No coração da floresta, escondido dos seus inimigos, o irmão mais velho do grupo de híbridos estava sentando de frente para o corpo de seu irmão mais novo. Ele estava há minutos naquela posição estática, não se movendo por nada nesse mundo. 

    — Finalmente achei você — disse uma voz familiar vinda da mata. Era o irmão do meio, com o ombro ferido enfaixado. — Estou te procurando já faz muito tempo.

    O irmão mais velho nada disse, apenas continuou estático, como se estivesse esperando o caçula voltar a vida. 

    — Ei, você, está meu ouvindo? — perguntou o primata lerdo, balançando o ombro do irmão atrás de alguma reação, mas sem sucesso. — Nossos outros dois irmãos foram combater os inimigos. Deveríamos fazer algo.

    — Eles já devem estar mortos nesse ponto — disse o hibrido mais velho de maneira curta e grossa, sem qualquer resquício de empatia.

    — O que você está falando? Está louco? — O preguiçoso ficou espantado com a fala do irmão. Nunca, em nenhum momento de sua vida, havia visto o irmão agir dessa maneira. — Vamos, temos que ajudá-los ou algo pior pode acontecer.

    — O pior já aconteceu, irmão. — O macaco lerdo podia ver as lagrimas caírem pelo rosto paralisado do primogênito. — O melhor de nós morreu hoje, o mais puro, morto de uma forma tão estupida…

    “Ele é um caso perdido. O melhor que posso fazer agora é levá-lo junto comigo até o ninho, é a única chance que temos.” pensou o irmão do meio, segurando as lagrimas. Ele carregou o irmão mais velho em seu ombro bom, e o guiou pela mata fachada, onde não seriam avistados pelo inimigo. 

    A centenas de metros dali, o grupo de vigilante, usando de seus conhecimentos de primeiros socorros ensinados na agência, trataram dos ferimentos de cada membro do grupo. A embarcação, mesmo avariada, ainda podia se mexer e Poti a pilotou até um local seguro de difícil detecção. Nesse meio tempo, Maycon acordou, trazendo alivio a todos no grupo.

    — Então foi isso que aconteceu… — disse Maycon, após escutar a explicação da irmã sobre tudo que havia ocorrido desde que o irmão desmaiou. Aline estava com a perna enfaixada. — A culpa foi minha. Eu agi por extinto e acabei causando um confronto que poderia ser evitado. 

    — Me faz um favor, Maycon, cala a porra da boca e descanse — disse Poti, que havia se recuperado de todos os ferimentos após a metamorfose. — Não tem como mudar o passado. O que aconteceu, aconteceu. 

    — Verdade, não pode se culpa pelo que aqueles animais fizeram — disse Aline, tirando a faixa da cabeça de Maycon. — E o você Vidal, está se sentindo bem?

    Vidal, que também tinha tido a cabeça enfaixada, surpreendeu a Aline com a velocidade com que havia se recuperado dos ferimentos. A maioria dos hematomas já havia se curado por completo.

    — Ah! — disse Poti, chamando a atenção de Aline. — Esse garoto é duro na queda, não precisa se preocupar com ele.

    — Ehrm… — Vidal ficou claramente envergonhado com os elogio proferidos por seu parceiro vigilante. — Não é para tanto assim.

    As horas passaram, levando consigo a luz já escassa na floresta, restando apenas o farol da embarcação como a única fonte de luz viável no meio daquele breu. Era possível escutar o coaxar dos sapos e outros sons emitidos pelas criaturas da floresta.

    — Eu fico com o primeiro turno da noite — disse Poti. Os vigilantes combinaram entre si de revesarem entre turno para montar vigia do lado de fora da embarcação. Além dos inimigos óbvios, tinha também as criaturas desconhecidas que espreitavam pela mata. 

    — Vou junto com você — disse Maycon, levantando-se da cama com um certo esforço. 

    — De jeito nenhum! — disse Aline, em um tom ditatorial. — Você precisa descanchar. 

    — Relaxa general, eu vou apenas trocar um papo de adultos — disse Maycon de um jeito brincalhão, descontraindo o clima pesado que estava dentro daquele cubículo. — E olhe como fala. Eu posso ser um idiota, mas ainda sou seu irmão mais velho.

    Os dois vigilantes veteranos saíram do comodo, deixando apenas Aline e Vidal a sós, cada um deitado em um canto do beliche. 

    — Vidal, você está dormindo — perguntou Aline, quebrando o silêncio incomodo deixado após a saída dos dois vigilantes. 

    — Hum-hum… — resmungou Vidal, confirmando a suspeita de Aline. 

    — Você e Poti são muito próximos, não são?

    — Temos uma relação amigável, se pode se dizer assim.

    — Engraçado… eu já me encontrei com ele diversas vezes enquanto trabalhava com meu irmão, mas não sei nada sobre ele e seu passado. Maycon disse que também não sabe, mas eu acho que ele mentiu para mim.

    — Ele nunca me contou nada, e eu também não tenho interesse em saber. As pessoas gostam muito de julgar os outros pelo seu passado.

    — Verdade…

    Do lado de fora da embarcação, Maycon e Poti estão sentados com as costas encostadas na cabine de piloto enquanto encaram o céu estrelado. 

    — Esse dia foi por pouco — disse Maycon, logo após puxar uma boa quantidade de ar para seus pulmões.

    — Verdade — disse Poti, sem adicionar nada sobre. 

    — Obrigado, por cuidar da situação enquanto eu estava desmaiado — disse Maycon com a cabeça baixa, como se estivesse com vergonha por agradecer a Poti. 

     — Hump! O tempo te deixou mais molenga para ficar agradecendo aos outros? — perguntou Poti em tom cômico.

    — Vai se fuder! — xingou Maycon, deixando escapar um sorriso no rosto. Os dois riram por bons segundos. — Sobre o garoto…

    — O que tem ele? — perguntou Poti, mudando de expressão abruptamente.

    — Quando estávamos falando com o diretor, ele disse que conhecia o pai do rapaz.

    — E o que tem? — perguntou Poti, claramente desconfortável com o assunto que Maycon havia trazido para a conversa. 

    — Nada, eu só fiquei curioso para saber quem é o pai do garoto, nada mais… — disse Maycon, tentando disfarçar sua curiosidade incontrolável. 

    — Você não vai para de me encher o saco até eu contar, não vai? — perguntou Poti, já sabendo da resposta. 

    — O que você acha? — indagou Maycon, com um sorriso malicioso no rosto. 

    — Argh! — Poti respirou, controlando o impulso de socar a cara do aliado ao seu lado. — O pai dele é Jake Rocco.

    — Jake Rocco, o Unstoppable? — perguntou Maycon, demonstrando grande supressa. — Esse cara é lendário. Diziam que ele podia acabar com qualquer um com apenas alguns socos bem dados, isso se ele não estivesse usando suas manoplas. Mas vem cá, ele não é americano? 

    — Ítalo-americano.

    — Tanto faz, porra. Não vai me dizer que o moleque é fruto das “saidinhas” do Jake quando veio cumprir missões aqui.

    — Não, o garoto não é um bastardo! — disse Poti, furioso.

    — Eu não quis dizer com essas palavras, mas como voc-

    — Já chega, acabou a conversa. É melhor você ir para cama logo, já está delirando — disse Poti, interrompendo a fala de Maycon.

    — O garoto é adotado, então? — Maycon apenas ignorou a sugestão do companheiro vigilante. 

    — Sim — disse Poti, com um pesar no coração. — Vidal perdeu a mãe e o seu pai o abandonou. Por sorte ou destino, Jake acabou o adotando.

    — É ser atrevido demais querer saber o porquê do pai biológico do garoto ter abandonado ele? 

    — Sim, demais. 

    — Tem a ver com os poderes dele, não é? 

    Poti ficou em silêncio, ignorando a pergunta do parceiro vigilante, porém, Maycon já sabia da resposta.

    — Hump! — Maycon, cuspiu no rio. Sua face estava marcada com uma expressão de desgosto. — É sempre assim. Quando a criança demonstra os primeiros sinais de possuir alguma habilidade sobre-humana, os parentes são os primeiros a abandoná-las, deixando por conta própria no mundo. Conheço vários casos como o do garoto.

    — Não, o caso dele é único — disse Poti, sem tirar os olhos da lua cheia que marcava o céu estrelado. 

    Maycon encarou o companheiro em silêncio com um semblante de dúvida, mas controlou a sua curiosidade e permaneceu calado o resto da noite. 

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