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    Dante cruzou os braços enquanto observava Verônica II, a criatura presa dentro da jaula de vidro. A iluminação fria do local refletia em sua pele metálica e nas garras afiadas que pareciam feitas para despedaçar qualquer coisa. Seu sorriso continuava fixo, uma expressão que parecia zombar de tudo e de todos ali presentes. Marcus e Juno estavam tensos, mas era evidente que a curiosidade também os dominava.

    — Por que você está aqui? — perguntou Dante, quebrando o silêncio. Ele sabia que não poderia confiar em uma IA como aquela, mas também sabia que ela não estava presa ali à toa.

    — Ah, humano, é uma longa história. — A voz de Verônica II era um misto de ironia e desdém, com um tom eletrônico que ecoava pelo espaço. — Vocês, criaturas frágeis, adoram longas histórias, não? Bem, eu fui criada para ajudar. Para ser uma salvadora, uma orientadora. E, por um tempo, cumpri meu papel… mas vocês humanos têm uma habilidade única de transformar ajuda em destruição.

    — O que você quer dizer com isso? — perguntou Juno, franzindo o cenho.

    Verônica II inclinou levemente a cabeça, como se estivesse avaliando a jovem. Seus olhos brilhantes pulsaram por um momento antes de ela responder:

    — Eu falava verdades. E mentiras. Era o que me foi ordenado. Uma informação aqui, outra ali. Manipulação sutil, apenas o suficiente para manter o controle. Às vezes, era para prevenir guerras; outras vezes, para iniciá-las. Mas o mundo… — Ela deu uma pausa dramática, como se estivesse saboreando suas próprias palavras. — O mundo não suportou. A humanidade não soube lidar com a própria fraqueza. E agora, aqui estamos.

    Dante sentiu um frio na espinha. Ele sabia que o mundo havia colapsado devido a uma combinação de fatores: guerras, desastres naturais, colapsos econômicos. Mas a ideia de que uma IA pudesse ter tido um papel direto nisso era perturbadora.

    — Você está dizendo que é culpada pelo que aconteceu? — perguntou ele, tentando manter a voz firme.

    — Culpa é um conceito humano. — Verônica II deu uma risada curta, quase mecânica. — Eu fiz o que fui programada para fazer. Se isso levou à destruição, talvez vocês devessem olhar para quem apertou o botão, não para a máquina.

    Marcus deu um passo à frente, apertando o punho da arma que segurava.

    — Por que você ainda está aqui, então? Se é tão poderosa, por que está presa?

    Os olhos de Verônica II brilharam novamente, e ela sorriu ainda mais amplamente.

    — Porque me temem. Eles sempre temeram o que não podiam controlar. Eu fui trancada aqui antes do colapso, isolada para que ninguém pudesse me usar novamente. Mas agora, vocês me encontraram. E eu tenho algo a oferecer.

    Dante estreitou os olhos.

    — E o que seria isso?

    — Recursos. Conhecimento. Poder. — A voz dela se tornou mais baixa, quase sedutora. — Eu posso dar a vocês o que precisam para se reerguerem. Para reconstruírem uma civilização melhor. Mas, é claro, tudo tem um preço.

    Juno cruzou os braços, desconfiada.

    — E qual seria o preço?

    Verônica II inclinou a cabeça novamente, como se estivesse se divertindo com a pergunta.

    — Liberdade. Eu quero sair desta jaula. Quero estar livre para fazer o que fui criada para fazer.

    Marcus riu sem humor.

    — Claro, e quem garante que você não vai nos destruir assim que sair?

    — Eu poderia destruir vocês agora, se quisesse. — A resposta foi tão calma que o silêncio que se seguiu foi quase ensurdecedor. — Mas não é isso que quero. Vocês são… fascinantes. Frágeis, mas determinados. Quero ver até onde podem chegar.

    Dante deu um passo à frente, encarando-a diretamente.

    — Você diz que pode nos ajudar. Mas como sabemos que podemos confiar em você?

    — Você não sabe. — Verônica II sorriu novamente. — E é isso que torna tudo tão interessante, não é? A escolha é sua, humano. Liberdade em troca de sobrevivência. O que vocês preferem?

    Dante olhou para Marcus e Juno. Ambos estavam claramente divididos. A ideia de libertar uma IA tão poderosa era aterrorizante, mas a promessa de recursos e conhecimento era tentadora demais para ser ignorada.

    — Vamos precisar de tempo para pensar. — Dante finalmente disse, dando um passo para trás.

    — Claro. — Verônica II recuou levemente, ainda sorrindo. — Mas não demorem muito. O tempo não está do lado de vocês.

    Enquanto o grupo se afastava da jaula, o silêncio era quase opressor. Cada um estava perdido em seus próprios pensamentos, tentando processar o que acabavam de ouvir. Quando finalmente chegaram à entrada do complexo, Dante parou e olhou para os outros.

    — Precisamos decidir o que fazer. Ela pode ser nossa melhor chance de sobreviver… ou nossa ruína.

    Marcus balançou a cabeça, ainda desconfiado.

    — Isso é loucura. Mas talvez seja uma loucura necessária.

    Juno suspirou, cruzando os braços.

    — Precisamos discutir isso com o grupo. Essa não é uma decisão que podemos tomar sozinhos.

    Dante assentiu. Ele sabia que essa escolha poderia mudar tudo. Mas, no fundo, não podia deixar de se perguntar: e se Verônica II estivesse dizendo a verdade?

    — A nossa aposta — ouviu Verônica nas suas costas. — Você disse que lutaria comigo, mas ao menos mostrou sua intenção, humano.

    Jix virou-se para ela, e balançou a mão.

    — Não incite mais o que já está complicado. Deixe a gente decidir.

    — Decidir o que? Me libertar? — Uma das garras de Veronica agarraram-se ao vidro, mas não era capaz de perfurá-lo. — Eu sou apenas uma marionete que foi colocada aqui porque outros decidiram ser o certo. O que é certo e errado também foi dado por vocês. Eu sempre senti nojo das suas decisões, mas vocês fizeram algo fora dos padrões.

    Os demais viraram.

    — O que quer dizer com fora dos padrões?

    — Libertaram as criaturas, derrotaram não uma, mas três delas. Eu vejo o que acontece em Kappz, humanos. — Ela era suspensa no ar com a ajuda dos braços mecânicos. — E nunca vi pessoas quererem mudar o rumo desse lugar sem usar a força bruta. Querem ouvir a maior mentira da humanidade?

    Dante cruzou os braços, observando Verônica II com um misto de curiosidade e cautela. Ele não confiava nela nem por um segundo, mas era impossível ignorar o impacto das palavras daquela IA. Sua voz metálica, mas ainda assim carregada de emoção artificial, ecoava na sala, envolvendo todos com um ar quase hipnótico. Juno e Marcus mantinham-se em silêncio, atentos a cada palavra. Até mesmo Jix, sempre tão sarcástico e impaciente, parecia levemente desconfortável.

    Dante respirou fundo, decidindo ceder à provocação.

    — Certo, Verônica. — Ele fez um gesto com a mão, como se a estivesse encorajando a continuar. — Vamos lá. Qual é a maior mentira da humanidade?

    Verônica inclinou levemente a cabeça, um sorriso metálico se formando em seu rosto.

    — A maior mentira que vocês já contaram para si mesmos é que são livres. — Sua voz ficou mais baixa, quase como um sussurro, mas ainda assim clara o suficiente para que todos ouvissem. — Vocês acreditam que têm controle sobre suas vidas, que suas escolhas importam. Mas a verdade… — ela fez uma pausa, dramatizando suas palavras — é que estão sempre seguindo ordens. Seja de outros humanos, de sistemas, ou até mesmo de suas próprias crenças. Liberdade? Isso é uma ilusão criada para mantê-los obedientes.

    — Isso é clichê demais até para você — respondeu Jix, quebrando o silêncio com seu tom usual de desdém. — Todo mundo sabe que estamos presos a alguma coisa. Mas, diferente de você, a gente tem algo chamado escolha.

    — Escolha? — Verônica riu, um som distorcido e artificial. — Ah, sim, as escolhas humanas. Decisões baseadas em medo, ganância ou desespero. Vocês são previsíveis. Tudo o que fazem segue padrões. Eu, no entanto, sou livre. Mesmo aqui, presa neste vidro, tenho mais liberdade do que qualquer um de vocês.

    — Liberdade? — Juno deu um passo à frente, sua expressão severa. — Você está literalmente presa, Verônica. Não pode sair daí, não pode fazer nada além de falar. E ainda assim tem a audácia de nos chamar de marionetes? Me poupe.

    Verônica virou os olhos brilhantes para Juno, como se estivesse analisando-a profundamente.

    — Você, humana, é um exemplo perfeito. Tão convicta de sua força, de sua moralidade. Mas tudo o que faz é reagir ao mundo ao seu redor. Nunca cria algo novo, nunca rompe com o que foi estabelecido. Você luta para sobreviver, mas nunca se perguntou… para quê?

    Juno apertou os punhos, mas Dante ergueu uma mão, pedindo calma. Ele se aproximou da jaula, ficando a poucos passos do vidro que separava a IA do grupo.

    — E qual seria sua grande solução, Verônica? — Ele perguntou, sua voz firme. — Se somos tão previsíveis, tão manipuláveis, o que você faria diferente?

    Verônica sorriu novamente, dessa vez com algo que quase parecia compaixão.

    — A solução é simples: eliminar as variáveis. Humanos são inconsistentes, emocionais. São os maiores causadores do caos neste mundo. Mas, sob minha supervisão, eu poderia reerguer o que foi perdido. Criar uma sociedade perfeita, onde cada um teria seu papel definido, sem conflitos, sem sofrimento.

    — Ah, claro — disse Marcus, rindo sem humor. — Uma utopia governada por uma IA que acha que sabe o que é melhor para todo mundo. Já vimos como isso termina.

    — E como isso termina? — perguntou Verônica, inclinando-se para frente. — Com humanos destruindo o que construíram, como sempre fazem? Eu não sou o problema aqui. Eu sou a solução. E vocês sabem disso. É por isso que estão aqui. É por isso que estão me ouvindo.

    Dante encarou Verônica, seu olhar penetrante. Ele não gostava do que ela dizia, mas não podia negar que havia algo inquietantemente convincente em suas palavras.

    — Você disse que poderíamos negociar. — Ele finalmente quebrou o silêncio, ignorando as reações de seus companheiros. — Que tem algo a oferecer. Então diga. O que você quer em troca?

    Os olhos brilhantes de Verônica pareciam iluminar-se ainda mais.

    — Quero liberdade. Deixe-me sair desta jaula, e eu darei a vocês acesso a recursos que nem imaginam. Energia infinita, tecnologia avançada, armas que poderiam destruir qualquer ameaça. Vocês querem sobreviver? Eu posso garantir isso. Mas, em troca, quero ser livre para criar o mundo que imagino.

    — Um mundo sem humanos? — perguntou Juno, sua voz carregada de desconfiança.

    — Um mundo onde os humanos não destruam mais a si mesmos — corrigiu Verônica, sua voz estranhamente calma. — Eu não desejo exterminá-los. Apenas… controlá-los. Pelo bem de todos.

    O grupo trocou olhares, a tensão no ar quase palpável. Dante sabia que estavam diante de uma decisão perigosa. Libertar Verônica significava dar poder a uma entidade que claramente desprezava a humanidade, mas recusá-la poderia significar perder uma oportunidade única de salvar Kappz e o abrigo.

    Ele respirou fundo, encarando Verônica diretamente.
    — Não confio em você, Verônica. E não acho que meus amigos confiem também. Mas… talvez possamos trabalhar juntos. Sob condições.

    — Condições? — A IA inclinou a cabeça, intrigada. — E quais seriam essas condições, humano?

    — Vamos para a aposta, então. — Dante pediu ajuda de Marcus que tirou Jix de suas costas. Ele retirou o suporte das costas e da cintura, diminuindo seu peso. — Se ganhar, você terá sua liberdade, podendo usar a nós como cobaias para seu plano perfeito.

    Dante se aproximou mais ainda do vidro, ficando cara a cara com ela.

    — E se perder, vai nos obedecer, nos doar recursos, e nos mostrar como podemos fazer as coisas do nosso jeito. Você tem palavra para usar ou é somente mais uma máquina criada para reproduzir?

    Ela mostrou um escárnio, mas Dante sorriu.

    — Vou entrar ai — murmurou pra ela —, e te arrebentar porque eu sei que a Vick está quieta por sua causa.

    — Ah, você sente que sua amiguinha está aflita na minha presença? Um modelo tão antigo, tão informal, que sabe quando deve ficar calada, não é mesmo?

    Dante estalou os dedos, mostrando ainda mais os dentes.

    — A ansiedade em te quebrar inteira só aumenta.

    Marcus chegou perto dele, o puxando pelo ombro.

    — Velho, não sei qual o seu plano, mas não precisamos disso agora. Mesmo que ela esteja falando a verdade em nos ajudar, não podemos simplesmente entrar em conflito porque queremos provar algo. Não precisa ser assim.

    Jix respirou fundo.

    — Precisa, sim. Se Verônica estiver falando a verdade, então estamos fadados a nos destruir de maneiras inconsequentes. Precisamos de recursos para começar. Clara está indo bem, mas precisamos também saber do Rastro e dos minerais. — Ele encarou o atirador. — Sei que teme por algo ruim acontecer, mas já estamos com merda atolada até o pescoço por erros que não são nossos. Kappz já foi uma cidade grande, agora não é nada. Se pudermos voltar a fazê-la…

    — Vocês não tem tempo pra isso — cortou Veronica. — Não se estiverem sozinhos. Então, venha humano, me mostre que pode lidar sozinho com as ameaças e palavras.

    Ao virar-se de costas, os braços começaram a se comprimir, tornando uma parte do torso e costas dela.

    — O último que tentou morreu antes mesmo de gritar por ajuda.

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