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    Indo até a porta com seus olhos tão mortos, Kevyn, por um momento, encarou do chão as árvores à sua frente. Decadência para sua alma; ele cerrou seus olhos em frustração e com ira em seus olhos, pensou: “Eu preciso falar com o Jeremy.”

    Encarregado do peso de si mesmo, Kevyn amarrou a venda sobre os olhos com dedos firmes, mas trêmulos. A máscara. Ao cobrir-se, não apenas se protegia do mundo… mas impedia que o mundo visse o que ele realmente era.

    Sem dizer palavras para si mesmo, partiu.

    O tempo curvou-se. Num piscar de pensamento, como se o espaço o tivesse engolido, seus pés tocavam o chão sujo de um beco escuro.

    O ar abafado e úmido. Silêncio estranho. Não um vazio, mas uma pausa pesada, como a de um coração quase parando.

    Kevyn ergueu os olhos encobertos e caminhou em direção à porta azul esverdeada, brilhando em meio à decadência das paredes ao redor.

    Do lado de dentro, um leve cheiro de incenso barato e papéis envelhecidos.

    Sem hesitação, seus passos ecoaram pela madeira do piso, uma decisão para o fim de uma promessa. Ele não olhou para os detalhes.

    O homem o esperava, sentado como se soubesse. Um olhar que atravessava a alma, olhos que já tinham visto demais.

    Kevyn parou diante dele, respirou fundo… e então, com a voz carregada em angústia, uma pergunta com que mudaria seu conhecimento do mundo, algo horrível, nojento, mas com firmeza:

    — Jeremy, o que é abuso? Não sei o que isso significa, então apenas seja rápido e direito.

    Lendo um tênue livro, surpreso o homem deu um pulo e respondeu na ponta da língua: — Sexo sem consentimento.

    Analisando por breves segundos, o jovem suspirou e falou: — Tudo engloba sexo? O que seria isso?!

    — Pense o seguinte: Uma pessoa não quer comer sorvete, aí chega outra pessoa e força muito essa pessoa a comer sorvete. Mas aí a revelação, essa pessoa não queria tomar sorvete porque não queria, e porque machucava seus dentes, então essa pessoa força ainda mais.

    Imóvel, o príncipe permaneceu em silêncio, absorvendo cada palavra como uma lâmina. Seus olhos, antes calmos, começaram a se arregalar aos poucos, refletindo as informações em pensamentos que se desenrolaram com violência.

    Aos poucos, as peças se moveram em um xeque inevitável para sua cabeça.

    Concordâncias ocultas, gestos esquecidos, fragmentos de verdades antes ignoradas… ignorantes. Tudo converge para uma revelação incômoda.

    Tentando negar, seus lábios levemente abertos por um instante, como se tentasse negar, mas era inegável, detestável. Mais uma vez, tentou negar o que acabara de compreender, mas era tarde demais.

    Amargo, tão amargo. Ele estava na frente daquele homem e não o matou, não reagiu, algo que deveria.

    Seu nariz se enrugou involuntariamente de repulsa, suas sobrancelhas se fecharam em um arco de ódio enquanto seus olhos se mantinham arregalados. Dentes cerrados, comprimidos com tanta força que o maxilar doía. E então, em meio ao enjôo que tomava conta de seu corpo, ele rompeu o silêncio com uma voz grave, trincada em indignação:

    — Eu vou matar alguém, eu vou matar muito.

    Fechando seus punhos, o jovem ergueu a cabeça ainda mais mórbido e pensou: “O quanto isso deve ser ruim? O quanto isso deve ser ruim? Gravidez, pélvis, cortes, machucados…”. Cerrando seus olhos, sua raiva cessou por um instante e apenas se tornou vazio.

    Virando de costas, Kevyn saiu do bar e foi para casa. “Agora eu entendo por que a Night não queria me dizer sobre… mas ainda assim, não faz sentido ela ter feito aquilo, não faz…”, suspirou.

    Chegando em casa, sozinho com o silêncio e o “tic-tac” do relógio de cômodo, o garoto suspirou mais uma vez.

    — Agora é sua vez… Kind. — Puxou sua katana de sua bolsa dimensional.

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    Depois de uma noite que quase se arrastou como uma eternidade imutável, Kevyn saiu da forja. Passo por passo, pesados pela falta de sono que resultou em olheiras tênues.

    “Preciso limpar a cabeça.”

    Após um banho rápido, tentou lavar mais do que apenas o corpo. Ao sair, vestiu-se com roupas que Night havia comprado para ele. Ele queria apenas poder mentir sobre não estar tão só.

    Assim saiu de casa sem rumo definido, levado pela ideia vaga de encontrar-se com Jeremy. Talvez conversar, talvez apenas dividir o silêncio.

    Ao chegar na cidade, seu caminhar foi conduzido até o local conhecido, mas seu corpo hesitou à porta. Ficou ali, parado, como se o chão sob os pés prendesse seus pés com correntes. Sua mente, neblinada, vagou longe; seus olhos… distantes. Internamente, se impediu de avançar.

    Entretanto, seu inconsciente teve força o bastante para não se deixar levar. Com passos ainda mais pesados, pela falsa calma, pela solidão. Ele adentrou o local, mas ao pisar dentro, não conseguiu continuar.

    Depois de alguns minutos, foi o dono do local que percebeu sua presença imóvel. Vendo-o abatido, quem quebrou o silêncio com um chamado cuidadoso foi Jeremy:

    — Ei, Kevyn! Você está parado faz um tempo…

    Assustando-se com o barulho, o jovem encarou o ruivo: — A-ah… desculpa, eu vim pegar alguns núcleos. — Caminhou até uma das máquinas, mas, hesitante, suas pupilas tremeram. Vendo a manivela, toda a estrutura, lembranças vieram à tona.

    “Eu preciso fazer ela ser forte… forte…”. Tirou o dinheiro e o encarou em sua mão, pensando se devesse, se realmente valeria a pena, ou não.

    — Lá vamos nós…

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