A iluminação precária e a neblina espeça fazia ser quase que impossível ver qualquer coisa no horizonte dentro das vielas estreitas da cidade, onde o grupo de vigilantes era guiado pelo híbrido.

    A medida que adentravam cada vez mais fundo nas vielas, o grupo podia perceber o que havia restado da civilização que residia ali. Bicicletas, brinquedos infantis, roupas ainda estendidas nos varais e entre outros resquícios de humanidade deixada pelos antigos residentes daquelas ruas, antes cheias de vida, agora abandonadas.

    O silêncio reinava naquele local, apenas sendo possível ouvir os passos do grupo e a brisa suave que passava por cima das cabeças dos vigilantes. As paredes das residências, antes coloridas, agora estavam descascadas e já haviam perdido a sua cor, restando apenas uma tonalidade cinza que varia entre o claro e o mais escuro quase que completamente preto. 

    — Meu Deus… — disse Vidal, ao passar por uma casa que estava com a porta escancarada, possibilitando o vigilante ver o interior da residência, percebendo manchas de sangue e uma mala aberta por onde peças de roupas e outros utensílios haviam caído e acabando espalhados por todo o chão. — Fico imaginando pelo que essas pessoas passaram…

    — É melhor nem imaginar — disse Poti, tentando ignorar todo aquele rastro de destruição deixado há anos atrás. — Tente manter o foco na missão.

    Mais na frente de Poti e Vidal, Aline andava próxima de seu irmão e do prisioneiro, tentando aos poucos se aproximar do híbrido atado.

    — Stalker, certo? — indagou Aline, quebrando o silêncio entre os três.

    — Correto — respondeu o hibrido, virando a cabeça em direção a Aline, que estava logo atrás de seu ombro esquerdo. 

    — E qual é o seu real nome, você se lembra? — indagou a vigilante, já imaginando a resposta.

    — Como assim meu nome real? — perguntou Stalker, confuso com a pergunta inesperada. — Stalker, foi o nome que me deram. Não existe outro além desse. 

    — Estou me referindo ao seu nome de nascença — disse Aline, com um tom calmo e sereno, como se tentase acalmar os ânimos do prisioneiro. 

    — Aline… — cochichou Maycon, puxando sua irmã pelos braços. — O que está fazendo?

    — Relaxe e me deixa trabalhar! — murmurou Aline, se desvencilhando das mãos ásperas do irmão. 

    — Nome de nascença, hein? — indagou o hibrido, extremamente confuso com a pergunta que parecia tão simples para a humana que havia lhe perguntado. 

    — Sim, o nome que seus pais lhe deram — disse Aline, ficando surpresa com o olhar de confusão que o hibrido lhe deu. 

    — O nome… — disse o hibrido, dando uma pausa na sua fala para engolir em seco. — que meus pais me deram?

    — Isso, por que a supressa? 

    — Bem, é que eu não me lembro do nome que meus pais me deram. Na verdade, eu não me lembro de quem eram meus pais — disse o hibrido. Sua mente estava confusa, com um emaranhado de ideias correndo por ela. Ele forçava se lembrar de alguma coisa relacionada ao seu passado, mas a unica coisa que conseguia lembrar era do período depois que ele havia chegado ao ninho, como se não existisse nada antes disso em sua vida. Isso o perturbava profundamente.

    — Qual é a sua primeira memoria, consegue me dizer? — indagou Aline, percebendo a confusão do prisioneiro.

    — A minha lembrança mais antiga é acordar em uma cama, com o mestre de pé ao meu lado falando alguma coisa incompreensível. Existe um espaço gigantesco entre essa minha primeira memoria e a segunda, como se as minhas memórias tivessem sido apagadas… — disse o hibrido, com um tom melancólico. Ele sentia tristeza e, ao mesmo tempo raiva por nunca ter percebido isso. — Você sabe o porquê disso?

    — Eu tenho uma ideia — disse Aline, antes de Maycon a afastar do prisioneiro.

    — Certo, certo, a sessão de terapia acabou por agora — disse Maycon, puxando a corda presa ao híbrido como se tentasse fazer ele voltar a realidade. — Para onde agora, lagartixa?

    A viela que o grupa seguiu havia finalmente chegado a fim. Nada podia ser visto do outro lado de onde o grupo estava, além de uma rua que cruzava a saída da viela e era engolida pela neblina. 

    — Aqui vai ser um problema. Eu posso estar enganado, mas esse é um ponto onde deve haver um grupo de vigia, assim como o que eu participava — disse Stalker, usando de sua visão melhorada em comparação aos vigilantes para captar algum sinal de outros híbridos do outro lado da rua. 

    — Pera aí, deixa eu ver se entendi: você ACHA que tem outros híbridos aqui perto ou TEM CERTEZA? — indagou Maycon, rangendo os dentes. 

    — Olha… eu não tenho certeza, posso estar enganado… — disse o hibrido, antes de ser imprensado contra a parede por Maycon, que segurava o hibrido pelo pescoço. 

    — Eu disse que não queria brincadeiras, não disse?! — disse Maycon, furioso, enquanto estrangulava o hibrido. — Se você estiver pensando que vai me enganar ou algo do tipo, fique sabendo que vai falhar miseravelmente e vai acabar morto em alguma viela dessa cidade, você me entendeu?!

    — Já está bom, Maycon. Vai acabar matando ele — disse Poti, segurando o ombro do seu parceiro veterano.

    Maycon tirou a mão do híbrido, que estava suspenso na parede e caiu no chão de joelhos, tossindo e inalando o máximo de ar que seus pulmões eram capazes de suportar. 

    — E-eu não estou brincando. Os grupos de vigias são designados para locais diferentes toda hora. Esse é um dos pontos usados, mas faz tanto tempo que não venho para essa região que possa ser que já não seja mais usado pelos grupos de vigias, mas não é certeza — disse o hibrido, cuspindo no chão. — O que eu tenho certeza é que toda a legião deve estar em alerta máximo, então não duvido que tenha algum grupo de vigia aqui por perto. 

    — Existe alguma rota alternativa que podemos usar para chegar ao rio? — indagou Poti.

    — Não, não que eu conheça. Temos que atravessar essa rua passar por mais uma quadra até chegarmos ao rio, apenas isso — disse Stalker, apontando em direção ao outro lado da rua. 

    — Não podemos atravessar se tiver um grupo de vigia do outro lado, não podemos arriscar outro confronto — disse Aline. — E então, o que vamos fazer?

     Alguns segundos de silêncio se passaram. Maycon segurava a ponta do queixo com uma das mãos, pensativo, levando em consideração diversas possibilidades até finalmente chegar a uma conclusão.

     — Você… — disse Maycon, apontando para o híbrido. — de pé, vamos. 

    Stalker obedeceu às ordens do vigilante sem pestanejar. Levantando-se e sendo guiado por Maycon até a estrada. 

    — Está vendo o meio-fio do outro lado da rua? — indagou Maycon, apontando em direção a nevoa.

    — S-sim, estou vendo — respondeu o hibrido, sem dificuldade para enxergar o ponto quem Maycon indicava. 

    — Aquele é o limite até onde você pode ir — disse Maycon, desembainhando sua faca e cortando a corda que conectava ele ao híbrido, assim como o laço que prendias as mãos do prisioneiro. — Se você cruzar aquele meio-fio, ou tentar fugir do meu campo de visão, eu vou colocar uma dessas aqui dentro da sua cabeça — disse Maycon, mostrando uma esfera de metal para Stalker, que suava frio. 

    — E o que eu tenho que fazer depois de chegar lá? — indagou Stalker, tremendo de medo. 

    — Você vai chamar seus amiguinhos que supostamente estão pelas redondezas, e vai convencer eles a irem até você — disse Maycon, apertando o ombro de Stalker. — Quando todos estiverem reunidos, eu vou eliminar todos de uma vez, como fiz com os seus parceiros, lembra? 

    — S-sim — respondeu Stalker, sem tirar o olho da espera de metal na mão de Maycon.

    — Excelente — disse Maycon, dando um tapinha de leve nas costas do híbrido. — E não precisa se preocupar em ser atingido, minha mira é perfeita. Estamos combinados? 

    — S-sim, estamos. 

    — Perfeito.

    Maycon ia se distanciando de Stalker, até o hibrido chamar sua atenção.

    — C-como quer que eu chame a atenção do grupo de vigia? — indagou Stalker, suando frio.

    — Grite, assovie, ou xingue as mães deles, não me importo. Apenas faça o que disse — respondeu Maycon, virando-se de costas para o híbrido e indo até a viela onde o restante do grupo estava. 

    — O que você disse para ele? — indagou Poti, vendo Maycon se aproximar aos poucos.

    — Apenas observe — disse Maycon, agachando-se ao lado do companheiro veterano, com o ombro encostado na parede cinza e descascada da viela. 

    O grupo de vigilantes encarou o hibrido ao longe, conseguindo ver nada mais que a silhueta do Stalker, que estava no exato local que Maycon havia lhe indicado. Ele ficou ali por alguns segundos, como se estivesse refletindo sobre quais deveriam ser seus próximos passos.

    — Alguém, ajuda, por favor! — berrou o hibrido, mudando sua postura logo em seguida, simulando que havia sido atacado e que estava com o braço direito machucado. — Os invasores estão por aqui, por favor, ajuda!

    Por um curto período de tempo que mais parecia ter sido horas, Stalker permaneceu no mesmo canto, gritando de tempo em tempo por ajuda, enquanto fingia estar machucado.

    “Pelo jeito eu me enganei. Não tem nenhum outro híbrido nas redondezas” pensou Stalker, já aliviado. Ele já estava pronto para dar meio volta e voltar para a posição onde os vigilantes estavam posicionados, mas antes mesmo dele dar um passo, trés híbridos surgiram em meio a névoa e, a passos curtos, foram ao seu encontro.  

    — Identifique-se! — ordenou o hibrido maior entre os outros três. 

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