despertar algo de que se arrependeria. Logo, estendeu a mão devagar, hesitante, e entrelaçou os dedos aos dele. Seus olhos ficaram na palma da mão dele, mas o olhar tremia. Havia medo ali, um temor que não poderia ser desfeito.
Ela não deveria tocá-lo. Sabia disso. Não queria contaminá-lo com o peso da escuridão que carregava em sua alma; sufocante, contaminante. Mas, ao mesmo tempo, as vozes sussurravam dentro dela:
Mas, se não é na escuridão, onde mais a luz brilha?
Kevyn, porém, já estava há muito tempo perdido nas sombras. Elas o envolviam como um nevoeiro espesso, familiar demais para causar estranhamento. Ainda assim, quando sentiu a mão dela tocar a sua, apertou com força, como se aquele simples gesto fosse uma âncora.
Ele ergueu o olhar, firme e penetrante, e, com a respiração pesada, não hesitou. Sua voz surgiu grave, carregada de dor e convicção. E então, como se precisasse quebrar um feitiço que ela mesma conjurou, começou a falar em forma de sermão:
— Isso não deveria ser uma boa notícia! Tola!
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A noite se esvaiu com leveza incomum, como um sussurro que se perde no vento. Pela primeira vez em muito tempo, o silêncio foi gentil, e o sono do príncipe não foi interrompido por preocupações.
Quando o amanhecer chegou, tingindo o céu com tons suaves de dourado, ele despertou no mesmo horário; aquele exato momento em que Night costumava chamá-lo com seus brilhos nada ofuscantes. Mas, dessa vez, ela ainda dormia, finalmente tranquila.
Com cuidado para não acordá-la, o príncipe se levantou da cama, tocando o chão frio com seus pés já adaptados a toda aquela frieza. Sereno, como quem ainda carregava algum sonho, caminhou até o banheiro, lavou o rosto com a água fria e desceu as escadas, guiado pela luz tímida da manhã.
Ao chegar ao andar de baixo, seus olhos guiaram-se até aquele relógio de cômodo. O som constante trazia incômodo, o bastante para fazer o jovem franzir seus olhos.
“Tic, tac.” O compasso metódico, imutável.
Por um instante, ele apenas ficou ali, observando-o com calmaria e paz.
“Frio… eu finalmente entendo coisas adultas. Isso significa que eu sou um! Ou… pelo menos o começo de quem pode virar um.” Ele sorriu. Seus olhos, aos poucos, quiseram retornar às felinas e pontudas, mas, por um momento, sua mente se curvou a algo maior, e vazias voltaram a ser.
“Não posso me dar ao luxo de relaxar… meu olho esquerdo arde. Eu quero lutar de novo, quero sangrar! Sentir a pele rasgando! Eu quero m— Não! Não…” Negar a própria natureza, tão desconhecida? Quem é você? “Tic-tac.”
— Vamos começar o dia.
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Indo até o lado de fora, Kevyn foi verificar os tigres de madeira. Oh! Que pena… eles atingiram a maturidade e te abandonaram. O que farás?
Nada surpreso, o garoto sorriu e riu sozinho. “Vivam bem, meus pequenos.” Ele se espreguiçou e foi para a cozinha fazer um café da manhã para sua amada.
Oh, não! Você quase se esqueceu! De sua bolsa dimensional, o príncipe pegou “A CAIXA”, tirou alguns papéis e começou a escrever uma carta.
Tão imerso em sua escrita, o jovem quase deixou o café queimar. O aroma amargo começou a tomar o ar, mas ele pôde perceber a tempo. Para um chefe de cozinha experiente, aquele deslize era insignificante — apenas um contratempo menor diante de tantos outros.
Com movimentos tênues, montou um prato com cuidado. Depois de ajeitar tudo com perfeição, voltou à mesa, onde o papel ainda o aguardava para ser escrito.
Poucos minutos depois, ele enfim terminou. O envelope selado, repleto de símbolos e selos. No canto inferior, a assinatura perfeita para quem quer esconder quem é: Nivek Ryan. Ele encarou o nome por alguns segundos, pensativo. Será que ela reconheceria sua maneira de escrever? O jeito sutil, a ordem das palavras, as pausas erradas e vírgulas possivelmente mal posicionadas de propósito?
Era óbvio que sim.
Inevitável. Para olhos sábios como os de sua mestra, tudo poderia ser conveniente demais. Tudo o que poderia não dizer, diria, para que fosse realmente inconveniente.
Resignado, mas tranquilo, ele guardou a carta com cuidado. Pegou o prato recém-preparado e subiu calmamente as escadas, deixando o café da manhã sobre uma cômoda ao lado da cama — exatamente onde Night poderia descansar ao acordar com o cheiro de seu presente.
Observando-a, ele ficou quieto para, logo após, sair e descer as escadas. Pensativo sobre a situação atual e a de ontem, ele suspirou.
“Hora de trabalhar”, pensou e caminhou até a forja.
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