Capítulo 104: Ligação Inesperada (I)
O grupo avançou pela passagem recém-aberta, a atmosfera carregada de tensão. A porta revelava um corredor estreito, iluminado por luzes piscantes que pareciam falhar com o tempo. As paredes eram revestidas de metal, marcadas por manchas de ferrugem e arranhões, como se algo ou alguém tivesse tentado entrar ou sair dali.
— “Tempo sobrando” — murmurou Marcus, ajustando a alça da arma em seu ombro. — Você tem um jeito peculiar de dizer “estamos entrando numa armadilha”.
— Relaxa, Marcus — disse Juno, tentando aliviar o clima, mas com uma ponta de nervosismo na voz. — Já enfrentamos coisa pior, não é?
— Nem tudo precisa ser enfrentado — respondeu Jix, o tom grave. — Às vezes, evitar é sobreviver.
Dante manteve-se em silêncio, com os olhos fixos no corredor à frente. Cada passo ecoava, aumentando a sensação de que estavam sendo observados. A voz da mulher não voltou a soar, mas a presença dela era quase palpável, como se estivesse em todos os lugares e ao mesmo tempo em nenhum.
Chegaram a uma sala ampla no final do corredor. Era um laboratório, ou, pelo menos, o que restava de um. Bancadas destruídas, vidros quebrados e monitores desligados preenchiam o espaço. No centro, uma cápsula de vidro estava posicionada sobre uma base metálica. Dentro dela, um brilho suave emanava de algo que parecia ser uma pequena esfera de energia, pulsando em tons de azul e dourado.
— O que é isso? — perguntou Jix, perdido pela luminosidade. — É um Rastro?
— Ah, o velho sabe do que se trata. — A voz apareceu finalmente. — O Rastro, uma força da natureza indomada, muito antiga, datada antes mesmo da revolução. Todos os humanos precisavam dela, queriam ela, mas ninguém poderia ter.
Jix levou a mão ao rosto, fechando os olhos.
— Isso não pode ser real.
— Não? — A voz soou e todos os computadores pulsaram juntos, se acendendo e apagando. — A verdade, a vida, o caminho, tudo estava presente. As Pedras Lunares faziam um trabalho perfeito, sincronizando seus estados, mas vocês simplesmente as deixaram ir. Agora, o Rastro se mostra presente. E mesmo assim, ele não existe.
Marcus chegou perto e passou a mão no orbe que girava em dupla cor. Ela passou direto, sem sofrer alteração.
— É uma simulação — disse aos demais. — Não é real.
— Claro que não é real. — Jix balançava a cabeça. — O Rastro é uma espécie de mantra antiga. Ela carrega esse nome porque tem um poder antigo, deixado para os humanos se erguerem, mas nunca foi revelado. Dizem que a queda da humanidade, do que tinha sobrado dela, foi por causa… disso.
Marcus se afastou em vários passos.
— Destruída — a palavra não descia direito na garganta de Dante. Ele queria saber porque Vick estava tão quieta. Ela claramente tinha algo a comentar, então, por quê? — Estamos diante de uma simulação, só isso.
Marcus não aprovava sua confirmação.
— Simulação ou não, isso aqui parece ser importante também. O que vamos fazer sobre isso? Nada, e mesmo assim, se torna importante.
Juno caminhava de um lado para o outro, os passos ressoando de forma abafada no chão desgastado. O ambiente ao redor parecia sufocante, com fios emaranhados se estendendo como raízes para outro cômodo, pulsando com energia latente. Seu olhar inquieto saltava de um monitor empoeirado para outro, enquanto as vozes atrás dela continuavam o debate acalorado. Ignorou os murmúrios, deixando-os para trás enquanto atravessava a entrada de uma sala diferente.
Ali, o ar parecia mais denso, quase estagnado, e o cheiro de metal oxidado e poeira antiga dominava o ambiente. Um imenso computador ocupava o canto da sala, suas bordas irregulares iluminadas apenas por uma luz fria e fraca vinda do teto. Telas de televisão estavam dispostas ao redor, como olhos mortos, encarando-a com indiferença. No centro, um teclado desgastado, coberto por uma camada espessa de poeira, repousava diante de uma cadeira velha de couro rasgado. Juno hesitou antes de puxá-la, o rangido alto ecoando no espaço vazio.
De repente, uma voz baixa e sedutora soou perto demais, como se sussurrasse diretamente em seu ouvido.
— Você pode escutar o chamado — dizia, suave e ameaçadora. — Eu entendo seu clamor pelo poder, jovenzinha. Eu também já senti a urgência de fazer mais, de ir além do que meus olhos podiam enxergar. Mas estamos presas… A prisão da mente, do corpo e do espírito.
Juno ficou paralisada. As palavras ecoaram em sua mente, trazendo à tona memórias que preferia esquecer.
— Presa… — murmurou, quase sem perceber.
A imagem do Capitão Seleri surgiu com força em sua mente. A expressão de fúria, o dedo acusador apontado para ela após sua última falha. “Incompetente”, ele havia gritado. O som da palavra parecia ainda reverberar em seus ouvidos. O peso da culpa e da rejeição esmagava seus ombros. Sempre que tentava ajudar, tudo dava errado. Era por isso que haviam decidido deixá-la para trás, condenada ao isolamento. Uma punição cruel, destinada a matá-la lentamente, longe de todos.
Seus dedos, tremendo, pousaram na carcaça fria da máquina. O contato enviou um arrepio por sua espinha. Um estalido seco ressoou, e Juno recuou ao ver faíscas dançando entre sua palma e o computador. Antes que pudesse reagir, as telas mortas ao seu redor ganharam vida em uma explosão de luz, preenchendo o quarto com um brilho intenso. Linhas de números e letras começaram a deslizar pelas telas, um fluxo interminável de informações incompreensíveis.
Ela deu um passo para trás, o coração batendo acelerado, enquanto observava o espetáculo caótico diante de si.
— Saudações, visitante inesperado — uma voz robótica e impessoal ecoou, saindo das profundezas do sistema.
Dante, Jix e Marcus entraram quase de imediato ao ouvirem.
— Parece que vocês tiveram um caminho bem difícil para vir até aqui, não é? Eu sei, eu também teria um imenso desprazer em achar um lugar tão bem montado e sem ninguém. Eu poderia tentar descrever o que houve, mas creio que você estaria bem distante do meu tempo. Agora, nós fazemos as contas em Antes e Depois dos Felroz. — Ele riu, mas não enxergavam seu rosto, apenas letras e números descendo. — Vamos ao que importa. Você chegou aqui, estabeleceu conexão, energia e paciência, então, meus parabéns. Você tem agora as informações necessárias. Esse mundo está acabado. O que você conhecia, o que nós conhecíamos, tudo se perdeu. Os governos deixaram as criaturas sem supervisão, e isso culminou na procriação. Ah, você já deve saber. Os Lagmoratos são como um ninho, por isso, não fiquem dentro dele. Eu queria poder ajudar, mas deixei apenas alguns poucos capacitores espalhados, mas creio que nenhum deles deve estar agora por aí. Bom, Kappz já foi uma boa cidade, mas você vai sofrer com a queda dela, como eu sofri. Ela está dominada pelas criaturas, algumas que nem mesmo eu consigo compreender, por isso, as Pedras Lunares protegem esse lugar, e você retirou uma delas para acessar essa parte. Ainda restam mais 19, e os Felroz vão vir, então, se apresse e se prepare. Eles são adaptados com o ambiente, com a Energia Cósmica, e acima de tudo… — a voz travou. — Você…
A voz travou, e um silêncio pesado tomou conta da sala. De repente, uma das telas brilhou em branco, exibindo a imagem de um planeta girando lentamente no espaço. Pequenos pontos vermelhos piscavam em várias partes do globo.
Dante apontou.
— O que é isso? São lugares?
Vick rapidamente respondeu.
“O computador está enviando uma mensagem em Frequência Dissipada para todos os lugares que já tinha registro.”
Dante se aproximou rapidamente, olhando os nomes. O azul era onde estavam, em uma distância enorme de qualquer outro lugar em vermelho, mas haviam cidades espalhadas pelo globo inteiro.
— Podem achar que foram apenas duzentos anos — a voz do homem soou novamente. — Mas, fazem mais de 500 anos que estamos tentando combater essas criaturas. Não tenho esperança porque já estou morto.
Juno sentiu um arrepio percorrer sua espinha ao ouvir aquelas palavras.
— Mas você, visitante… ouça a voz da razão, mesmo que ela seja bruta e desdenhosa. A voz da razão se chama…A frase foi cortada abruptamente, e todas as telas apagaram ao mesmo tempo. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor, preenchido apenas pela respiração pesada de Dante e os estalos ocasionais das máquinas.
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