Capítulo 9 – Damien

Damien leu a carta, que tinha lido rapidamente inicialmente, e então a releu mais lentamente. A carta de Chloe não diferia das que ela havia enviado até agora. Sua caligrafia era clara e o uso das palavras era apropriado.

Não havia agitação em nenhum lugar no conteúdo ao relatar o que aconteceu no território e expressar gratidão ao Duque. À primeira vista, parecia muita retórica (especialmente na parte que elogia as realizações de Damien), mas, mesmo assim, seus sentimentos pessoais eram extremamente comedidos e sem alma. Exceto por uma parte.

Ele soltou um pequeno sorriso ao abrir a gaveta da escrivaninha e deixar a nova carta na pilha de cartas. O final de inúmeras cartas que ela enviou até agora sempre terminava com o mesmo nome… chloe Verdier.

Damien se apoiou na janela e sorriu baixinho. Era assim que ela o provocava. O envelope da carta dizia claramente Duquesa de Thisse, mas na assinatura no final da carta, Chloe nunca havia escrito o sobrenome Thisse.

Damien olhou para o jornal que a Marquesa Isabella havia deixado quando o visitou há pouco. O ‘Véu Vermelho’, que apresentava ele mesmo e Isabella na capa, provavelmente teve um bom lucro.

‘O que Chloe pensou ao ver isso? Talvez ela tenha se sentido envergonhada. Já que é uma pessoa que vive com dignidade e normas, chorou porque não pôde suportar essa vergonha? Não. Como de costume, ela deve ter contido as lágrimas com os olhos bem abertos, como uma colher de creme misturado com chocolate. Nem mesmo sabia que isso estimula ainda mais os humanos como ele.’

Damien sentiu o sabor do álcool na base de sua língua cada vez mais profundo. Estava claro que a mesa da pessoa que exagerou a aparência dele e de Isabella seria farta hoje. A história de um romance entre a Marquesa, que se tornou famosa graças ao falecido marido que deixou uma grande fortuna, e o jovem e capaz Duque, era um artifício conveniente para atrair a atenção das pessoas.

Fuishhh! Damien virou o jornal e verificou a última página. Havia também um artigo claro sobre os recentes gritos ouvidos do porão do Palácio Real. Também havia rumores de que as servas e os servos estavam morrendo com todo o seu sangue extraído.

Ninguém lia abertamente os boatos de terceira categoria que ele estava financiando. Mas, pelo menos, todos os aristocratas que conheciam os fatos guardavam esse jornal em segredo em suas casas.

No meio dos rumores sobre a grave doença do Rei, a posição de Johannes na família real parecia se fortalecer. Era natural que a opinião pública em relação a ele desvanecesse, já que o Duque Thisse, um herói de guerra, o melhor homem de negócios do reino atual e filho de uma Princesa, estava obcecado por mulheres. Deus perdoaria as indiscrições do Duque com sua amante, mesmo durante a lua de mel?

Após a guerra, os fazendeiros e comerciantes que conseguiram sobreviver estavam ativamente recebendo as notícias provocativas das pessoas de alta classe. A família real havia anunciado oficialmente que aqueles que imprimissem esse jornal seriam severamente punidos por espalhar boatos não confirmados.

Damien também estava muito ciente de que a razão para não realizar uma busca em grande escala era que ele ocasionalmente vazava notícias que se adequavam ao gosto da família real.

Tak, tak. Damien pensou em Chloe, seus dedos batiam na mesa onde o jornal estava estendido. Ele se perguntou no que ela estava pensando.

Se ele pudesse entender a sequência de pensamentos que ocorrem em sua pequena cabeça, sentia como se pudesse fazer qualquer coisa.

“Acho que o Duque quer poder.”

Aquela mulher, que sempre o evitava ou baixava o olhar e ocasionalmente o encarava e soltava algumas palavras, fazia algo intolerável borbulhar em seu estômago. Pegou os luvas de pele de carneiro que estavam cuidadosamente colocadas sobre a mesa em suas mãos. As veias azuis apareceram no dorso de sua grande mão quando ele apertou as luvas que ficaram completamente amassadas por sua mão.

Sempre que pensava nela, tinha vontade de agarrar algo. Se pudesse, seria melhor segurá-la com força, mas sentia que ela se quebraria se a segurasse com muita força. Não. Ela preferiria se dobrar, mas não se quebraria facilmente.

Damien se lembrou do momento em que a viu pela primeira vez. Foi o dia em que teve que se retirar com uma grande quantidade de soldados feridos, quando conseguiu encontrar um dos senhores locais que estava de guarda.

Naquela noite, quando os gemidos dos moribundos não cessavam nos alojamentos, Chloe estava ao lado da cama de um soldado que oscilava entre a vida e a morte.

Ainda se lembrava claramente do que ela disse enquanto segurava a mão de um soldado que chamava pela mãe em um estado mental confuso diante da morte.

“Meu filho. Meu orgulhoso filho. Sua mãe te ama muito.”

Chloe ousou agir como uma mãe para um soldado moribundo. Era absurdo pensar nisso agora, mas o que o deixou ainda mais sem palavras foi o fato de que o soldado, que flutuava entre a vida e a morte, suportou a noite e finalmente acordou.

“Que loucura.”

Foi surpreendente o suficiente para fazê-lo amaldiçoar mesmo agora. Damien mais uma vez confirmou que a força mental humana pode exceder os limites do corpo.

“Desculpe, mas vou passar.”

Naquela noite, a mulher que passava muito ocupada ao lado de Damien e que tinha vindo inspecionar o alojamento dos feridos parecia jovem o suficiente para pensar que mal passava dos vinte anos. Ela també mancava visivelmente de uma perna, mesmo usando uma bengala. Foi então que emoções estranhas atingiram seu estômago.

‘Fiquei incomodado com essa mulher.’

Incomodou-o que ela se oferecesse para ajudar os outros com uma condição física que não seria estranha mesmo se estivesse misturada com os feridos, e a expressão tranquila em seu rosto mesmo em uma situação indesejada ofendeu seu coração.

Alguns dias depois, quando a viu novamente na floresta, a realidade da emoção estranha ficou evidente. Se a mão que segurava a cesta não tremesse, Damien não teria se convencido de que ela o temia. Sua garganta secou quando pensou em Chloe, que nunca mostrou lágrimas mesmo quando sua voz estava cheia delas.

Damien sabia que tinha uma visão profunda da natureza da mulher. Ao mesmo tempo, ele novamente se conscientizou do fato de que sentia um instinto de caça por esse tipo de ser humano. Por exemplo, um tipo ereto que não busca simpatia, por mais que o pisem.

Ele se lembrou do pequeno quarto que se parecia com ela. O piano, que era antigo, mas não acumulava um único grão de poeira como se sempre o tivessem limpo e polido. Quando ele se lembrou do romance policial que estava ao lado de um livro de um filósofo ascético¹ na mesa, ele involuntariamente riu.

A velha boneca de pano, sentada tranquilamente na cama, provavelmente era um presente de sua falecida mãe. Os padrões das cortinas, as mantas da cama e as almofadas do sofá tinham uma cor ligeiramente diferente, mas o formato do bordado era completamente consistente.

Um quarto onde nada estava sem seu toque. Era um mundo pequeno que parecia conter a vida de Chloe Verdier. Naquele quarto, a mulher teria feito uma pequena pausa tocando piano, lendo calmamente romances policiais enquanto estudava os pensamentos de um filósofo conservador. Ela teria bordado em um lugar onde a luz do sol entrava e cobria seu pequeno mundo cheio de suas próprias pegadas.

‘O que ela pensou enquanto bordava o padrão de Thisse em suas luvas?’

Damien se lembrou da lembrança mais agradável que aconteceu ali. A aparência dela usando as joias que ele lhe deu, tremendo e beijando-o com desprezo enquanto derramava lágrimas em silêncio, foi uma das memórias mais agradáveis que ele já experimentou.

O momento em que ele sentiu uma sensação semelhante foi quando apunhalou o coração do Comandante inimigo que o havia atingido há alguns anos.

Mas seu pequeno prazer não durou muito.

Originalmente, era alguém bom em se objetivar. Ele se cansaria de ver uma mulher ajoelhada e implorando três ou cinco vezes. Mas não importava. Já tinha o bastante deste casamento.

No bosque das terras particulares de Verdier, a água que fluía da montanha árida brilhava estranhamente. Se a fonte desse brilho era uma mina, era uma pena para o Visconde de Verdier, que sofria de dívidas, mas também era culpa daquele homem que não reconheceu o ouro diante dele.

Ele nunca parou de fazer o que se propunha. O mesmo aconteceu com este casamento.

Damien abriu a mão lentamente e viu a luva amassada dentro dela. Umedeceu os lábios ressecados com a língua ao imaginar a mulher encarando fixamente o padrão do abedul branco enquanto bordava ponto a ponto. Ela tinha o hábito de abrir levemente os lábios quando estava concentrada. ‘Da próxima vez, pensou que deveria trancá-la em um quarto e fazê-la bordar o dia todo. Depois que ela ficar sem tecido para bordar, poderia muito bem pedir que bordasse seu corpo.’

Se lembrando de sua respiração cuidadosa enquanto costurava o ferimento em sua pele rasgada pela besta, Damien fechou suavemente os olhos e depois os abriu. Ir embora sem passar a primeira noite com ela foi sua última generosidade com Chloe Verdier. Foi uma consideração para não quebrar seu pequeno corpo.

Ele pegou as luvas e foi para o quarto. No dia seguinte, era o dia de sua audiência com o Rei, que não aparecia em público há três meses. Uma emoção agradável envolveu seu corpo ao pensar que estava um passo mais perto do momento que esperava.

Frente ao quarto do Rei localizado na parte mais profunda do palácio, Damien olhou fixamente para a porta bem fechada. Três meses atrás, a condição do Rei que desmoronou enquanto comia era altamente confidencial, mas pelas circunstâncias no Palácio Real, era seguro dizer que sua condição não era boa.

“Diga que entre.”

Apareceu o servo e o conduziu com cautela. Damien entrou no quarto, onde o cheiro da morte estava profundamente impregnado.

“Damien. Venha aqui.” (Rei)

O Rei ergueu a mão com um rosto mais demacrado do que quando Damien retornou da guerra e teve uma audiência pessoal com ele pela última vez. Ao ver suas mãos ossudas se moverem debilmente, Damien instintivamente sentiu que provavelmente restava menos dias de vida do que imaginava. Era questionável se ele conseguiria viver mais meio ano, no máximo.

“Não passará muito tempo antes de Deus me chamar para seus braços.” (Rei)

Damien falou em um tom que não estava misturado com emoções, nem positivas nem negativas, sobre o que ele disse.

“A razão pela qual me ordenou entrar no palácio é porque tem algo para me pedir que faça.”

O Rei riu levemente. Seu sobrinho era muito melhor que seu pai. Podia ter um coração tão frio que julgou com precisão a situação na guerra e finalmente deu a vitória ao reino. Também é verdade que desejava que seu filho Johannes se parecesse pelo menos pela metade com seu primo Damien. Mas agora se sentia afortunado por ter um homem talentoso como Damien ao lado do Príncipe.

“Mesmo que eu vá, acredito que servirá bem a Johannes.” (Rei)

A força militar de Johannes, a quem criou como seu sucessor, foi herdada de sua linha materna. Era um segredo conhecido por muito poucos que ele estava doente, e também era algo que seria mantido em segredo até sua morte.

“Damien, me prometa. Aliviará o fardo que coloquei nos ombros desse pobre menino. Jura diante de Deus que servirá ao Rei com toda a sua lealdade, como sempre fez.” (Rei)

Damien olhou para o Rei deitado na cama e finalmente abriu a boca lentamente.

“Se houver um Rei a quem eu possa servir, o farei.”

As pálpebras enrugadas do Rei tremeram.

“… é seu dever como súdito leal servi-lo porque ele é o Rei, Damien.” (Rei)

“Então o futuro do país será brilhante.” Damien inclinou a cabeça e sussurrou enquanto olhava nos olhos dele. “Um país governado por um Rei louco.”

“Você… desgraçado…!” (Rei)

A mão de Damien cobriu a boca do Rei. O servo atrás da cortina não podia entrar até que recebesse a ordem do Rei. No momento em que os olhos atônitos se chocaram com os olhos azuis de Damien, o Rei compreendeu imediatamente a verdade que estivera escondendo.

“Mesmo que o Príncipe não tenha defeitos, é impossível garantir se eu poderia servi-lo ou não. Se eu me curvar a alguém pior do que eu, sai água amarga do meu estômago.”

O aperto de Damien era enorme. Ele pensou que seria suficiente para esmagar o queixo imediatamente, mas o Rei tentou se recompor. Foi apenas um arrependimento tardio que deveria ter eliminado os rebentos quando era jovem.²

“É verdade que lutei no campo de batalha arriscando minha vida pelo bem do meu país.”

O filho de Thisse, que se alistou no exército desde jovem, dedicou sua lealdade ao país e financiou o Palácio Real com enormes quantias de impostos, cresceu como uma serpente com um veneno mortal enquanto o Rei idoso e doente estava deitado em uma cama, esperando que sua vida terminasse, enquanto o Príncipe imaturo e fraco confiava no Duque para tudo.

“Porque é meu reino.”

Mesmo quando pronunciou tais palavras perigosas de rebelião em seus lábios, ele não moveu um único cílio. Damien soltou sua mão, mas o Rei estava tão atônito que não conseguiu dizer nada.

“Não é justo que quem se senta no trono deve ser qualificado e digno dele, Sua Majestade?”

“Desde quando… desde quando você nutre esse tipo de ambição?” (Rei)

O velho Rei não podia entender. O pai de Damien, o anterior Duque Thisse, era uma pessoa leal. Se casar com a irmã do Rei também era atribuído em grande parte ao fato de que ele era um soldado com um forte espírito profissional. ‘Quem é aquele que implantou pensamentos tão impuros em seu filho? Sua irmã, a mãe biológica de Damien, era fraca e nunca expressou seu interesse ou ambição pelo poder.’

Damien respondeu ao Rei, que o olhava com uma expressão de incredulidade em seus olhos tremulantes.

“Desde que nasci.”

Somente então o Rei conseguiu reconhecer adequadamente a existência diante dele. O instinto de Damien era o de um pisoteador. Ninguém o educou assim, mas ele nasceu assim.

Se pudesse voltar no tempo, teria matado Damien quando ainda era um feto e se livrado dele. O Rei, que percebeu que já era tarde demais, tinha um medo tardio em seus olhos.

“Se você terminou com as perguntas, posso me retirar, Sua Majestade?”

“Damien…!” (Rei)

Damien, prestes a se virar, parou quando o Rei o chamou com urgência. O Rei falou cuidadosamente com seu sobrinho com uma voz séria que continha sua última esperança.

“Prometa-me que não fará nada para prejudicar Johannes. Ele é de sua carne, Damien. Por favor, pela segurança dele…!” (Rei)

“Se não quiser ver sangue, Sua Majestade pode tomar decisões sábias.”

“O que você quer dizer?” (Rei)

“Digo que pode reconhecer os defeitos do Príncipe e me nomear seu novo herdeiro.”

Damien se divertiu vendo o sangue se acumular nos olhos do Rei. Foi uma experiência muito interessante ver o momento em que todas as suas esperanças se transformaram em desespero.

Em outras palavras, era apenas um desejo como pai, não como Rei do país, estabelecer uma pessoa que não estava qualificada desde o início como sucessor.

“Esse tipo de insulto… ao Johannes… está me dizendo para fazer isso com meu filho com minhas próprias mãos…?” (Rei)

“É a decisão certa como Rei de um país, não como pai de um filho.”

O Rei pôde sentir intuitivamente quanto tempo Damien esperou por isso. A situação atual com os nobres do parlamento que honram o jovem Duque, o Rei idoso e doente prostrado em uma cama e esperando que sua vida termine, enquanto o Príncipe imaturo e fraco confia no Duque para tudo.

“Poderia convocar uma reunião do parlamento e puni-lo por traição, Damien.” (Rei)

Damien mostrou um sorriso indulgente ao Rei que havia tirado sua última carta da manga.

“Então você verá o que é uma traição real.”

Ao ver os lábios do Rei tremendo, Damien inclinou a cabeça para apresentar sua cortesia e depois se endireitou. O Rei ainda não conseguia se acalmar, tremia mesmo quando seu servo, chamado por Damien, veio e olhou para seu Rei com segurança.

“Deixarei que veja primeiro o pescoço de seu filho na guilhotina.” O sussurro subsequente de Damien ressoou na mente do Rei.

1. Pessoa que vive isolada, cultivando o espírito.[↩]
2. Assassinado antes de se tornar adulto.[↩]