Capítulo 1: Mãos que Mudam o Mundo
— Está sentindo o chão? — Render perguntou ao filho. — Pise com mais cautela. Eu te ensinei isso quando era mais novo. Precisa deixar a Energia fluir para que possa se mexer com mais simplicidade.
A sola de seu pé arrastou em um semicírculo e parou. Ainda com os dois braços dobrados para dentro, mantinha a base com seus punhos fechados. Os joelhos tensionados rangiam apenas quando ia adiante.
Dante respirou profundamente com o suor escorrendo pela testa e mais uma vez fez a rota que seu pai ordenava. Passou por um campo de bambus, tendo o velho Render em suas costas, sem dizer nada. Dante segurou a respiração e fez o arrastar da sola para a esquerda, depois para a direita, desviando, e permaneceu até soltar a respiração e girar completamente os calcanhares e fazer a volta.
— Perfeito — ouviu de seu pai, em suas costas. — Sua base está perfeita. Permaneça nessa postura por mais dez minutos agora. E reúna Energia Cósmica ao seu redor.
— Vai me atacar hoje também, pai?
Ouviu uma risada baixinha. Ele vai, certeza.
— Quantos anos está fazendo hoje, Dante? — Render passou ao seu lado, com o braço atrás das costas e com uma postura ereta. Sempre usava o robe escuro costurado, uma bota bem límpida e rasteira. Além das faixas no pulso e tornozelo. — São vinte e nove, não é? Eu não preciso mais te bater para que possa treinar a sério. Você tem feito isso por você mesmo, pelo seu objetivo. Gostaria que eu te batesse sem motivo?
E das últimas vezes que Render tinha tirado um dos bambus e o chamou para briga sem mais ou menos? Claro, seu pai tinha o mesmo desejo ardente de querer ser um dos Baloeiros quando era mais novo, proteger a civilização, mas isso não era motivo de bater nele pelos últimos 25 anos, certo?
Incerteza, Dante manteve-se na postura e não respondeu a pergunta. Esperou seu pai vir até sua direção e colocar as faixas em seus olhos. Ele girou o linho pesado ao redor de seu rosto algumas vezes e deu um nó descendo pela sua nuca.
— Está um pouco apertado?
— Não, pai. — Dante relaxou os ombros e abaixou um pouco o queixo. — Posso ir?
— Deve.
A perna direita moveu-se para frente e uma forte pressão culminou. Ele arrastou a perna esquerda, conseguindo um espaço de quase um metro, criando outro vendaval adiante. Repetindo o processo de volta, o peso era dez vezes maior sobre o seu corpo. A Energia Cósmica se reunia ao seu redor como se fosse um bloco de concreto, forçando tudo para baixo.
— A ‘Postura do Imperador’ tem essa força para forçar seu corpo até o extremo, filho. — Já tinha ouvido essa mesma sentença por muitos anos. — Ela mostra que ainda precisa ser lecionada. Está indo bem, filho.
Quantas vezes tinha o chamado de ‘filho’? Tinha perdido as contas. Esse não era algo normal. Dante parou no meio do caminho entre os bambus e girou para esquerda, brandindo o braço. Render ergueu o seu e bloqueou o golpe na mesma hora, como se não fosse nada. A pressão do ar atrás de seu pai balançou aquele campo com força.
— Continue.
O outro braço, indo adiante, e mais um bloqueio. Render deu um passo para trás, Dante pôde ouvir. E foi mais um pouco para frente, aumentando a velocidade e atacando com um chute forte de baixo para cima. Ao ser bloqueado e sua perna empurrada para o lado, girou no próprio eixo girando para frente e com um soco.
Render o parou mais uma vez, pisando em seu pé e o empurrando para trás. Mas antes de cair, Dante jogou os braços para trás, conseguindo um equilíbrio e chutou o ar com imensa força. Merda, usei força demais.
Sentiu o pé de seu pai saindo de cima do seu. Dante ficou de pé rapidamente, nervoso, e tirou as vendas. A luz do dia ofuscou um pouco sua visão, tapando os olhos com a palma. Quando se acostumou, observou seu pai ainda na mesma posição, mas o campo de Bambu completamente torcido para a lateral.
— Nossa família carrega essa força desde sempre, Dante — disse Render, encarando o terreno deformado pelo vento. — Aquelas criaturas chegaram faz quase duzentos anos. Os Felroz tem esse nome porque eles nunca fizeram nada além de atacar a gente. Eu vivi uma vida inteira querendo proteger sua mãe e sua irmã, mas tive você para aprender a sossegar a bunda aqui.
Dante ficou surpreso. Era raro seu pai falar sobre o passado. Ele se sentou na mesma hora, cruzando as pernas e ouvindo atentamente.
— Eu te treinei porque sei que tem o mesmo desejo que eu, filho. Eu não quero te perder para o mundo, nem quero te perder para os problemas que os Decaídos Reis querem se jogar. Esse fim de mundo ainda é nossa casa, mesmo que não tenhamos mais nada para lutar. Lá fora, as pessoas vão querer te falar o que fazer, e elas treinaram para fazer a mesma coisa que nós. O Placar ainda vive em todos os terrenos, e você me mostrou que aguenta mais do que eu um dia poderia aguentar. Ser espancado todos os dias, sem perguntar o motivo, sabendo que era por um bem maior, sem querer as respostas, isso me machucou bastante. Como pai, eu queria te falar a verdade, mas como um guerreiro quebrado, queria que não tivesse as mesmas falhas que eu.
A voz dele era cheia de dor e raiva, e não batia com a serenidade do seu rosto.
— Pai…
— Não existe nada que eu possa fazer agora para melhorar seu corpo e mente. — Render o encarou com um sorriso orgulhoso. — Tudo que eu sei é seu agora. Sua habilidade, você sabe mais dela do que eu um dia poderia saber, nós fomos abençoadas e agora temos um dever de proteger aqueles que são importantes para mim. ‘Conversão Muscular’ é o que aprendemos, mas teve que fazer tudo sozinho desde pequeno.
Dante sabia que sua habilidade era um desastre ambulante. Quando era pequeno, ele foi imitar seu pai com um soco, e criou uma pressão no ar que explodiu metade da sua casa. Dante ficou abismado, e com muito medo, ele poderia ter matado alguém, deu sorte por sua irmã e mãe estarem do outro lado.
Aquele dia, seu pai sentou e disse que sua força era diferente dos demais, e que deveria esconder e controlar para que ninguém corresse perigo.
— Eu entendo, pai. — Dante não fugiu do olhar dele. — Posso não ser muito inteligente igual à minha irmã, mas o senhor me ensinou a lutar direito. As outras pessoas têm habilidades diferentes, não é?
— Todos temos habilidades diferentes. Mas, você ganhou essa capacidade por ser meu filho. Não viemos de nenhuma família grande, nem mesmo somos conhecidos por nossos feitos, somos apenas pessoas normais. E agora, está na hora do ritual para sair do comum.
Viu Render esticar os dois braços violentamente para os lados e todo o ar vibrar, quebrando os bambus ao meio, as copas foram descendo, batendo contra o solo e deixando a luz do sol chegar até os dois presentes.
— Sua mente e sua habilidade estão em sincronia, agora precisará que seu corpo se adapte. Sua idade não importa porque seus inimigos não se importarão, seus aliados não te verão como um bom soldado. Sua importância está onde você deve estar, entendeu?
— Sim, pai.
— Fique de pé. — Render o esperou se levantar e se aproximar. — Nossos corpos são definidos pela Energia Cósmica, por isso esse ritual é importante. Precisamos que ela nos diga nossa missão, eu tenho essa aparência faz muitos anos, e mesmo que eu queira, não poderei mudar. Foi o presente que ganhei, e carregarei até a morte. Está pronto para receber o seu?
Dante engoliu em seco. Ele ficaria careca? Pior, poderia ficar calvo? Ou até mesmo muito gordo? Ele treinou tanto tempo para ficar gordo? Seria completamente ridículo. Não queria ficar gordo porque como lutaria com um corpo desproporcional?
Render segurou seu pulso com gentileza.
— Não precisa ficar assustado, filho. Sei que parece algo bem complexo, mas ele te dará o corpo que merece ter. Assim, poderá seguir sua missão.
Render ergueu o braço de Dante até o alto. A Energia Cósmica desceu velozmente e colidiu contra sua palma aberta. Seu braço, Dante sentiu um formigamento descer até seu pulso, depois antebraço e ombro. Tremia muito. Parecia que tinha agulhas o perfurando, seus músculos pareciam estarem sendo remodelados.
A dor estava o consumindo diretamente dentro de sua mente, obrigando a fechar os olhos, mas não iria deixá-la apagar sua consciência. Não vou ficar gordo só porque você quer. Dor era sinal de vida, seu pai ensinou isso muito bem. Enquanto sentisse dor, poderia lutar.
E brandiu sua voz ao receber a dor no peito, espalhando pelo pescoço, costas e nuca. Tremia descontroladamente no meio do campo de bambus cortados, e quando focou em seu pai, percebeu seu sorriso orgulhoso ainda a vista.
Não vou ficar gordo.
A luz se apagou dos seus olhos. E ele caiu deitado.
I
— Está um pouco frio agora, mas ele deve acordar a qualquer momento. — A voz de seu pai soou, mas ele não tinha aberto os olhos. Dante estava com medo. — Eu esperava que fosse algo diferente, mas chegou bem perto. Sua aparência não vai definir nada, Linda.
Sua mãe estava presente? Droga, se ela o visse de uma maneira ridícula como um corpo molenga ou feio, ficaria desapontada.
— O ápice do corpo dele é esse, não é? Eu estou mais do que orgulhosa de que nosso filho conseguiu ganhar de você. Quanto mais velho, mais forte, não é?
Velho?
— Bom, meu pai dizia isso — disse Render, com uma risada. — Vamos, filho. Levante. Sei que acordou.
Dante abriu os olhos e os mexeu para a direita, onde os dois estavam o encarando. Linda abaixou, e trouxe a mão até seu rosto, o fazendo carinho. O sorriso dela, amoroso, sempre lhe dava esperanças.
— Parabéns, meu filho. Conseguiu passar no ritual. Estou muito orgulhosa. — Ela deu dois tapinhas em seu ombro. — Agora, levante e vamos voltar. Está frio e tarde. Precisa jantar e teremos uma conversa bem a respeito dos Baloeiros, está bem?
Ela ficou de pé. Dante pôs a mão no chão, antes de fazer força para levantar, observou sua pele. Estava um pouco gasta, com rugas. Piscou os olhos rapidamente e chegou a palma para perto dos seus olhos.
— Droga, isso é sério? Eu fiquei mais velho?
Render lhe deu uma risada na mesma hora.
— Eu te disse. O corpo nos é dado a partir da nossa capacidade de receber a Energia Cósmica. Treinou tanto que seu corpo chegou ao limiar com essa aparência. — Render segurou a mão de Linda e começou a voltar. — Agora, vamos. Está tarde e sua irmã está nos esperando.
Dante ficou de pé ainda pasmado. Ele estava velho. Como? Queria ver sua aparência logo. Os cabelos, claro. Colocou a mão e viu que estava ali, mas quando puxou um pra frente, a cor… Era o branco. Um branco bem forte.
— Merda, eu estou velho. Merda.
Seus pais pararam e o viram cair de joelhos.
— Não esperava que ele fosse vaidoso — disse Linda, se divertindo. — Nunca mostrou ser assim.
— Não o culpo — respondeu Render, com um pouco de pena. — Eu recebi um corpo vinte anos mais novo, e não gostei. Ser mais velho é ser mais forte, mas carregar isso pra sempre é um fardo pesado. Ele vai acostumar, como eu acostumei.
O rosto, Dante tateou seu rosto para ver se tinha algo diferente, mas estava bem no lugar. Quadrado, olhos fundos, e o nariz que gostava. Ele só tinha ficado velho mesmo. E não podia ficar irritado, quanto mais irritado, mais energia corporal era usada.
Sua habilidade ‘Conversão Muscular’ não era muito boa para quando suas emoções tivessem a flor da pele. Respirou fundo, pôs cada pensamento no lugar, e levantou as pernas. Não tinha mais dez anos para ficar irritado com coisas dessa forma. Tinha recebido o ritual do seu pai, tinha conseguido um bom corpo e estava prestes a realizar seu sonho.
Virou o rosto para os dois que o esperavam. Aqueles dois depositavam mais do que somente seus sonhos, mas sim a vida inteira para que ele pudesse chegar até aquele momento. Não. Ele forçou o corpo a ficar de pé e a pressão da Energia Cósmica caiu sobre ele, levando toda a área em quase vinte metros a receber uma pressão esmagadora.
Render rapidamente ergueu o dedo direito e um guarda-chuva de energia foi criado sobre eles. A pressão que caía rachou o primeiro guarda-chuva. Ficou mais sério e criou outros três para suportar. E mesmo assim, era nítido que Dante estava se segurando.
— O que ele está fazendo, Render? — Linda não sabia muito sobre as habilidades. — Ele está sorrindo bem estranho.
— Está se acostumando. Esse é o peso que ele carrega. — Render ficou em silêncio por um tempo. — Pelo menos, parece que é isso.
Dante tirou o ar do peito e deu seu primeiro passo. A pressão se desfez na mesma hora. Ele caminhou na direção dos dois como se nada estivesse acontecendo. E sorriu. A energia que estava no seu corpo tinha sido dissipada de uma só vez.
— Pronto, pai. Agora estou zerado.
— Contabilizou tudo?
— Como me ensinou a fazer. — Dante mostrou o dedão erguido. — Estou pronto para voltar.
Um homem grande, forte e com uma aparência velha. Dante ignorou, se sentia forte. Isso era o mais importante. Vinte e nove, setenta ou oitenta anos, do que importava se ainda podia andar e respirar?
Não se importaria com isso.
Bom, até chegar em sua casa e encontrar com Talia. A jovem de dezessete anos apontou para ele, no meio da mesa de jantar, gargalhando.
— Você é um velho. — E segurava a barriga de tanto rir. — Puta merda, ele virou um velho mesmo, papai. Deixou ele se transformar em um velho gagá.
— Para de gritar, maldita — respondeu Dante apontando o dedo pra ela. — A gente está comendo. Do que adiante eu ser novo e fraco? Agora o pai me ensinou tudo.
— Cadê? — Talia perguntou olhando para os lados. — Não estou vendo.
Dante procurou também.
— O quê?
— A bengala do velhote. — E gargalhou de novo. — Isso que eu chamo de transformação mesmo.
Render levou a mão a boca depois da colherada, mas deu pra ouvir a risada abafada. Linda fez o mesmo. Dante apontou para eles, nervoso.
— Estão do lado dela? Vocês também? — Ele enfiou a colher na boca e mastigou forte. — Eu só estou velho porque a Energia Cósmica me deu isso. Eu não queria ser gordo, nem calvo ou careca, mas ele me fez velho. Por isso estou agradecido.
Seu pai soltou outra risada abafada e balançou a cabeça.
— Não se preocupe, filho. Quanto mais velho você estiver, melhor é o seu corpo.
— E todo mundo vai querer te jogar no asilo do vilarejo — berrou Talia, apontando o dedo e caindo na mesa de tanto rir. — Ai, minha barriga.
Linda ergueu a mão e Talia parou na mesma hora. A autoridade da mãe era absoluta.
— Seu irmão está nisso faz mais tempo do que você tem de vida, mocinha. Deveria ser mais respeitoso com ele. — Linda encarou Dante e balançou a cabeça, lhe dando vantagem. — E pare de se preocupar com cada pedra que atirem em você, nunca vai andar se parar para latir para eles. Lembra que te ensinei isso?
Dante abaixou a cabeça.
— Sim, senhora.
— Ótimo. Acabem de comer e vão para a cama. Amanhã terão um dia inteiro no vilarejo. E Dante, arrume suas coisas. Está na hora.
Talia encarou o irmão abaixar a cabeça e depois concordar em silêncio. Ele se levantou deixando o prato vazio, e foi em direção ao seu quarto.
— Talia — chamou Render, seu pai. — Seu futuro está nas análises, lembra disso. Você fará o teste para inteligência dos Decaídos, mas seu irmão não teve essa mesma sorte. Ele precisa estar nas linhas de frente, então, seja educada com ele quando estiver por lá.
Talia encarou o pai e depois virou. O quarto de Dante estava na direção da cozinha, e o viu ajoelhar diante da mala e pegar seu traje costurado, era o que sua mãe tinha feito anos atrás. E o viu estalar os dedos duas vezes.
— Ele ainda tem o mesmo tique, pai. — Voltou para Render. — Pode deixar que vou cuidar do velhote quando ele estiver lá. Até porque sou a irmã mais nova. Tenho que cuidar bem dele.
Linda sorriu da pia e concordou.
— Agora, pra cama. Precisam acordar cedo amanhã. Dante vai partir sozinho, você só precisa estar lá no vilarejo na semana que vem, mas vamos nos despedir dele direito.
II
Pela manhã, Dante estava do lado de fora antes mesmo do sol nascer. O céu estava limpo, na mistura que adorava ver, o azul do dia mesclado com o azul da madrugada, onde as estrelas mais fortes ainda brilhavam. O vento soprava com delicadeza, balançando a grama, e ele podia ver a estrada que levaria ao seu destino.
Foram muitos anos treinando. Cada dia um ensinamento diferente. Cada dia uma luta diferente. Tudo para se manter na esperança de seu pai. Vinte e nove anos. Essa sua idade agora não importava em nada porque sua aparência lhe daria novos caminhos.
Ainda era engraçado ver seu rosto refletido com certas rugas, um cabelo branco, mas não tinha nada de diferente em sua postura. Cada movimento, cada passo, tudo que ele fazia convertia energia cinética em muscular. Ainda era a mesma luta de sempre, para controlar seu poder. Nada de novo sob o sol.
E isso lhe tirava um enorme peso do ombro.
— Dante. — Seu pai o chamou pelas costas. — Acordou mais cedo do que deveria, filho.
— Apenas apreciando um pouco. — Assim que se virou, viu os três reunidos. Linda e Talia lado a lado, e Render mais a frente com um objeto metálico em mãos. — O que é isso?
Ele esticou a mão e o objeto pulou para o pulso de Dante, o prendendo na mesma hora. Ele se enroscou em seu pulso, e firmou na pele enfiando agulhas.
— Essa é a Vick — respondeu Linda. — Ela foi o presente que minha avó me deu assim que formei na Academia dos Decaídos. Ela é uma IA, uma das mais antigas, que contabiliza a taxa de seu poder. Tudo o que você sabe, ela vai melhorar.
Dante esperou Linda vir até sua direção e o abraçar com força. As mãos dela agarraram suas costas, e afundou o rosto em seu peito.
— Estou orgulhoso de você, meu filho. Vai ser um grande Baloeiro, tenho certeza disso. — Ela se distanciou a cabeça do peito dele. — E lembre-se sempre de tomar cuidado quando estiver no solo, e mais ainda quando estiver voando, entendeu? Nada de gracinhas, nem mesmo de fingir de ferido. Lute sempre com força, e se estiver em perigo, lembra do que te ensinei, certo?
Dante afirmou várias vezes e abraçou ela de volta, quase engolindo-a com os braços largos.
— Não sou nenhum protagonista. Sei bem disso. Vou tomar cuidado com tudo, mãe. Prometo.
Talia foi a segunda a se aproximar. Dante esperava que ela falasse muita coisa. Brigasse ou debochasse dele. Mas ela o abraçou com vontade. Muita força. E disse baixinho:
— Não se machuque. Espere por mim. Vou te ajudar com qualquer coisa nos Lagmoratos.
Ah, mesmo com toda a infância sendo uma das irmãs mais debochadas, aquele abraço deixou Dante bem acolhido. Ele sabia que amor de irmãos eram bem diferentes, mas quando Talia se afastou, deu pra perceber a tristeza e receio.
As duas temiam pelo pior, mas quando Render se aproximou, nada além de convicção e serenidade habitavam seu rosto. Ele sorriu brevemente e esticou a mão.
— Eu o treinei para ser melhor do que eu em tudo. Agora, você vai me mostrar. Quero notícias suas, toda semana, sempre escritas a mão, sem um erro de pontuação. Sempre diga o que comeu, o que estudou, e como lutou. Te responderemos em três a quatro dias. Faça sempre os exercícios, e treine sozinho pelo menos três horas. Não deixe ninguém ditar sua fraqueza, aprenda com seus erros. E acima de qualquer coisa, viva para voltar para casa.
Viva para voltar para casa.
Dante avançou e abraçou seu pai com toda força que podia ter naquele momento.
— Farei de tudo para que o senhor fique orgulhoso de mim, pai — sussurrou em seu ouvido. — Vou fazer com que fique impressionado.
Render o segurou com força, e lhe deu um tapa de mão fechada nas costas, simbolizando a promessa.
— Estarei esperando, garoto. Agora, vai. Se ficar mais alguns minutos, não vou te deixar partir.
Dante se separou e virou de costas, tomando a estrada. E levantou o braço direito, uniu a força no dedo indicador, toda a energia acumulada durante aquele tempo, e deu um peteleco pra cima. O ar foi arrastado pra cima num rastro cinzento, e expandiu contra as nuvens, criando um rombo.
Linda e Talia deram uma risada porque Dante sempre fazia isso quando partia. E Render cruzou os braços.
— Mostre para os desgraçados quem é você, garoto. — E olhou para o céu. — Como nossos antepassados fizeram.
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