Capítulo 32.2 – A Tutora de Gwyneth
“Claire, o que tá rolando?” (Stella)
A galera que já chegou parece que atravessou as pedras sem problemas, mas era uma situação meio perigosa para Chloe, que tinha um pepino com as pernas. Chloe tranquilizou Stella, que tava preocupada, e sorriu.
“Tô bem, vai na frente.”
“Professora, não preciso ir à igreja.” (Sophie)
Sophie, toda de vestido bonito, segurou a mão de Chloe. Chloe esfregou a testa e fechou os olhos.
“Sophie, pode falar pra professora se tem pedras que não são firmes? Aí acho que ela fica de boa.”
“… sim.” (Sophie)
Sophie assentiu com determinação. Stella, levantando a barra do vestido comprido, saiu na frente, seguida por Sophie. Foi aí que o cara que tava carregando pedras de longe se aproximou.
Parecia que ele que tinha movido as pedras pesadas pra galera da vila conseguir atravessar. O cara de batina continuou trabalhando mesmo com a chuva forte. Pisando na última pedra que soltou, Stella agradeceu ao desconhecido.
“Ah, é o novo missionário. Tô toda molhada… valeu.” (Stella)
“Tá de boa.” (Missionário)
Ele limpou as gotas de chuva do rosto com o braço e ergueu a cabeça. Stella olhou pro cara, cuja pele parecia ter absorvido muito sol, e soltou um “Ah”, mostrando uma admiraçãozinha. De fato, parecia que todas as mulheres de Gwyneth iam ficar caidinhas por ele.
“Se cuida.” (Missionário)
O cara, cujos olhos pareciam mais molhados que as gotas de chuva que caíam do cabelo preto molhado, se afastou, dando passagem. Stella parou de admirar ele com um atraso e seguiu o guia pra passar pro próximo degrau. Sophie não esqueceu de conferir se Chloe tava seguindo enquanto pisava na pedra.
“Professora, beleza!” (Sophie)
Depois que Sophie atravessou as duas últimas pedras, acenou com a mão.
“Senhorita Claire! Tá tudo bem!” (Sophie)
Mesmo tendo checado tudo, Sophie piscou ao ver a professora, que parou numa pedra no meio do caminho e não tava se mexendo.
“Deve ter sido demais pra ela, Sophie. Vai lá, chama o cocheiro.” (Stella)
Quando Stella segurou o ombro de Sophie, o jovem missionário que tava ao lado começou a caminhar na direção de Claire. Mesmo com os pés afundando na lama até a canela, ele foi na dela como se não ligasse de se afundar até o fundo. A chuva agora tava encharcando ele completamente. E Chloe, que parou no meio do caminho improvisado e ficou lá plantada como uma pessoa com os pés grudados numa pedra, olhava ele se aproximando.
“Professora… você está chorando?” (Sophie)
Sophie esfregou os olhos e olhou pra ela. Os olhos castanhos de Chloe se arregalaram e tremeram.
“Oh.” (Sophie)
O que surpreendeu ainda mais Stella foi que quando o jovem missionário, que chegou como se tivesse sido possuído, se ajoelhou na lama como se tivesse desabado. Quando ela se afastou, o corpo dele, agora todo molhado e bagunçado, se agarrou à pedra com força. Stella inclinou a cabeça, se perguntando se era o missionário que tava chorando. Foi porque deu pra ver claramente os ombros largos dele repelindo as gotas de chuva e um tremorzinho sutil nos antebraços que seguravam a pedra com força.
Baixando a cabeça, nem conseguia abrir a boca. Um guarda-chuva caiu suavemente sobre ele enquanto ele suportava a chuva forte.
“Pode pegar na minha mão, por favor?” (Claire)
Devagar ele levantou a cabeça. O rosto do missionário, com o cabelo preto e úmido se enrolando na testa, parecia de uma criança que não conseguia falar. Sophie ficou boquiaberta quando viu sua tutora falando com alguém primeiro.
“Minha mão… por favor, pega, missionário.”
Finalmente, o missionário se levantou devagar. Mesmo com as pernas na lama, ele era mais alto que Chloe em cima da pedra.
“Não posso fazer isso porque minhas mãos tão sujas.” (Missionário)
“… não tem problema.”
Chloe sorriu de leve pro cara que disse isso baixinho com os olhos vermelhos e estendeu a mão.
Assim como da primeira vez que o viu há muito tempo, ele tava todo molhado e coberto de lama. Mas ela sabia muito bem que ele tinha um coração quente como ninguém. O fato de que suas mãos, que eram bem pequenas, agora pareciam muito maiores que as dela.
‘Grey. Ainda é você.’
A mão calejada de Grey tremeu quando ele se aproximou da dela e pegou com cuidado. Plac, plac! Mesmo entre as gotas de chuva que caíam, deu pra sentir claramente a temperatura quentinha, que se espalhou pro coração.
“Obrigada, missionário.”
Chloe fechou os olhos marejados e sorriu ainda mais brilhantemente. Pensou que talvez por isso tava particularmente sentimental hoje. Deus tinha dado um presente inesperado.
Era uma tarde ensolarada de fim de semana, como se tivesse chovido por vários dias.
“Você está certa disso?” (Marido)
“Pra que?” (Stella)
Stella abriu os olhos pro marido, que tava lendo o jornal com a testa franzida, e continuou pegando e acalmando um dos gêmeos que tava tentando fugir da babá.
“Nem imagina o sorriso largo que a Claire deu, que normalmente é tão séria. Tipo… tipo…” (Stella)
Tava prestes a dizer que era como ver uma criança dando os primeiros passos, mas Stella percebeu que a expressão não tava totalmente certa e balançou a cabeça.
“De qualquer forma, não seria bom pra gente se a Claire e o jovem missionário tão de boa? Seria melhor se os dois morassem em Gwyneth.” (Stella)
Hoje, num dia de folga, quando Stella imaginou o futuro por conta própria, pensando no rosto feliz da Claire ao encontrar o jovem missionário, Ricardo abriu a boca com uma expressão desaprovadora.
“Então, se de repente ela tiver filhos, o que acontece com nossa Sophie?” (Ricardo)
Stella revirou os olhos pro marido, enquanto Ricardo pegava outro ovo. Ele botou um pouco mais de força na mão enquanto quebrava o ovo com uma colher. Claro, não é que ela não entendesse as preocupações do marido. Sophie disse que queria sair com a Claire, mas quando Stella ameaçou dizer não, Sophie ficou brava e se trancou no quarto sem almoçar. Mas esse não era o problema.
“Acha que todos os homens do mundo são como os homens daqui? Não acha que primeiro eles têm que ter um encontro antes de ter um filho?” (Stella)
As crianças tavam sentadas na mesa lá fora, ocupadas brincando com a comida e se batendo.
“Isso também é uma habilidade.” Ricardo disse casualmente enquanto dobrava o jornal.
Desistindo de continuar falando com o marido atrevido, Stella olhou além da manchete e abriu bem os olhos. Rapidinho ela abriu o jornal.
“Oh. Meu. Deus.” (Stella)
Era um artigo dizendo que o Rei, que dizem ser o maior vilão do Principado, finalmente abandonou a noiva e anunciou que ia se casar com a amante. Como o Rei Erno, que dizem ser doido por ter um temperamento feroz, escondeu tanto a amante que o povo do Principado nem conhecia o rosto dela. Até rolavam uns boatos de que a amante em questão era uma mulher humilde do Reino de Swanton, com quem as relações diplomáticas tavam na pior.
“Será que é realmente necessário ter uma mulher de Swanton como Rainha?” (Ricardo)
“Não importa de onde a tutora seja, mas pode ser tutora e não pode ser Rainha se for de lá?” (Stella)
Claire não contou sobre o passado dela, mas eles tinham certeza de que ela era de Swanton. A guerra tinha acabado, mas depois da coroação do novo Rei de Swanton, as relações diplomáticas entre os dois países tavam bem abaladas.
Podia se deduzir que o boato de que foi o Principado de Carter que ajudou na fuga de Johannes, o ex-Rei de Swanton, que foi deposto depois de bem menos de uma temporada, até menos de um mês, afetou negativamente a relação entre os dois países.
“As duas coisas são histórias diferentes.” (Ricardo)
Stella, confusa, olhou de novo para o marido e depois tentou acalmar os gêmeos. Não conseguia entender por que Ricardo estava fazendo generalizações num lugar estranho, quando assuntos pessoais e nacionais não podiam ser a mesma coisa.
“Você não disse uma vez que Claire deve ter fugido por causa de um fracasso amoroso?” (Ricardo)
A intenção de Ricardo era clara quando ele olhou para o jornal. Dizia que a situação da esposa do Rei, a amante de Swanton e a tutora da casa não eram tão diferentes. Stella olhou para cima, segurando as coxas do marido, que só falava coisas que ela não curtia.
“Então ela tem que começar um novo amor com mais razão e superar o passado para que valha a pena, né?” (Stella)
“Ha, ha.”
“Deixa pra lá. Não importa o que precise fazer, vou fazer o amor dela tão feliz que nem a palavra ‘morte’ por um amor arruinado possa ser lembrada.” (Stella)
Ninguém ignorava que a especialidade de Stella, por ter se casado cedo, era ser casamenteira. Estava decidida a encontrar o marido perfeito para sua tutora que tanto amor dava para sua filha Sophie, não importava o que precisasse fazer.
“A propósito, Stella, sobre nossa cabana junto ao lago.” (Ricardo)
“O que tem com ela?”
“Podemos emprestá-la por alguns dias para Lawrence Taylor?” (Ricardo)
“Hmm… o empresário de gramofones de Swanton?” Stella levantou os olhos levemente.
“Isso mesmo.” (Ricardo)
“Ele é de Swanton, mas…”
“Às vezes, assuntos pessoais e nacionais não podem ser medidos com a mesma régua. Ele é meio romântico, completamente desvinculado da política, então não se preocupe com isso.” (Ricardo)
Ricardo saciou sua sede com vinho enquanto beijava os lábios apertados de Stella.
“Parece que está aproveitando a vida porque ficou rico de repente com o negócio de gramofones. Diz que quer importar uma boa quantidade de vinho da nossa fazenda quando o comércio se reabrir um dia, então temos que fazer o nosso melhor.” (Ricardo)
“O que gramofones têm a ver com vinho?”
Apesar da situação atual, onde o comércio estava severamente restrito devido ao deterioro das relações diplomáticas, Stella não conseguia encontrar nenhuma conexão entre o negócio de gramofones e a vinícola.
“Segundo o telegrama de Taylor, boa música e bom vinho combinam muito bem, minha senhora.” (Ricardo)
Stella franziu a testa, suas pestanas negras piscaram rapidamente. Para ser um homem de negócios, Lawrence Taylor devia ser um cara um pouco fora do comum.
“Entendi.”
“Diz que vão chegar em três dias, então peça para alguém preparar a casa.” (Ricardo)
“Farei isso. Em troca, seria melhor dobrar o valor do aluguel da casa.”
Stella sorriu brilhantemente, prometendo tirar o máximo que podia do tolo de Swanton. De qualquer forma, como estão as coisas com Claire?
A praça com a Torre do Relógio ao longo da praia estava cheia de gente. Duas vezes por mês, nos sábados de feira, todos os donos das pequenas fazendas em Gwyneth se reuniam sob uma tenda e formavam uma longa fila. As mãos estavam ocupadas pesando vegetais e frutas frescas trazidas dos campos, e os clientes se alinhavam nos carrinhos de comida que atendiam clientes e vendedores na praça.
“Posso trazer um para a senhora?” (Vendedor 1)
O vendedor barbudo e bonitão piscou para Chloe, que estava na frente de um carrinho de sorvetes localizado em um lugar perfeito perto da fonte.
“Sim, um desses, por favor.”
Chloe abriu a carteira na frente de um homem que colocava sorvete fresco numa casquinha. O vendedor entregou a sobremesa e falou de maneira amigável.
“Saiu por causa do tempo bom?” (Vendedor 1)
Chloe tirou uma moeda e sorriu.
“Estou num encontro.”
“Ha ha, as pessoas com quem você costuma sair não só tomam sorvete?” (Vendedor 1)
Disse o homem cuja visão estava bloqueada pelo carrinho de sorvetes e não conseguia ver a bengala de Chloe. Chloe, que se acostumou com a amabilidade dos homens que passavam dos limites aqui, sorriu.
“Me sinto bem só vindo comer sorvete.”
“Oh, então vou ter que me despedir com lágrimas nos olhos.” (Vendedor 1)
Chloe riu e pegou o sorvete. O comerciante olhou de lado e baixou um pouco a voz.
“Parece que seu amante vem para cá.” (Vendedor 1)
Chloe se virou e sorriu amplamente quando fez contato visual com Grey. Grey, que se aproximava da fonte, vestia um terno e era tão bonito que chamava a atenção das pessoas de relance.
“Grey.”
“… senhorita.” (Grey)
Enquanto o dono do carrinho de sorvetes os observava com um grande sorriso, jatos de água jorraram da fonte, criando um arco-íris.
“Esperou muito tempo?” (Grey)
“Sim. Pensei que estava ventando.”
“Desculpe.” (Grey)
Grey, a única pessoa com quem Chloe podia brincar, entrou em pânico como quando era criança e depois colocou um braço atrás das costas.
“Só não consegui vir cedo porque não sabia o que te dar…” (Grey)
Os olhos de Chloe se abriram.
“Oh, é tão bonito.”
Nas mãos levemente trêmulas dele, havia um buquê de flores silvestres. As flores silvestres que ele colheu uma por uma na colina, não um produto vendido numa loja, eram lindas. Tanto quanto o coração dele por ela.
“Você está me dando isso?”
“Sim.” (Grey)
O rosto de Grey ficou vermelho quando respondeu num sussurro.
“Oh! Não tenho mãos.”
Chloe brincou, segurando uma bengala numa mão e um sorvete na outra. Sem saber o que fazer, quando Chloe estendeu o sorvete, Grey finalmente aceitou e cuidadosamente entregou o buquê. Chloe aproximou o rosto do buquê e respirou fundo. Era um aroma fresco e agradável que enchia sua cabeça de pensamentos agradáveis.
“Vamos dar um passeio?”
“Sim. Senhorita.” (Grey)
Chloe e Grey começaram a caminhar lentamente como se estivessem observando a cidade movimentada. Havia uma montanha de coisas que ela queria dizer a ele, e estava claro que Grey faria o mesmo. Mas Grey não perguntou nada. A disposição de não sobrecarregá-la a menos que ela abrisse a boca era a mesma que nos velhos tempos.
“Grey, seria melhor você comer antes que o sorvete derreta. O sol aqui é tão quente quanto em Verdier.”
“Mas isso é da dama.” (Grey)
“Não. Comprei para te dar.”
“… obrigado.” (Grey)
Chloe o observou comer cuidadosamente o sorvete e riu. Não estava mentindo quando disse que só vê-lo comer a fazia se sentir bem.
“Se me olhar assim… não vou conseguir comer porque fico envergonhado.” (Grey)
Uma timidez juvenil passou pelo rosto de Grey enquanto ele franzia a testa e abaixava um pouco a cabeça. Chloe de repente sentiu que seu coração estava acelerado pelo fato de que sua essência não tinha mudado mesmo que sua altura tivesse aumentado e seus ombros tivessem se alargado de maneira confiável. Foi como encontrar um tesouro por acaso sendo uma criança. Era uma mistura de tristeza, alegria e felicidade.
“Dizem que a Sra. Stella ficou muito impressionada com seu sermão, mas, na verdade, ninguém sabe que você é tão tímido.”
Quando Chloe disse com um sorriso como se estivesse brincando com ele, Grey abriu a boca suavemente como se estivesse falando consigo mesmo.
“Porque não há razão para ficar nervoso na frente das outras pessoas.” (Grey)
Chloe de repente parou de caminhar e observou o perfil de Grey, que estava tão nervoso que nem conseguia olhá-la, e depois voltou a andar, abrindo a boca com naturalidade.
“Este lugar é tão diferente de onde costumávamos morar, né?”
Uma mulher que estava negociando com um cliente masculino no mercado e gritando alto sorriu brilhantemente e o beijou na bochecha quando terminou de falar. As pessoas estavam agitadas e as ruas estavam cheias de emoções. Os amantes no auge compartilharam um beijo profundo na frente da fonte, ignorando o olhar dos outros.
“Sim. Diferente.” (Grey)
“Quando vejo as pessoas aqui, sinto que realmente vivem suas vidas fielmente todos os dias. Em vez de se preocupar com o futuro, fazem o melhor que podem para viver felizes hoje.
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